O conforto de uma sala de cinema nos faz esquecer dos problemas, das contas atrasadas e até do aquecimento global. Embora essa não seja uma sensação ruim — muitas vezes necessária — Rainha de Katwe (Queen of Katwe, 2016) tira o espectador da zona de conforto, mesmo dentro da sétima arte. Baseado em fatos reais, o longa conta a história de Phiona Mutes, uma menina de dez anos que, mesmo em meio a pobreza extrema, consegue mudar a trajetória de sua vida a partir de um simples tabuleiro de xadrez.
Phiona (Madina Nalwanga) vive com seus três irmãos e a mãe Harriet (Lupita Nyong’o) na favela de Katwe em Kampala, capital de Uganda. A família tem como única fonte de sustento a venda de milho, que mal consegue garantir alimento suficiente para todos. As crianças não sabem ler nem escrever, porque o trabalho e o local onde vivem os impedem de frequentar uma escola.
Certo dia, entre as andanças pela cidade, Phiona passa por várias crianças brincando. Curiosa, ela timidamente se aproxima e quando notada, é convida a entrar por Robert Katende (David Oyelowo), um jogador de futebol que virou missionário e ensina xadrez para crianças locais. A garota os observa jogar, e depois é ensinada por uma das alunas as técnicas também. Deste então, Phiona começa a frequentar o local escondida de sua mãe, e a dominar cada vez mais o jogo. Com o passar do tempo, Katende percebe que a garota possui uma habilidade incomum para o xadrez e a incentiva a participar de torneios locais, nos quais ela se destaca. Logo, a jovem vai ganhando cada vez mais reconhecimento em sua cidade e posteriormente em todo seu país.
A coragem com a qual a garota enfrenta os obstáculos da vida, a garra de sua mãe e o compromisso que Katende tem com o aprendizado da menina são bastante comoventes. É inevitável não entrar na história, ou se colocar no lugar daqueles personagens e, nem que apenas por um instante, refletir sobre o mundo em que vivemos. A realidade ali retratada é a de milhões de pessoas ao redor do mundo.
A vida da campeã de xadrez dispensa os artifícios estéticos de uma produção hollywoodiana, usados a exaustão no longa, do figurino super elaborado à fotografia impecável. A história narrada é, por si, boa o suficiente para atrair qualquer um e nada consegue ofuscá-la. Ao lado de nomes como Lupita Nyong’o e David Oyelowo, Madina Nalwanga fez uma bela e primorosa estreia nos cinemas. Assim como a personagem, Nalwanga também vêm de uma zona pobre de Uganda: “A história de Phiona é igual à minha”, disse a atriz em entrevista. “Seu passado é como o meu, mas para ela foi o xadrez que mudou tudo e para mim foram a dança e o canto.”
O filme é um verdadeiro choque de realidade e provoca, emociona, faz refletir. Não é mais uma história de superação clichê inventada por alguém. Rainha de Katwe carrega consigo as cores da verdade. Phiona Mutes é muito mais que uma jogadora de xadrez, muito mais que uma vencedora e muito mais que uma rainha.
Confira o trailer:
por Igor Soares
digor.soares@gmail.com