Não é novidade para ninguém que a indústria de jogos já ultrapassou setores como os de música e cinema em termos de faturamento. Com constantes evoluções, os consoles ficaram cada vez mais modernos e os jogos ainda mais realistas. Mas seu início, em termos lucrativos, foi justamente com um jogo esportivo: Pong (1972), produzido pela Atari Inc.
A partir desse lançamento, o mundo do entretenimento não foi mais o mesmo. As empresas buscaram alternativas para se manterem relevantes e o esporte foi um campo frutífero para as diversas tentativas de fazer um bom jogo, algumas bem-sucedidas, outras nem tanto.
O mundo futebolístico, do automobilismo, dos esportes de quadra, entre outros, foram utilizados de diversas maneiras quando o assunto é videogame influenciando gerações e até despertando o interesse de pessoas para a prática esportiva. Subdivisões foram criadas nas maiores empresas de jogos apenas para pensar e fazer games com a temática esportiva, o que rendeu centenas de jogos e até franquias que saem anualmente para satisfazer os fãs mais ávidos.
A Electronic Arts, por exemplo, foi a empresa que mais aproveitou os esportes para fazer jogos com temáticas diversas, se especializando e trazendo gráficos e movimentos cada vez mais realistas. O trunfo da empresa foi sempre conseguir as licitações para utilizar nomes reais de atletas, estádios e patrocínios, o que torna a experiência do jogador mais imersiva e fidedigna.
Duas décadas de nostalgia: o legado de Tony Hawk e a revolução do jogo esportivo eletrônico
Muitas pessoas podem perguntar: quem é Tony Hawk? Anthony Frank Hawk nasceu em 12 de maio de 1968, estado de San Diego, EUA e com nove anos ganhou seu primeiro skate, presente dado por seu irmão mais velho. Não demorou muito para que o jovem Tony Hawk ganhasse destaque e aos quatorze, já ser um profissional. Quando completou vinte e cinco anos, o atleta já tinha mais de setenta troféus dos mais diversos tipos de campeonato.
Mestre do skate vertical (uma das modalidades do skate), o atleta aproveitou a primeira edição dos X-Games (1995) para se manter em relevância, já que a modalidade não vivia seus melhores momentos. Após ter ganhado tudo que disputou entre os anos de 1995 e 1996, as empresas resolveram investir novamente em Tony Hawk e em 1999, o skatista fechou uma parceria com a Activision, empresa bem-sucedida no ramo dos jogos eletrônicos.
Nas mãos da Neversoft, uma das subsidiárias da Activision, o game ganhou vida e fez com que o skatista Tony Hawk se tornasse não apenas alguém relevante no skateboarding, mas também uma das maiores celebridades da época, influenciando gerações de skatistas e despertando o interesse pelo skate em pessoas que não conheciam o esporte.
“Mudou sim, completamente e significou muito. Lembro que a sensação de jogar Tony Hawk pela primeira vez em meados de 2002, com meus 12 anos de idade, me aproximou mais do skate. A partir dali, o desejo por conseguir meu primeiro skate só aumentou”, comenta Paulo Aquino, amante do skate, ao ser perguntado sobre como Tony Hawk’s Pro Skater influenciou e mudou sua vida.
Para um amante do skate, ver essa representação fiel em tela era uma sensação incrível: “além de passar a entender e aprender cada vez mais as manobras, no jogo ainda havia a possibilidade de criar meu próprio personagem e executar as manobras que passei a desenvolver com o tempo”, exemplifica Paulo Aquino.
Essa liberdade no controle do skate e na criação de personagens fez com que o jogo ganhasse cada vez mais adeptos, tornando-se um marco na cultura pop por tirar o skate de um nicho mais fechado e colocando-o em evidência para milhares de pessoas, permitindo o crescimento de uma indústria rica e milionária.
O que falar da trilha sonora do game? Além de servir como porta de entrada para o mundo do skate, muitas bandas conseguiram ter seu lugar ao sol por fazer parte da trilha do jogo, o que fez com que diversos jogadores entrassem no mundo do rock e hip-hop. Bandas como Public Enemy, Rage Against The Machine, Bad Religion, Millencolin, entre outras foram ouvidas ao longo da franquia, o que deu um outro aspecto ao nome Tony Hawk: o jogo conseguia ser intermidiático, influenciando não apenas os videogames, mas também a música.
“Me senti tão influenciado que anos após começar andar de skate, montei uma banda com amigos e passamos a criar músicas próprias e tocar alguns covers, tais como No Cygar, da banda Millencolin”, diz Paulo Aquino, ao se referir às músicas de Tony Hawk Pro Skater I e II.
Dezesseis jogos depois, a franquia Tony Hawk se tornou uma das mais lucrativas da indústria de games, totalizando aproximadamente R$5,75 bilhões em vendas. Em 2015, o acordo de licenciamento entre Tony Hawk e Activision acabou e desde aquela época, não houve mais nenhum jogo da franquia. Essa ausência no mercado deu espaço para que concorrentes ganhassem mais relevância e até espaço entre skatistas e jogadores.
A Electronic Arts lançou sua própria franquia de Skate, intitulada “Skate.”, que contou com três jogos mais focados no realismo e que agradou os jogadores mais exigentes: “Skate veio com uma nova proposta, tentando trazer mais realidade ao game, sem tantas improbabilidades como em Tony Hawk. A sensação que o jogo Skate traz é mais próxima do realismo, onde a dificuldade de realizar uma manobra se mostra mais evidente”, explica Paulo Aquino.
Mesmo que os últimos jogos da franquia Tony Hawk não agradem os críticos e jogadores, as memórias envolvendo a série, especialmente o primeiro jogo do Playstation 1, são muitas e sempre trazem um lado emotivo de nostalgia: “Acredito que a memória mais intensa que sinto é da proximidade que o jogo me fez ter com o skate, as amizades que o skate me trouxe, as vivências de rua, as manobras que aprendi. Sem dúvida, Tony Hawk foi a maior inspiração para me tornar um skatista desde 2004, até os dias de hoje e sempre”, relata Paulo Aquino.
![Tony Hawk, a lenda do skate que arrastou diversas gerações para o esporte e videogames [Imagem: Stringer]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2020/04/2019-08-10t000000z_1070317863_rc14ead3e430_rtrmadp_3_olympics-2020-skateboarding-hawk.jpg)
Atletas invadem o mundo dos games: a união rentável entre o ídolo e o videogame
Mesmo Tony Hawk sendo um dos principais atletas envolvidos em jogos, a indústria de games já havia utilizado outros esportistas no intuito de agradar o público e vender bem.
Das situações mais absurdas até tentativas mais práticas, as empresas aventuraram-se em diversos tipos de jogos e esportes, mostrando que a união entre esses dois mundos pode ser vantajosa para ambos os lados: indústria de games e jogadores. Os mais relevantes são:
Ayrton Senna’s Super Monaco GP II (1992) (Sega)
O ano de 1991 marcou o tricampeonato mundial de F1 para Ayrton Senna (inclusive, sua última grande conquista). Sendo assim, em uma tacada de mestre, a Tectoy, empresa brasileira de equipamentos eletrônicos, teve a iniciativa de fazer um jogo com base na popularidade do campeão brasileiro. Com a ideia pronta, os funcionários da empresa partiram para o Japão no intuito de convencer a Sega.
Não demorou para os executivos da empresa aceitarem a oferta. No dia 17 de julho de 1992, o game Ayrton Senna’s Super Monaco GP II chegava ao Mega Drive (console produzido pela Sega). O desenvolvimento do jogo teve a participação do próprio Ayrton Senna, que, além de ter seu rosto em formato virtual aparecendo durante as telas de carregamento e menu, ajudou na construção das pistas, tornando-o complexo e mais maduro.
O jogo consistia no campeonato de 1991, sendo disputado desde o início por um corredor desconhecido e novato. Ayrton Senna é piloto da “Madonna”, a melhor escuderia do game e seu rival. O jogador pode mudar de equipe e de carros até conseguir enfrentar o piloto brasileiro. Os nomes de pilotos, carros e equipes foram alterados no produto final, pois a Sega não tinha a licença para usá-los, com a já citada “Madonna” representando a McLaren, “Millions” sendo a Williams, entre outras modificações.
“Eu tentei passar para o jogo a emoção de uma corrida: o desafio de competir, vencer, ser o número 1 e se divertir ao mesmo tempo”, comenta o próprio piloto em um dos pôsteres promocionais da época. O resultado não poderia ser diferente e a sensação que fica ao terminar o jogo é exatamente essa: superação, felicidade e êxtase.
![Trecho do jogo esportivo protagonizado por Ayrton Senna](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2020/04/arton-senna-03.jpg)
Tiger Woods PGA Tour (1998-2013) (Electronic Arts)
No começo da década de 1990, a Electronic Arts começava seu domínio nos jogos de esporte. Com sua divisão EA Sports (alguém lembra dessa frase icônica? EA Sports, it’s in the game!), ela não perdeu tempo e iniciou sua série de golfe PGA Tour Golf. PGA Tour é a organização que cuida dos jogadores profissionais de golfe nos Estados Unidos.
Envolto em polêmicas, Tiger Woods é considerado uma lenda viva do golfe e é um dos atletas mais conhecidos do mundo. Sua carreira como profissional foi inaugurada em 1996, com acordos de patrocínio nunca antes vistos no mundo do golfe. Dois anos depois , seu nome já estampava o título de um jogo: Tiger Woods PGA Tour.
As mecânicas dos antigos jogos PGA Tour foram mantidas, mas com algumas modificações na interface e nas mecânicas. Os jogadores poderiam escolher Tiger Woods e mais sete golfistas, além de poder criar seu próprio personagem.
A série com Tiger Woods durou até 2013, quando ocorreu o fim do contrato entre a EA e o atleta. De acordo com a própria empresa, a decisão pelo término foi mútua. Estranhamente, dois anos após o encerramento do contrato, em 2015, a Electronic Arts lançou mais um jogo em associação com a PGA Tour: Rory Mcllroy PGA Tour.
O atleta Rory Mcllroy era o número um no momento de lançamento do jogo e apesar do maior realismo em torno do game, as vendas não chegaram nem perto daquelas encontradas na época em que Woods estampava a capa, o que fez com que a EA parasse de desenvolver jogos virtuais com a temática de golfe.
![Jogo esportivo da lenda do golfe Tiger Woods](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2020/04/magazine-2013-04-maar02-masters-golf-video-game.jpg)
Michael Jordan: Chaos in the Windy City (1994) (Electronic Arts)
Dos jogos citados até aqui, Michael Jordan: Chaos in the Windy City é o mais diverso. Em uma mistura de jogo plataforma e esporte, vemos o atleta salvando outras estrelas do basquete. Durante uma partida All-star (aquela que reúne os melhores jogadores do ano, divididos em conferências, leste e oeste), os atletas são sequestrados, e a missão daquele que controla o jogo é utilizar as habilidades de Jordan com a bola de basquete para salvar os companheiros de esporte.
De acordo com a evolução do jogador na narrativa, é possível encontrar tipos de bolas com cores especiais, o que indica seu efeito e poder: gelo, fogo, entre outros efeitos explosivos. A variedade não fica apenas restrita à munição usada por Jordan, mas também engloba fases diversas, cheias de segredos e com itens a serem descobertos.
Jordan não está aqui à toa e ele utiliza diversas jogadas, tais como arremessos, enterradas e dribles, mostrando todo seu leque de técnicas e deixando o jogo, no mínimo, mais interessante, afinal, quem pensaria que algum dia veríamos a lenda das quadras em um jogo de ação/plataforma?
O game fez sucesso na época, mas nunca teve uma continuação oficial. Mesmo assim, a Electronic Arts aproveitou o sucesso de Chaos in the Windy City e chamou outra lenda das quadras para protagonizar um jogo de luta: Shaquille O’Neal. Infelizmente, Shaq Fu (1994), não deixou boas lembranças em quem teve a oportunidade de jogá-lo e é motivo de brincadeiras até hoje.
Outro game que serve como sucessor espiritual de Chaos in the Windy City é Go! Go! Beckham. O jogo de Game Boy Advance mostra uma versão mirim do jogador David Beckham usando de suas habilidades futebolísticas para derrotar diversos inimigos em fases que lembram muito Super Mario Bros.
![Jogo esportivo da lenda Michael Jordan](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2020/04/2506253-michael.png)
Michael Phelps: Push The Limit (2011) (505 Games)
Os consoles evoluíram a um ponto que jogadores podiam simular situações através de sensores de movimento e o item mais famoso relacionado a isso foi o Kinect, produto da Microsoft. Algumas empresas tentaram aproveitar a novidade e não foi diferente com a produtora 505 Games.
Michael Phelps: Push The Limit é um game que utiliza as funções do controle Kinect e coloca o jogador no papel de um nadador desconhecido, com a difícil tarefa de superar Phelps, multicampeão e um dos maiores atletas vivos com mais de 25 medalhas olímpicas. Como visto em outros casos dessa lista, o game também contou com a ajuda do próprio atleta em seu desenvolvimento.
Nele, encontramos um modo Carreira que simula eventos e modalidades a serem praticadas. Entretanto, o jogador não ficará restrito a competições, tendo também que treinar alguns aspectos da natação e executar os movimentos de diferentes tipos de nado, tais como Crowl, costa e borboleta em uma ambientação bem realista com cenários inusitados.
“Push the Limit é um divertido, inovador e saudável jogo com elementos que desafiam tanto os jogadores sérios e os nadadores, quanto os fãs casuais”, comentou o nadador, na época de divulgação do jogo. Para a crítica, o jogo falhou justamente nas mecânicas de movimentação e sua precisão, com algumas limitações e bugs.
Ainda assim, Push The Limit continua sendo um dos poucos representantes em questão de jogos com temática esportiva envolvendo a Natação e deixa aquele gostinho de que, se melhor desenvolvido, seria uma bela introdução para qualquer interessado em aprender como esse mundo funciona.
A possibilidade de ter atletas representados em jogos eletrônicos é um caminho sem volta e, atualmente, até os contratos de jogadores já envolvem cláusulas de participação em games. Além do lado comercial, jogos como Tony Hawk’s Pro Skater atraem novos adeptos à prática do esporte, popularizando esportes que talvez não tivessem tanta visibilidade em um primeiro momento, mas que merecem tanta atenção quanto os mais procurados. No final, todo mundo sai ganhando: o atleta, a empresa que faz o jogo e os jogadores de videogame que potencialmente podem ser os novos esportistas, se assim quiserem.