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Ombudsman: Jornalista não é fonte

Em março de 2021, José Antônio Arantes aparecia nas páginas dos jornais de uma forma diferente da qual estava acostumado. A sede do seu jornal, Folha da Região, onde também funciona uma rádio comunitária, em Olímpia (SP), havia sido incendiada num ataque anônimo após Arantes criticar o comportamento de pessoas contrárias às medidas de restrição …

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Em março de 2021, José Antônio Arantes aparecia nas páginas dos jornais de uma forma diferente da qual estava acostumado. A sede do seu jornal, Folha da Região, onde também funciona uma rádio comunitária, em Olímpia (SP), havia sido incendiada num ataque anônimo após Arantes criticar o comportamento de pessoas contrárias às medidas de restrição na pandemia. “A gente vem sofrendo achaques pela internet de pessoas reacionárias, negacionistas. Semana passada começamos a sofrer uma campanha muito virulenta porque fazemos defesa intransigente de isolamento e medidas restritivas”, ele afirmou à Folha de S.Paulo.

Quando jornalistas viram entrevistados em matérias, dificilmente o motivo que os levou até o outro lado do balcão é amisto. Não é bom sinal repórteres como Patrícia Campos Mello, da Folha, ou Maju Coutinho, da TV Globo, aparecerem nos títulos de reportagens. Até porque existe uma regra implícita no jornalismo: com exceções, jornalistas não são fontes.

Por mais que um diretor da Jornalismo Júnior entenda ou simpatize com determinado filme, não há justificativa jornalística para entrevistá-lo sobre o assunto. Não sendo pesquisador, especialista, um fã inusitado ou um próprio funcionário da empresa, ele acabou interpretando um papel (perdão pelo trocadilho) inadequado de fonte na matéria “Studio Ghibli e a atemporalidade de suas animações”, publicada em 21 de agosto no Cinéfilos. O mercado de animações japonesas não está estabelecido no Brasil, mas certamente haveria alguém da Academia disposta a ser ouvida.

Ao ser questionado até sobre seu filme preferido do estúdio, o diretor da Jota é colocado no centro das atenções, jogando Miyasaki para o acostamento.

“O esporte de ponta cabeça: Uma pirâmide com a ponta mais pesada que o tronco”, publicado em 17 de setembro na J.Press, é uma boa reportagem, além de trazer um bom gancho: o fim da Olimpíada de Tóquio e os olhos voltados para Paris-2024. A matéria é bem escrita, não foge do assunto e traz duas boas fontes (Érika Miranda e Leandro Mazzei), mostrando a disposição das repórteres em encontrar alguém de peso para falar do assunto. As outras duas (Lucas Mazzo e Abel Curtinove), no entanto, me pareceram aleatórias, talvez pelo fato de o texto não trazer indicação sobre o porquê elas estavam ali.

A matéria ficaria ainda melhor se trouxesse fonte para os dados usados. Ainda que a informação conste no rodapé do infográfico, qualquer número, dado ou estatística deve ser passado ao leitor com rigorosa transparência. Por fim, as autoras poderiam ter arrematado o texto respondendo mais claramente à pergunta introduzida na linha-fina — o que não tira, no entanto, o mérito da reportagem.

Em “A saga do herói: Vanderlei Cordeiro de Lima”, publicado no Arquibancada em 6 de setembro, o leitor talvez estranhe a escolha de Antonio Colucci como a principal fonte da matéria. Ao apresentar o entrevistado como “especialista em atletismo”, o autor do texto não esclarece ao leitor se Colucci é historiador, pesquisador de alguma universidade, treinador ou membro da Confederação Brasileira de Atletismo, por exemplo. Num texto sobre Vanderlei Cordeiro de Lima, talvez valesse a pena ter tentado entrevistar o próprio atleta, senão Ricardo D’Angelo, seu treinador na ocasião da Olimpíada de Atenas e hoje head de Gestão e Performance no Instituto Vanderlei Cordeiro de Lima.

“A língua, o RAP e a moda no resgate do orgulho de ser preto”, publicado em 18 de agosto no Sala 33, traz um tema interessante, e o autor parece ter bom domínio do assunto, mas o texto mistura demais opinião e jornalismo. Com tanta editorialização, fica difícil classificá-lo como uma reportagem — o que é um problema comum em textos da Jornalismo Júnior. Mas isso não implica prejuízo na qualidade do autor; o texto é que precisa se decidir pelo formato. Ou se é artigo ou se é matéria.

A matéria “Dissonância cognitiva: quando o cérebro é vilão”, publicado em 11 de agosto no Laboratório, é apresentada com uma contextualização leve e explicativa. Alguns ajustes seriam bem-vindos, no entanto, como no seguinte trecho: “O termo cunhado por Festinger, segundo Altay de Souza, psicólogo e apresentador do podcast Naruhodo, é ‘um comportamento que consiste na busca por coerência em nossas crenças e opiniões quando contra-argumentos nos são apresentados’.” O leitor não sabe se Souza foi entrevistado pelo repórter ou se a passagem foi retirada de um episódio do podcast até ler o último parágrafo.

Já o trecho “Ruiz completa dizendo que a ausência do juiz das garantias em um processo, implica a ausência de imparcialidade”, além da vírgula indevida, não condiz com o que o entrevistado afirma: em nenhum momento Ruiz diz que a falta de um juiz de garantias significa um juiz parcial, e sim que isso pode acontecer.

Por fim, eu me despeço desta coluna com o sentimento de que aprendi com os repórteres e as repórteres da Jota muito mais do que eu seria capaz de ensiná-los. E se não pude contribuir com grandes lições para vocês, que pelo menos eu tenha conseguido provocá-los ao debate de ideias. No Brasil de 2021, o que podemos fazer de melhor para a democracia é discordar uns dos outros, ainda que haja um inquilino no Palácio do Planalto se empenhando exatamente na direção contrária.

Foto de Guilherme Caetano

*Guilherme Caetano é repórter de política do jornal O Globo e da revista Época. Também passou pela Folha de S.Paulo, onde foi trainee e redator. Presidiu a Jornalismo Júnior em 2015.

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