Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Ombudsman: Quem tem a dizer

A Agência Pública contactou 26 mulheres antes de publicar em abril a fantástica reportagem sobre as acusações de crimes sexuais de Samuel Klein, fundador da Casas Bahia. Em dezembro, João Batista Jr. contou na revista piauí a história por trás do assédio do diretor Marcius Melhem contra suas colegas na TV Globo. Ele ouviu 43 …

Ombudsman: Quem tem a dizer Leia mais »

A Agência Pública contactou 26 mulheres antes de publicar em abril a fantástica reportagem sobre as acusações de crimes sexuais de Samuel Klein, fundador da Casas Bahia. Em dezembro, João Batista Jr. contou na revista piauí a história por trás do assédio do diretor Marcius Melhem contra suas colegas na TV Globo. Ele ouviu 43 fontes.

Reportagens com denúncias de crimes de nenhuma ou pouquíssimas provas precisam se alicerçar em depoimentos de um grande número de envolvidos para reduzirem as chances de divulgar inverdades. A matéria “A USP é para todos?”, publicada na J.Press em 16 de abril com o intuito de relatar as agruras de quem escolhe estudar na USP, não precisava ter ouvido 18 fontes — e dado aspas a todas elas.

O esforço da repórter é elogiável, e o tema, pertinente. Ao tentar dar conta de todas as contradições possíveis da Universidade de São Paulo, no entanto, o texto abrange problemas demais. A consequência disso é que perde foco para abordá-los mais profundamente. A matéria atira nos privilégios da USP e acerta em bullying, trotes e até condição de trabalho de funcionários, assuntos que poderiam ter sido tratados em outro espaço.

A quantidade de fontes citadas na matéria torna difícil, num determinado momento do texto, lembrar quem é quem. O leitor precisa rolar a página algumas vezes para checar a identidade de autores e autoras das declarações. A abundância de entrevistados, num texto de 22,3 mil toques (três vezes a maior matéria publicada no impresso da Folha de S.Paulo, por exemplo) esbarra noutro problema. Nem todos os citados têm pertinência para levantar as questões selecionadas dentro das aspas.

Sem culpa alguma, Marco Antônio, aluno da FEA, desinforma ao dizer que a USP participa “diretamente” da produção de vacinas do Butantan (instituto sem vínculo com a universidade, exceto o CEP). Ele também afirma que o Estado “promove sucateamento da verba e da reputação” da USP. Como se torna uma reputação sucata? Literário demais para não ser posto entre aspas. E como se sucateia a verba de uma instituição cujo orçamento é regulamentado em lei? Governos não têm poder para decidir arbitrariamente quantos recursos destinar à USP, que recebe anualmente cerca de 5% da arrecadação do ICMS no estado. São jargões que, sem contexto, fazem mal à informação.

Marco Antônio pode dizer o que quiser, mas é tarefa do repórter selecionar declarações que somem, com alguma propriedade ou autoridade, ao que sua reportagem se propõe. Para falar sobre sucateamento da USP, talvez valesse entrevistar representantes de associações e sindicatos, lideranças estudantis e docentes envolvidos no acompanhamento da gestão universitária. De qualquer forma, isso seria assunto para outra matéria.

Jornalistas não podem reproduzir, sem senso crítico, tudo que ouvem das pessoas com as quais concordam.

Publicada no Arquibancada em 22 de março, a matéria “Os Donos do Jogo: como dirigentes corruptos dominaram durante anos a maior entidade do futebol mundial” compartilha um vício de escrita de outros textos da Jornalismo Júnior: o teor opinativo demais. Isso inclui termos como “certamente estipular uma data de início para a corrupção de qualquer entidade beira o impossível”, “seria quase esperado” e “raríssimas exceções”.

A objetividade no texto jornalístico não se refere a presumir uma isenção, imparcialidade ou neutralidade que não existem. Serve, isso sim, para evitar que a impressão subjetiva do repórter contamine o relato. Quando o repórter escreve “sem dúvida” ou “por uma razão fácil de entender”, acaba subestimando a inteligência do leitor ao indicar trechos da reportagem nas quais não se admite senão o entendimento óbvio. Adjetivos, advérbios e esse tipo de cacoete são quase sempre dispensáveis numa reportagem.

A matéria “Megafauna: os mamíferos da Era do Gelo”, publicada em 24 de março no Laboratório, também comete esses deslizes. O repórter escreve que “esse universo é ainda mais interessante do que aparenta”, referindo-se à fauna do período pleistoceno, num esforço para dimensionar a relevância que ele julga o assunto ter. Não cabe a jornalistas fazer esse tipo de julgamento.

De todo modo, o conteúdo publicado pela Jota tem grandes méritos. Os repórteres são preocupados, curiosos e interessados. As falhas jornalísticas são próprias do percurso acidentado que tem o caminho da profissão. E a prática é o melhor jeito de pavimentá-lo.

 

*Guilherme Caetano é repórter de política do jornal O Globo e da revista Época. Também passou pela Folha de S.Paulo, onde foi trainee e redator. Presidiu a Jornalismo Júnior em 2015.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima