Este filme faz parte do Festival Varilux de Cinema Francês de 2018. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Sutil e impactante, o filme A Aparição (L’Apparition, 2018), do diretor francês Xavier Giannoli, representa fielmente o que é a religião católica sob seus mais diversos ângulos. O longa percorre o processo de descoberta do jornalista Jacques (Vincent Lindon), o qual recebe uma ligação do Vaticano sendo convidado para fazer parte de uma comissão de investigação acerca de uma suposta aparição da Virgem Maria. A jovem Anna (Galatéa Bellugi), de apenas 18 anos, teria avistado a imagem em uma pequena cidade do interior da França.
O longa de quase duas horas e meia é recheado de exploração e mistérios apresentados de maneira excitante, forte, mas ao mesmo tempo delicada. O drama é dividido em cinco capítulos e acerta no ritmo, fazendo com que o espectador perca a noção do tempo e queira assistir cada vez mais.
As regras e ideais que permeiam o Vaticano são um ponto chave para a compreensão dos acontecimentos que se sucedem no filme. A comissão é montada devido a uma preocupação da Igreja de que seus fiéis estivessem idolatrando um episódio e figura falsos, visto que começa a haver um movimento de peregrinação dos católicos ao local da aparição. Além disso, havia o risco de que os devotos criassem uma nova igreja.
O filme apresenta uma visão realista e novas informações sobre o Vaticano. Chama a atenção uma lista de dezenas de aparições oficialmente reconhecidas pela Igreja Católica, com suas datas, locais e evidências, mostrando que há uma real preocupação por parte do Vaticano em investigar a legitimidade de qualquer manifestação ou revelação sagrada, cura ou fato sobrenatural. O longa nos permite caminhar entre os milhares de arquivos guardados na Igreja, mostrando evidências, cartas e até mesmo uma metodologia que justifica o que é considerado sagrado ou profano. Há até mesmo relíquias que a Igreja permite que os fiéis idolatrem, mas que não são oficialmente reconhecidas como legítimas. O filme abre um horizonte que revela a complexidade, conflitos e até mesmo a faceta capitalista dessa instituição de maneira interessante.
Apesar do clima de suspense, a trilha sonora composta quase exclusivamente por violinos confere o ritmo adequado, sutil e religioso que a obra merece. Ela é utilizada apenas quando necessária e na medida certa, não poupando momentos em que o silêncio preciso toma conta da trama.
Outro ponto alto do filme é a atuação de Galatéa Bellugi. A atriz parece ter sido a escolha perfeita para o papel de uma jovem tímida, noviça e devota. O mistério que circunda a personagem está fortemente ligado a sua fé e religião. Cenas de outros personagens também chamam a atenção para a atuação no momento em que estariam vendo uma suposta aparição, no qual são mostradas expressões e olhares muito diferentes e únicos.
O filme é a representação cinematográfica do que é a religião. Seu significado, institucionalização, regras, complexidade, doutrina e, principalmente, fé, estão retratados por meio do tema, ritmo, ambiência, falas, narrativa e propósito do longa. Ele permite que o espectador, assim como o personagem principal, redescubra a sua própria fé a cada minuto.
por Maria Clara Rossini
mariaclararossini@usp.br