por Bianca Caballero
biancasacaballero@gmail.com
Quando se para pra pensar onde começou o cinema chileno, a primeira referência citada por muitos é o filme Ejercicio General Del Cuerpo de Bomberos. A primeira produção totalmente feita no país foi exibida em 25 de maio de 1902 no Teatro ODEON em Valparaíso. Ela possui apenas três minutos de duração e mostra o show realizado pelos bombeiros anualmente nessa mesma cidade. Apenas 27 segundos do filme permanecem guardados até hoje na Universidade Católica de Valparaíso e nada se sabe sobre a equipe que o realizou. Em oposição a esse fato, há também quem afirme que já haviam ocorrido exibições de outras filmagens em Santiago, em 1990 e projeções de gravações realizadas pelo fotógrafo Luis Oddó Osório em Iquique, em 1897.
Depois desse começo incerto, a época do cinema mudo foi caracterizada por um bom crescimento da produção chilena. O primeiro longa Manuel Rodríguez foi lançado em 1910 e conta a história do mesmo, homem que lutou pela independência do Chile durante toda a vida. Outro filme que conta a história de Manuel Rodríguez foi lançado em 1925 e se chama El Húsar de la Muerte. Esse é o primeiro longa chileno que sobrevive até hoje. Ele foi escrito, dirigido e estrelado por Pedro Sienna, ator que fez parte da produção de alguns dos maiores filmes da época. Além desse, apenas outros dois filmes da época foram recuperados, sendo esses Canta y No Llores, Corazón e El Leopardo, ambos feitos por imigrantes espanhóis radicados no Chile. Mesmo que se tenha pouco acesso às produções de tal época é possível afirmar que a década de 20 foi um ótimo momento para o cinema no país, pois houve uma forte descentralização, ou seja, os filmes eram feitos por todo o Chile, algo que mudou com o início da sonorização.
Jorge Délano Frederick foi o homem responsável por levar o som ao cinema chileno com o longa Norte y Sur, de 1934. Além disso, ele criou os Estúdios Santa Elena na década de 40, época em que o otimismo tomou conta da produção do país. Isso ocorreu pois em 1939 nasceu a Corporación de Fomento a La Producción (CORFO) e essa criou o Chile Films, empresa de capital misto responsável por oferecer recursos técnicos e apoiar a indústria cinematográfica. Isso seria feito de modo a tornar a produção chilena similar à hollywoodiana. Entretanto, essa ambição por superproduções fez com que o Chile Films gastasse uma enorme quantia na realização dessas e na construção de grandes estúdio, sendo que implantar esse estilo no cinema latino americano não foi fácil e os filmes não deram lucro. Assim, a empresa obteve um grande fracasso financeiro e deixou de atuar até meados de 1960. A década de 50 foi marcada por uma enorme baixa na produção de maneira que apenas treze filmes foram produzidos, sendo que cinco tiveram diretores estrangeiros.
Entretanto, após esse período sombrio para a cinematografia chilena, a partir da década de 60 iniciou-se o Nuevo Cine Chileno. Com diversos apoios, como a criação do Departamento de Cinema Experimental da Universidade do Chile, do Instituto Filmico na Universidade Católica e a revitalização do Chile Films, esse foi um momento de produção intensa. O principal tema dos lançamentos dessa época foi a política. E se levarmos em consideração a identidade social e política que emergia na América Latina como um todo nessa época, é possível associar esse movimento cinematográfico ao Novo Cinema do Brasil e ao Nuevo Cine Argentino. Alem disso, com a forte presença de correntes sociais e políticas na sociedade, um novo gênero surgiu e teve destaque: o documentário.
Assim, o que se observa com a inserção do cinema dentro das universidades, a criação de cine clubes por todo o país e o alinhamento com as questões políticas da época é um forte amadurecimento do cinema chileno. Algo que demonstra bem a proporção que esse estava tomando é o fato de que foi realizado em 1967, na cidade chilena de Viña Del Mar, o primeiro Festival del Nuevo Cine Latino Americano. Alguns dos principais filmes da época são Tres Tigres Tristres, de Raúl Ruiz, Valparaíso, Mi Amor, de Aldo Francia, Deja que lós Perros Ladren, de Naúm Kramarenko e El Chacal de Nahueltoro, de Miguel Littin.
Em 1973, o país sofreu um golpe militar e iniciou-se a ditadura de Augusto Pinochet. Com isso, muitos cineastas foram para o exterior e a produção tornou-se mais baixa. Entretanto, as características do Novo Cinema chileno não sumiram, de modo que foram utilizadas no cinema de exílio, realizado para denunciar a repressão e a ditadura. A atuação de alguns diretores nessa época merece destaque. Miguel Littin, por exemplo, foi exilado, mas voltou ao país clandestinamente e filmou o documentário Ata Geral do Chile, o qual traz entrevistas com líderes opositores e insurgentes. Outro nome de destaque é Patricio Guzmán, responsável por diversas produções importantes para a história chilena, entre elas o documentário La Batalla de Chile. Ele possui cinco horas de duração e é composto por rolos que foram tirados do país na época da ditadura através da embaixada sueca. Ele foi exibido em 35 países, é considerado por alguns críticos o melhor documentário chileno de todos os tempos e pela revista norte-americana Cineaste um dos dez melhores filmes políticos do mundo.
Com o fim da ditadura em 1989 a produção dentro do país voltou a crescer. A Fondart (Fundo Nacional Para a Arte) estabeleceu que apoiaria 90% dos filmes chilenos, dando um impulso ainda maior para o cinema do país. Alguns filmes de sucesso da época são Johnny Cien Pesos, de Gustavo Graef-Marino e Historias de Fútbol, de Andrés Wood.
No início do século XXI, o cinema chileno vem se tornando cada vez maior e tem adquirido novas características. Conta com filmes no geral delicados e repletos de observações sensíveis. A política não é mais o foco da maioria das produções, de modo que essas se mostram cada vez mais introvertidas. Como afirma a diretora Dominga Sotomayor “(…) o bom do cinema chileno vem de dentro, não de fora. Vem da emoção, da história diária de seus autores.”
La Nana é um bom exemplo de obra que carrega essas características. O filme conta a história de Raquel, empregada que trabalha na casa de uma família chilena há mais de 20 anos e reluta em aceitar a chegada de alguém para lhe ajudar. Entretanto, em uma das tentativas, Raquel não apenas constrói uma nova amizade, mas começa a se abrir mais para as pessoas e a se redescobrir. Além disso, observamos naquela casa uma bela representação das relações sociais na sociedade chilena como um todo. Assim, a trama é voltada para a vida de uma pessoa, mas através dessa representa algo muito maior. O filme, dirigido por Sebastián Silva, ganhou diversos prêmios no Festival de Cinema de Cartagena, no Festival de Cinema Sundance, entre outras incontáveis indicações e vitórias, incluindo a indicação a melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro de 2010.
Ainda que os chilenos atualmente possuam essa tendência de produzir filmes sobre assuntos cada vez mais internos, abordando menos a política, quando resolvem retomar seu passado o sucesso com o público ainda é grande. O filme No é um claro exemplo disso. O diretor Pablo Larraín conta a história por trás da campanha publicitária organizada para que o povo chileno dissesse “Não” à manutenção de Pinochet no poder. Ainda que a trama possua um forte caráter político, a delicadeza não foi deixada de lado. Não apenas pelo modo como a história no geral é registrada, mas também por conta preocupação em registrar a vida privada do personagem principal, interpretado por Gael García Bernal. O filme fez enorme sucesso e foi indicado ao Oscar 2013 na categoria Melhor Filme Estrangeiro.
Outra tendência que os chilenos não abandonaram foi a de fazer belos documentários. Na produção Nostalgia de la Luz observamos no Deserto do Atacama a vida de astrônomos que buscam no cosmos entender melhor a origem da vida. Paralelamente, nesse mesmo lugar acompanhamos a história de mulheres em busca dos corpos de seus familiares que desapareceram durante a ditadura de Pinochet. Tudo é retratado de forma delicada e interessante. O diretor Patricio Guzmán consegue ligar esses dois temas, que parecem não ter muita relação, de modo extremamente sensível e cativante.