De traços simples e linguagem cômica e leve fez-se uma das biografias mais amadas e lidas do mundo. Escondido talvez pelo rótulo de seu gênero, Persépolis é muito mais do que um livro que conta a história de uma só pessoa. Persépolis fala também sobre a resistência de um povo, sobre a máscara de civilização que esconde a xenofobia, sobre um feminismo que tenta sobreviver em solo árido. É, antes de tudo, um livro de luta.
Marjane Satrapi viveu tempos de profundas mudanças no Irã e viu o seu povo, que ela mesma bem lembra ter sido copiosamente oprimido por séculos, ser novamente imposto a um regime que não os representava – tão pouco falava a sua língua, já que a partir daí sequer podiam mais fazer orações no próprio idioma. Era iniciada a Revolução Xiita, que pregando a libertação do Irã dos valores ocidentais e a recuperação dos costumes islãs restringia os mais básicos direitos de expressão e igualdade dos iranianos.
Marjane, que passara parte da infância sem o peso do fundamentalismo religioso e se acostumara com a visão de mundo liberal de seus pais, via-se agora obrigada a usar um véu para sair de casa. Este foi apenas o começo do abismo que se interpôs entre ela e seu país.
Estranhamente, quando se muda sozinha para Viena, fugindo da progressiva agressividade do regime xiita, e passa a viver entre europeus, a única identidade que possui é a de iraniana, uma indesejada imigrante. Em cada insulto, desconfiança e julgamento enxergamos não só a jornada de Marjane, mas também a de milhares de outros imigrantes do Oriente Médio que buscam em terras européias um esconderijo para fugir das guerras que assolam seus países.
Sufocada pelo preconceito, pelos vícios e pela solidão, Marjane volta ao Irã e o peso das tradições de um universo completamente diferente recai novamente sobre seus ombros. Sem identidade, ela se sentia uma iraniana no Ocidente e uma ocidental no Irã.
Em mais um dos pontos altos do livro, a autora narra o período de depressão pelo o qual passou de maneira tão real e direta que qualquer sentimento de piedade que o leitor poderia sentir se converte imediatamente, se não em identificação, ao menos em empatia.
Ao se reerguer da depressão, Marjane opta por assumir uma postura de luta diária. O pequeno gesto de um batom nos lábios ou de um fio de cabelo escapando do véu era sua guerrilha diária contra o sistema machista e opressor que vigorava.
O pano de fundo do livro é a guerra travada entre os progressistas islãs e a ditadura fundamentalista, mas o que fez o mundo realmente identificar-se com Marjane Satrapi foi uma outra luta: aquela que ela trava dentro de si mesma. Entre universidade, festas, amigos e casamento, sua jornada tão particular torna-se ao mesmo tempo universal. De alguma maneira todos estão ali em Persépolis. Ora como oprimido, ora como opressor.
Por Taís Ilhéu
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