Com exceção de 2014, a Dinamarca vem indicando, desde 2010, todos os títulos que lança à categoria de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar. De títulos poderosíssimos, como A Caça (Jagten, 2012), a outros mais convencionais, como Guerra (Krigen, 2015), o sucesso do cinema dinamarquês se explica muito pelo largo financiamento governamental – o que prova como o Brasil ainda tem muito o que aprender para que seu mercado audiovisual tenha a projeção que merece. Em 2017, temos então Terra de Minas (Under Sandet, 2015), de Martin Zandvliet.
Mesmo vitoriosos na Segunda Guerra, os Aliados ainda tinham muito o que reconstruir. Cidades completamente destruídas, populações inteiras dizimadas inspiraram assim em muitos, um sentimento de vingança contra os alemães. Não à toa, quando não mortos, torturados ou sentenciados, muitos deles foram usados como escravos em trabalhos duríssimos ao redor da Europa. Na Dinamarca, enquanto o conflito se desenrolava, praias foram minadas de ponta a ponta numa tentativa de evitar que os alemães entrassem pelo Norte. Assim, quando a guerra se encerra, quilômetros de areia continuam armados com os mais letais explosivos da época, necessitando de uma mão-de-obra que os desarmasse – o que no caso do filme serão alemães entrando na adolescência.
Por maiores os horrores perpetrados por esses jovens anos antes, o filme é inteligente ao não demonizá-los, trazendo-os calados e sempre de olhar baixo a tudo que passam. Além disso, o pavor dos garotos é ainda enfatizado pelo contraste dos planos fechados e claustrofóbicos em seus rostos assustados, com outros amplos e intimidadores da praia que enfrentarão pelos próximos meses. Para completar o quadro, Roland Møller incorpora o sargento Carl Rasmussen como se fosse o pior dos comandantes nazistas, esmurrando um alemão quase à morte apenas por portar uma bandeira dinamarquesa.
Felizmente, o roteiro transcende o maniqueísmo fácil de dinamarquês sedento por vingança, e frente ao sofrimento dos garotos, vai humanizando o militar de pouco a pouco. E para que ele se conscientize disso, é importante que os garotos, pelo contrário, comecem a perder o resto de humanidade que lhes sobra. Sendo assim, alguns enlouquecem, outros renovam uma coragem avassaladora, e outros ainda, apenas se aquietam – e sempre que um dos garotos morre, esses sentimentos se redobram. Em meio a tudo isso, ainda é importante destacar o trabalho minimalista da trilha sonora, que nunca toma lugar, mas dá suporte ao drama.
Ainda assim, o maior êxito de Zandvliet como diretor é a tensão que imprime durante toda a obra. Perceba como o filme, por exemplo, brinca com a nossa expectativa na cena em que os jovens testam pela primeira vez uma mina ativa. A ideia é que um a um, os garotos tentem desarmar as bombas num recinto ao lado. Mas a cada um que consegue, a impressão é a de que o próximo já não sairá vivo. No entanto, passam um, dois, três, e quando o quarto treme compulsivamente, imaginamos que será ele enfim o alvo. Mas ele também consegue, e nós baixamos a guarda. E assim, no tempo em que o militar o parabeniza, outro já entra, e a câmara explode. Num perfeito exercício de ritmo, a obra girará inteira em torno desses movimentos de expectativa e contra-expectativa, tornando o clima sempre muito tenso.
Com uma condução primorosa, Terra de Minas se mostra um filme bastante atmosférico, em que as consequências de uma guerra plantam sementes muito mais problemáticas que os motivos que a iniciaram. Alemães ou dinamarqueses, bons ou maus, nada é exato frente a tamanha desumanização.
Trailer com legendas em inglês:
por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com