Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Ombudsman: Ping é para poucos

Assim que Jair Bolsonaro foi eleito e começou a definir seu ministério, uma das ausências nas nomeações que mais chamaram a atenção foi a do então senador Magno Malta. De tanto trabalhar como cabo eleitoral do candidato do PSL, Malta menosprezou a sua própria campanha e acabou derrotado na sua tentativa de reeleição para o …

Ombudsman: Ping é para poucos Leia mais »

Assim que Jair Bolsonaro foi eleito e começou a definir seu ministério, uma das ausências nas nomeações que mais chamaram a atenção foi a do então senador Magno Malta. De tanto trabalhar como cabo eleitoral do candidato do PSL, Malta menosprezou a sua própria campanha e acabou derrotado na sua tentativa de reeleição para o Senado. Tudo levava a crer que Malta teria cadeira cativa na Esplanada, mas nem a abnegação do aliado comoveu o presidente eleito. Sem cargo, Malta isolou-se no interior do Espírito Santo, recusou contato com a imprensa e por lá permaneceu por um tempo. Em 5 de dezembro de 2018, a repórter Amanda Audi publicou no The Intercept Brasil uma entrevista com Malta, que havia encontrado num voo do Espírito Santo a Brasília e, por duas horas, teve o entrevistado ali sem escapatória. O título: “A mágoa de Magno Malta: ‘Eu achava que ia ser ministro e não fui’”.

O que motivaria uma repórter a perseguir o entrevistado pelo interior do estado e se enfiar num avião para encurralá-lo? Malta precisava ser ouvido. Além de ter sido uma das vozes mais influentes do conservadorismo no Congresso pré-eleição de Bolsonaro, de seu gabinete no Senado a então servidora Damares Alves foi alçada ao cargo de ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. Então, ele se via abandonado pelo presidente. A entrevista não poderia ser em outro formato: foi publicada em pingue-pongue, ou “ping”, como chamamos nas redações.

A matéria “Polícia e favela: dois extremos?”, publicada na J.Press em 30 de julho, opta por esse formato para dar voz a quatro entrevistados anônimos, alternados de maneira aleatória — um deles, inclusive, salta para o meio do questionário (pelo que se depreende) por livre e espontânea vontade. O conjunto de decisões editoriais da entrevista traz confusão a quem lê. Se o objetivo do texto era contar sobre o temor das abordagens policiais nas favelas, por que a opção por quatro entrevistados não justificados? Por que foram especificamente esses quatro? Por que o ping? E por que o anonimato? Há na imprensa inúmeros casos de cidadãos periféricos denunciando publicamente o racismo e a arbitrariedade nas operações da polícia.

Talvez o repórter pudesse ter escolhido um desses procedimentos. A entrevista ping funciona bem para quem tem muito a dizer: geralmente especialistas, algum(a) denunciante, pessoas públicas ou celebridades, alguém que tenha uma história extraordinária a contar. Anônimos podem ser ouvidos, mas não é usual que ganhem espaço para ping na imprensa. Há jornais que convencionam até mesmo vetar aspas de anônimos. Nem todo personagem merece um ping, e quem sabe tenha sido esse o escorregão da matéria: as pessoas ouvidas deveriam ser personagens.

Há muito o que ser contado sobre a forma com que o Estado brasileira trata a população periférica, e o racismo exercido pela polícia aos moradores desses territórios é um dos maiores motivos por que talvez não tenhamos ainda alcançado o nível de uma democracia plena. Retratar essas pessoas é mais do que justo (é necessário!), e o repórter vai bem em levantar essa questão. A abordagem é que poderia ser outra.

O mais interessante do texto “O dia em que a ginástica atingiu a perfeição”, publicado no Arquibancada em 18 de julho, está muito no pé do texto: o episódio do “bug” que Nadia Comăneci causou no placar na Olimpíada de Montreal em 1976, então não configurado para compreender notas 10, é fenomenal. Essa informação é que deveria estar em cima. Na verdade, até está mencionada (“Na ocasião, o placar do ginásio mostrou um luminoso 1,00”), mas sem maiores explicações, o que deixa a passagem confusa.

É o mesmo caso de “Cartografia: o poder na rota dos mapas”, publicado no Laboratório em 14 de julho. O texto deveria começar pelo último intertítulo, onde a novidade está soterrada. Uma matéria se torna mais valiosa quando traz algo novo ou tem um bom gancho. Na falta deste último, a nova proposta de mapa-múndi citada pelo autor na matéria seria uma ótima isca para atrair o leitor ao texto fundamentado em contextualização.

“O vampiro no cinema: como ele se transformou e sobreviveu”, publicado em 17 de julho no Cinéfilos, mistura artigo de opinião, com referências em primeira pessoa, com entrevistas, o que é quase sempre um mau caminho. A matéria, no entanto, traz um bom panorama da trajetória do vampiro no cinema, cheio de exemplos que, junto das imagens, ajudam o leitor a captar as transformações desse personagem ao longo do século.

Por fim, “Mitologia nórdica e sua influência na cultura popular”, do Sala 33, de 19 de julho, é um texto bem escrito, mas oferece uma quantidade de detalhes que talvez faça leitores menos afeiçoados ao tema se sentirem desinteressados. O preenchimento do texto com tantas minúcias aponta para uma paixão do repórter que pode não ser compartilhada pelo público geral. Não é um problema grave, mas algo a ser levado em consideração pelo repórter quando se escreve sobre um tema com o qual simpatiza.

Achismo: imagem de rosto de Guilherme Caetano — autor desta coluna — em rua urbana*Guilherme Caetano é repórter de política do jornal O Globo e da revista Época. Também passou pela Folha de S.Paulo, onde foi trainee e redator. Presidiu a Jornalismo Júnior em 2015.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima