Desde o início da pandemia de coronavírus, áreas como o esporte vêm sendo afetadas diretamente pelas circunstâncias. O futebol brasileiro passa por um período de crise, marcado por incerteza. Nos âmbitos social, econômico e estratégico, os clubes têm precisado se adaptar e lidar com as opiniões divergentes de um campo repleto de palpites.
Os torneios estaduais de futebol estão parados em 26 dos 27 estados brasileiros, tendo sido o último encerrado no Amazonas. No Sul, tanto a Federação Catarinense quanto a Paranaense queriam a volta das partidas em maio, o que foi vetado pelas Secretarias de Saúde de ambos os estados. A situação geral ainda é de espera e cooperação, com a maioria dos times e campeonatos aguardando diretrizes dos órgãos de saúde para o retorno na maioria das demais regiões.
Há exceções, entretanto: no Sergipe, os clubes esperam retomar os treinos até o meio de maio. O Cuiabá pretende voltar às atividades já nesta semana (11-15 de maio). Grêmio e Internacional iniciaram os treinamentos, apesar de a Federação Gaúcha e o Governo terem negado o retorno dos jogos em maio. Neste domingo, um novo decreto do RS para lidar com a crise vetou os treinos de ambos os times, que já registraram casos da doença entre seus membros — os atletas, porém, testaram negativo.
Apesar da semelhança no ato de esperar as futuras diretrizes vindas de órgãos de saúde, a realidade dos clubes brasileiros é bem diferente. Mesmo em situações usuais, já havia um abismo entre equipes consideradas de elite e as menores em termos de arrecadação, de salários e de participação em competições.
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tenta conciliar os diversos pedidos feitos pelas equipes com relação a diferentes tipos de calendário, mas também pedidos de ajuda vindos de times que, inclusive, já demitiram atletas e funcionários. Esse é o caso do Rolândia Esporte Clube (REC), time da segunda divisão paranaense. Hebert Issao, gestor do clube-empresa criado para buscar o acesso à primeira divisão estadual, comentou em entrevista ao El País: “Infelizmente, dispensamos todos os atletas e funcionários.”
Engana-se quem pensa que essa apreensão se restringe aos times mais modestos. Equipes grandes, de elite, também propuseram alternativas para conseguir sobreviver ao caos financeiro. Em um mundo ideal, estas equipes seriam capazes de superar um momento conturbado como o vivido atualmente, mas endividados, com déficits anuais, estes também demitem funcionários e diminuem salários de atletas. O Santos, por exemplo, acertou uma redução salarial de 30%. De acordo com a Folha, a proposta inicial era de redução de 50%, sendo recusada pelos atletas.
“Os clubes deveriam estar medindo a consequência do fato junto aos seus orçamentos e pensar em como formar uma matriz econômica mais estável”, comenta José Luiz Portella, doutor em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) e um dos coordenadores do Estatuto do Torcedor.
Em entrevista para o Observatório, o Corinthians declarou que não é possível planejar, no momento, uma data para retorno das atividades: “A prioridade do Clube é prezar pela saúde de todos, inclusive torcedores, e não promover nenhum tipo de aglomeração para seus trabalhadores e apoiadores”, completou a assessoria do paulista.
O Flamengo não esconde que quer retomar as atividades o mais rápido possível, reafirmando que “está trabalhando em total sintonia com as autoridades governamentais de forma a, com toda responsabilidade e segurança, colaborar com o importante retorno às atividades do futebol no menor prazo possível”. A declaração é de uma nota oficial divulgada no dia 06, em que confirma 38 casos de COVID-19 entre os membros do clube.
Raí, dirigente e ex-jogador do São Paulo, afirmou que o clube paulista é contra o retorno dos treinos e jogos nesse momento. A posição foi tomada tendo em vista o crescente número de vítimas do coronavírus no estado, além de tecer críticas ao posicionamento do presidente Jair Bolsonaro. Já Caio Ribeiro, comentarista esportivo, opinou no Globo Esporte que Raí devia se ater a falar de futebol, desaprovando seu comentário sobre política.
O também comentarista da Globo e ex-jogador Walter Casagrande saiu em defesa de Raí em suas redes sociais e, depois, em um programa do SporTV. “Eu penso exatamente como o Raí. Sou contra a volta do futebol, neste momento. Todos os dias, as mortes aumentam no País. É um absurdo pensar nisso. (…) Numa democracia, todas as pessoas podem e devem expressar suas opiniões, sobre qualquer assunto, independentemente da sua profissão”, diz Casagrande em trecho de sua postagem.
Em entrevista coletiva, Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, disse que “(os jogos) vão ser com os portões fechados para não ter aglomeração. O contato será entre os jogadores, aí o risco é deles”. A fala repercutiu e Leandro Castán, zagueiro do Vasco, rebateu em tom irônico em seu twitter: “Risco é nosso, grande resposta, grande governador, obrigado pelo respeito com os atletas”.
A pandemia enfrentada serve como momento oportuno para transformações e para evoluções, e esse pensamento também vale para o futebol. Para Portella, seria a oportunidade perfeita para o Brasil se organizar e fazer um novo calendário mais moderno e condizente com o mundo desenvolvido do futebol. “O calendário funciona como o sangue para o corpo humano, leva os nutrientes para as células que são os clubes. Começar pelo calendário e por uma forma de criar mais equilíbrio com impulsos como os drafts para o futebol americano”, comenta o doutor em História Econômica.
A pressão pela volta do futebol profissional no Brasil também ocorre devido a anúncios feitos recentemente na Europa de países que conseguiram desenvolver projetos eficientes na contenção da COVID-19, algo que ainda não podemos dizer sobre os métodos utilizados em território brasileiro. Seria, no mínimo, perigoso decidir recomeçar apenas porque acham que o espetáculo não pode parar e que o dinheiro sumiu.
Apesar da paixão evidente pelo futebol, as equipes e os cartolas precisam tomar cuidado com o retorno às atividades, pois, às vezes, o desejo por uma sobrevida financeira faz com que falte alma e coração a um esporte que já conseguiu superar até a animosidade da guerra.
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