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Voluntariado – não leia sobre, participe!

O trabalho voluntário em Recife e como a cidade conquistou o título de capital da solidariedade

Em julho desse ano, foi lançado o Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado, a cargo da primeira-dama Michelle Bolsonaro. O evento contou com a participação de representantes civis e governamentais, entre eles o pernambucano Fábio Silva. Mas antes disso, em 2016, a Veneza brasileira ganhava o prêmio de InovaCidade e destacava-se no Smart City Business Brazil Congress & Expo de 2017, no painel da ONU-Habitat. Em 2018, no Dia Nacional do Voluntariado, ganhou o título de capital da solidariedade. Com o passar do tempo, projetos recifenses passaram a influenciar todo o país. No entanto, o caminho até tantas conquistas não foi fácil. 

 

Tudo começou com um pernambucano 

Era 1999. Junto, com seu pai e seu irmão, Fábio Silva constrói um modelo de tratamento odontológico de valor mais acessível. Assim, o trio sai pelo Brasil vendendo o produto, expandindo o atendimento, abrindo clínicas e conversando com dentistas. Até 2010, eles haviam saído de uma unidade para o maior grupo econômico desse segmento no país. Nesse mesmo ano ocorre uma enchente na Mata Sul de Pernambuco e 70 mil pessoas ficam “embaixo d’água”. Fábio então mobiliza um grupo de amigos e, juntos, arrecadam mais de 200 mil reais, dinheiro suficiente para distribuir colchões novos e reconstruir uma creche. Nesse momento, ele percebe que chegou a hora de retornar à sociedade tudo que havia conquistado.

 

“Filha de Zeus, começa o canto de algum ponto!”
—Odisseia, Homero, Canto I

Pergunto-lhe como vem o “clique” para que alguém perceba que deve seguir no ramo do voluntariado.
Começando, começando.

Explica: “O mundo estava ficando muito ruim, precisava torná-lo melhor. Fazer alguma coisa por Sofia e por Nina e também por crianças que não são minhas filhas; fazer algo pelas mulheres, não só pela minha mulher; pelos idosos que não são meu pai. O clique veio dando porque a gente foi fazendo as coisas. O clique vai clicando todo dia.”

Fábio Silva, o pernambucano que começou tudo [Imagem: Camila Paim]

Depois da chuva

Com toda a mobilização que conseguira fazer, Fábio percebeu que, além de a gastar dinheiro, ele via pessoas dispostas a investir seus talentos, seu tempo e sua profissão para ajudar partes mais carentes da sociedade.

Assim nasce a Novo Jeito, uma ONG que começa freneticamente, administrando oitenta projetos, desde furar poços no sertão até doar cadeiras de rodas. Enquanto isso, o Departamento de Estado americano chamava-o para estudar fora sobre  empreendedorismo social, as relações do setor público com o terceiro setor e diversos outros assuntos. 

Ao retornar ao Brasil, ele volta com o objetivo de tornar o empreendedorismo social, atuação ligada à implementação de empresas com objetivo de gerar capital social e inclusão, uma profissão tão respeitada quanto a de um advogado ou médico. E com uma ideia que iria alavancar todo o trabalho voluntário no país: o Transforma Recife. 

Návila Teixeira Alencastro, 28 anos, formada em Engenharia Civil e hoje empreendedora social, trabalha com engajamento cívico e voluntariado e é CEO do Transforma Brasil. Além disso, essa mulher de sotaque pernambucano se destaca na lista de Under 30 da Forbes de jovens mais influentes no país.

“O Transforma Recife nasce com o intuito de dar visibilidade a organizações de trabalho voluntário que não são tão conhecidas. Muitas pessoas queriam participar de alguma coisa e não sabiam de que nem onde. Se a gente conseguisse fazer uma plataforma digital e chancelar todas as organizações que entrassem, poderíamos em um único ambiente mostrar esse cardápio de oportunidades voluntárias. As organizações apresentam o que precisam e as pessoas preenchem o que podem fazer e quanto tempo estão dispostas a gastar.” 

Esse “tinder do bem”, como apelidou Fábio Silva, permite um match das oportunidades de vagas voluntárias com as paixões e tempo das pessoas. Por trás de um site, existe todo um movimento offline humano: conectar-se com as organizações, fazer o mapeamento, procurar pessoas dispostas a participar, visitar universidades, igrejas, órgãos públicos, bombeiros.

Aos poucos os “Transformas” foram se espalhando, chegando em Brasília (DF), Petrópolis (RJ) e Campinas (SP), até que em agosto de 2018, a plataforma se tornou Transforma Brasil, abrangendo todo o país.

“O Transforma Brasil é super complexo, porque é algo gigantesco. A gente tem feito um trabalho de formiguinha”, Návila diz, rindo um pouco, “A gente acredita que é possível mudar o Brasil através do cidadão comum. Queremos que as pessoas sejam protagonistas da mudança e não fiquem apenas reclamando como clientes.”

Návila Teixeira Alencastro, a CEO do Transforma Brasil [Imagem: Arquivo Pessoal]

Para tal, eles tem mobilizadores em cada capital do país, com sedes em Recife e em São Paulo para conhecer as diversas iniciativas ao redor do país. Uma forma de aproximar as pessoas da causa voluntária são mobilizações chamadas Muda Junto. “Elas tem o intuito de ser um negócio mão na massa, colocar teu talento, levar tua família e perceber que não é preciso de uma intermediação, que o cidadão se sinta protagonista. Ao longo desses dez anos, a gente percebe que as pessoas querem mudar sua rua, seu bairro, não o Brasil todo. Mudar o Brasil é consequência.”

 

O Porto Social

Em 2016, chegava a hora de tornar tudo que já havia sido construído um espaço físico. Surge o Porto Social, a casa de empreendedorismo social e primeira incubadora e aceleradora de ONGs no Brasil. Um espaço para profissionalização de ONGs, ajudando-as na captação de recursos e na organização jurídica e econômica. Localizado no bairro da Ilha do Leite, próximo ao centro histórico de Recife, o Porto apresenta uma estrutura moderna e muito bem decorada. 

Para quem quer conhecer o projeto, a host Nathalia Costa faz você sentir-se em casa. Nathalia tem 28 anos, é formada em turismo pelo Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) e atua no Porto com Relacionamento e Produção, sendo a “guia turística” ou host do lugar. Em um breve tour, Nathalia mostra todos os locais e explica sobre o funcionamento do espaço.


Sala para reuniões, cursos e espaço de coworking para ONGs trabalharem [Imagem: Camila Paim]

O Porto conta com uma estrutura voltada para que as ONGs consigam se desenvolver e expandirem. Eles dividem as ONGs em três tipos de grupos para desenvolvimento: Incs, Pumps e Drops. 

As Incs são as que ainda estão em “incubação”. Elas não têm estabilidade econômica e estão ali para se estruturar e seguir seu objetivo. Pumps são ONGs que passaram desse processo, tem rentabilidade financeira e conseguem ter mais autonomia. Drops é um grupo criado mais recentemente, as ONGs são financiadas pelo grupo Neoenergia, representados em Recife pela Celpe e em São Paulo pela Elektro. Essas ONGs ainda estão passando pelo processo antes da incubação e crescem com o apoio econômico do grupo.

Mural com as ONGs das trilhas Incs e Pumps [Imagem: Camila Paim]

Cada ONG tem um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU como foco. Normalmente, durante a execução de mobilizações, as ONGs acabam tendo mais de uma meta, mas é preciso que tenha um ODS estabelecido.  

Os ODSs são parte da Agenda 2030 da ONU [Imagem: Reprodução]

Atualmente o Porto Social é uma empresa de  recursos embasados no setor público e privado. A verba da Prefeitura do Recife cobre custos para as atividades das trilhas. Já o setor privado conta com as parcerias do Grupo Cornélio Brennand; do curso de redação para vestibular Fernanda Pessoa; e do Grupo Neoenergia. “Além disso, desenvolvemos produtos e soluções de impacto para ambos os setores que também geram sustentabilidade financeira”, completa Nathalia Costa. 

Uma das ONGs que está presente no Porto Social e conseguiu chegar ao grupo Pumps é a Abra. Sua co-fundadora, Samille Germana, 30 anos, formada em arquitetura, falou um pouco sobre a organização. “Nosso foco principal é melhorar as condições de moradia de famílias, alinhando conforto e sem comprometimento de renda. Para famílias de baixa renda, não necessariamente famílias em situação de risco”, explica Samille. “Sabemos que as pessoas em comunidade acabam fazendo muitas reformas em casa, mas não necessariamente de forma correta ou segura. Qualquer pessoa pode procurar ajuda, a Abra faz consultorias para projetos simples ou mais elaborados.” O ODS deles é o 11, mas acabam realizando outros também.

A Abra conseguiu em 52 juntar doações para construir uma nova casa para a família de Natália e Lúcio. À direita está Samille e à esquerda, Jonatha Neto, sócio do Abra [Imagem: Arquivo Pessoal]

Assim como o Abra, o grupo Neoenergia também tem tido o comprometimento de ensinar à população sobre o consumo de energia, o serviço de troca de lâmpadas (a cada cinco lâmpadas amarelas ou fluorescentes, você pode trocar por uma de LED) e as informações de uma conta de luz (as bandeiras, o que interfere no consumo). 

 

Estímulos – governo e educação

O voluntariado no Brasil estatisticamente é muito diferente de países como Estados Unidos e Canadá. Flávio confirma que, enquanto no Brasil apenas 4,3% da população participa de trabalhos voluntários (em Recife, 8% da população), nos Estados Unidos, de 10 pessoas, 8,5 participam. Mas isso tem uma razão: as formas de estímulo. O estado americano possui um programa de benefício ao voluntário. Quanto mais doações são feitas a ações beneficentes, por exemplo, maior a dedução em impostos. Para estudantes, participar conta para o currículo e ajuda no processo de seleção das universidades. Além disso, conta pontos para o alistamento militar e para concursos públicos.

O encontro de Fábio Silva e outros representantes civis e governamentais, realizado em julho, procura fazer algo similar: estimular o voluntariado por meio do Programa Nacional  de Incentivo ao Voluntariado, Pátria Voluntária. Tudo ainda é muito recente, e seu desenrolar está sendo aguardado.

Enquanto isso, o Colégio Cognitivo, uma escola do Recife, fez uma ponte entre os alunos e a ONG Novo Jeito, para participarem de ações. Inicialmente, eles chamaram apenas os alunos do Ensino Médio, mas depois expandiram para o Ensino Fundamental e em ambos os casos, a resposta foi muito positiva. A ex-aluna Ana Clara Guedes, 19 anos, conta um pouco de sua experiência. “Eu já conhecia a Novo Jeito, via as pessoas participando no Instagram, mas não conhecia ninguém próximo que participasse. A gente ficou muito empolgado quando rolaram os boatos de que a Novo Jeito estava lá [no colégio]. As ações deles apareceram como um alívio, ainda mais porque eu estava no terceiro ano, vivendo um período de estudo mais pesado”. Clara trabalhou como fotógrafa da ação e, dessa forma, conseguiu ter bastante contato com as pessoas. Seus amigos participaram das pinturas, das reformas das casas, das entregas desde enxoval até máquina de lavar. 

Mobilização “Mais Cidadania” na Vila Santa Luzia, zona Norte do Recife [Imagem: Ana Clara Guedes]

Outra ação de que Clara participou foi a Novo Jeito Ambiental, em parceria com o Recapibaribe, a ONG que cuida do rio. “Esse foi um trabalho mais árduo e a gente colocou bota, luva e entrou na lama do mangue para pegar lixo. Não teve tanta troca com pessoas.” Além da ação, ela conta que no final teve a oportunidade de andar de barco pelo rio e completa: “quero ver um rio mais limpo porque passear por Recife pelo Rio Capibaribe é lindo.”

Passeio de barco pelo Rio Capibaribe [Imagem: Ana Clara Guedes]

Outras mobilizações

Em uma capital de 1,5 milhão de habitantes, a Novo Jeito, o Porto Social e o Transforma Recife/Brasil conseguiram obter um diferencial no número de participantes voluntários. Mas além deles, outras formas de ajuda também perpetuam-se. 

Um exemplo disso são os projetos de sopão, para pessoas que estão em situação de rua. Apesar do nome, os grupos não servem apenas sopas. É o caso do Sopão Solidário, por exemplo. O grupo faz os combinados por meio do WhatsApp, organizam as doações necessárias e uma vez ao mês se reúnem para preparar a comida durante o dia e distribuir pela noite. Além de praças, o grupo também passa por hospitais, onde sempre tem grande público acompanhante de pacientes e fica muito tempo na espera.

Um outro exemplo de trabalho são asos de doações. O Projeto Gretas, por exemplo, realiza a arrecadação de cestas básicas para levarem ao sertão pernambucano. Há sete anos, eles levam, além deas cestas, kit escolar, kit guloseimas para crianças e também organizam atividades de dança e serviços médicos. 

Entregas de doações em Ibimirim, PE [Imagem: Arquivo Pessoal]

O que não vale é ficar parado.

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