Por André Spigariol (andre.spigariol@gmail.com)
Após oito temporadas na Scuderia, um vice-campeonato dramático em 2008 e um acidente gravíssimo, brasileiro parte para novo desafio na equipe Williams
Domingo, 24 de novembro de 2013. Para Felipe Massa, esse dia ficará tatuado em sua memória: o Grande Prêmio do Brasil de 2013, etapa final da temporada da Fórmula 1, que marcou sua definitiva despedida da Scuderia Ferrari, escudo que defendeu durante oito temporadas na Fórmula 1 (2006-2013).
Depois de ter perdido um título de forma dramática em 2008 – no mesmo GP brasileiro daquele ano –, Massa terminou sua última corrida de 2013 numa apagada sétima posição, que não apaga o brilho de sua passagem pela equipe. Felipe deixa o time italiano e entra para a história dos carros de corrida de Maranello.
O último compromisso do piloto na Itália foi há cerca de um mês, no almoço de fim de ano da Scuderia. “Nós começamos juntos há muitos anos e eu quero agradecer a todos vocês: os mecânicos, os engenheiros, todos os que trabalham na pista e nos bastidores em Maranello”, disse um emocionado Felipe. “Cada um de vocês sempre me deu muito apoio, especialmente nos momentos mais difíceis e eu nunca vou esquecer o que a Ferrari fez por mim quando eu tive meu acidente em 2009. É nestas circunstâncias que se compreende o que significa ser realmente amado. A atmosfera na Ferrari dá a sensação única de ser parte da família é algo que vou sentir muita falta”, completou.
Houve também um agradecimento especial para o chefe da equipe, Stefano Domenicali: “Eu olho você como meu irmão mais velho”, continuou Felipe. “Eu agradeço por tudo que você fez para mim e pelas oportunidades que você e o presidente me deram”. Na ocasião da despedida, no dia 14 de dezembro, o brasileiro levou um último presente: o motor que equipava o carro com que quase levou o título mundial de 2008.
A partir de 2014, vida nova para o piloto paulista: de contrato assinado com a Williams, ele buscará a superação de sua má fase na equipe inglesa, onde será o sexto brasileiro a pilotar um bólido do time na história. A equipe, que também atravessa um período de vacas magras em termos de resultados, tentará a superação no próximo ano. “É uma das equipes mais importantes e bem-sucedidas de todos os tempos na Fórmula 1. Quando eu era criança, eu sempre sonhei em correr pela Williams, McLaren ou Ferrari e eu estou feliz por estar assinando com outro ícone do esporte”, contou.
Em 2014, a categoria máxima do esporte a motor mundial passará por várias mudanças em seu regulamento. “Espero que a minha experiência seja útil para ajudar a equipe em seu esforço para superar um período difícil. É um desafio novo e empolgante na minha carreira”, acrescentou.
Um divisor de águas
A carreira de Massa na categoria máxima do automobilismo pode ser definida como no calendário cristão; porém, ao invés de colocar os anos antes ou depois de Cristo, pode-se catalogar como antes ou depois da mola. A “mola”, neste caso, se refere ao gravíssimo acidente que o brasileiro sofreu durante o treino de classificação para o GP da Hungria de 2009, no dia 25 de julho daquele ano. Na ocasião, uma mola que se soltou do carro de Rubens Barrichello ricocheteou no asfalto e atingiu parte da viseira e do capacete do piloto.
O acidente de Felipe Massa em 2009
O impacto, ainda que amortecido por uma parte do casco, superou a proteção e causou uma séria lesão na região do olho esquerdo do brasileiro. Ele foi prontamente removido para o Hospital AEK, em Budapeste, onde foi operado e teve sua situação descrita como “com risco de vida, porém estável”. A saúde do paulista, porém, melhorou rapidamente e uma semana mais tarde ele já estava em São Paulo. Mas as sequelas foram sentidas: o brasileiro perdeu o resto da temporada de 2009 e teve de implantar uma placa de titânio no rosto para retomar a força necessária para correr.
a.m – Antes da mola
Ano 1 a.m (2002): o início de tudo
Vencedor de seis das oito corridas da temporada 2001, Massa era o campeão e a grande revelação da Fórmula 3000 Europeia, principal degrau de acesso à F1 na época. Após um bom teste com o carro da Sauber, o piloto ganhou a chance de estrear na Fórmula 1 pela equipe suíça em 2002. Logo aí o relacionamento com a Ferrari começou, já que a fabricante italiana fornecia motores para a esquadra de Peter Sauber.
Mas 2002 não foi uma boa estreia para Massa: muito inconstante e cometendo vários erros, Felipe marcou somente quatro pontos no campeonato (13º) e seu melhor resultado foi um quinto lugar no GP da Espanha daquele ano. Acabou sendo substituído pelo mais experiente Heinz-Harald Frentzen em 2003 e ficou chupando o dedo, sem vaga em nenhum dos 20 carros.
Ano 2 a.m (2003): amadurecimento
Fora do grid, Massa trabalhou bastante fora dos holofotes, como piloto de testes da Ferrari, que decidiu apostar no seu talento. Acabou sendo o que melhor poderia acontecer com a carreira do brasileiro, que pôde ganhar a experiência na equipe que, à época, era a campeã do mundo e a melhor do esporte incontestavelmente. O ano de amadurecimento credenciou Felipe, pupilo da Scuderia, a ganhar uma nova chance na Sauber em 2004.
Anos 3 e 4 a.m (2004-05): consolidação
Mais experiente, Felipe não cometia mais tantos erros constantemente e conseguia desempenhos mais regulares. Em 2004, foi superado pelo companheiro Giancarlo Fisichella, que marcou 22 dos 34 pontos da equipe no ano. Terminou 2004 com 12 pontos (12º). Mas o rendimento do brasileiro foi bom o suficiente (com direito a um quarto lugar no GP da Bélgica) para renovar o contrato em 2005. Naquele ano, Jacques Villeneuve – campeão mundial de 1998 – foi contratado para o lugar de Fisichella, mas foi surpreendido pelo bom Massa, que foi consistentemente mais rápido que o novo parceiro, concluindo o campeonato em 13º, com 11 pontos.
Ano 5 a.m (2006): o grande salto
Agora era a hora de alçar voos mais altos e a Ferrari sabia disso. A oportunidade da vida de Massa surgiu quando Rubens Barrichello deixou o time italiano em 2006 para ir correr pela Honda. Era a vez de um novo brasileiro assumir o cockpit do segundo carro vermelho, para ser companheiro de equipe de ninguém menos que Michael Schumacher, heptacampeão mundial.
Duas vitórias, três pole positions e sete pódios foram os números do cartão de visitas de Massa no seu ano de estreia pela equipe: 80 pontos e terceiro colocado no campeonato de pilotos, atrás somente do campeão Fernando Alonso e de Schumacher. A primeira vitória veio no GP da Turquia, em 27 de agosto. No encerramento da temporada veio a segunda, no GP do Brasil: o primeiro brasileiro em 13 anos (desde Ayrton Senna, 1993) a vencer em São Paulo. Na corrida em que Schumacher perdeu seu oitavo título para Alonso, era Massa quem vibrava, no alto do pódio, com um macacão especial com as cores da bandeira do Brasil.
Ano 6 a.m (2007): ajudando o parceiro
Com Kimi Raikkonen como novo companheiro de equipe, Massa tinha igualdade de condições em relação ao seu companheiro de equipe pela primeira vez em dois anos de Scuderia. Mas o finlandês foi mais consistente ao longo do ano e a diferença entre os dois foi que Kimi chegou à corrida final de 2007 com chances de ser campeão e Felipe não. E, novamente no GP do Brasil, Massa repetiria o triunfo do ano anterior com facilidade, mas teve de ceder a vitória para Raikkonen ser campeão mundial naquele ano. No final, o brasileiro terminou o campeonato em quarto, com três vitórias, seis poles e dez pódios.
Ano 7 a.m (2008): campeão mundial durante 38 segundos
Seis vitórias, seis pole positions, dez pódios, 97 pontos conquistados: certamente números de uma boa temporada, dignos de um campeão mundial. De fato, Felipe Massa foi campeão mundial em 2008, mas somente durante 38 segundos. Em uma das decisões de título mais dramáticas dos últimos anos, no GP do Brasil – sempre ele – de 2008, o brasileiro venceu pela última vez em sua carreira e a combinação de resultados (com o rival Lewis Hamilton em sexto até a metade da última volta da corrida) dava o título mundial a Felipe.
No entanto, 38 segundos depois de receber a bandeira quadriculada e vencer a prova paulistana, a festa da Ferrari foi destruída por Hamilton, que terminava naquele instante a corrida na quinta posição. Era o suficiente para ficar com o campeonato mundial por um ponto de vantagem. Na penúltima curva do circuito, o inglês da McLaren ultrapassara o alemão Timo Glock (Toyota), conseguindo a posição que precisava. Glock perdeu rendimento na parte final da corrida porque seus pneus para pista seca eram inúteis frente à chuva que caiu na parte final da corrida.
Ano da mola
Ano 1 d.m (2009): erros
Em 2009, a Ferrari não teve o melhor de seus carros. O modelo F60 era pouco competitivo em relação aos rivais da Brawn GP, McLaren e Red Bull. O início de temporada foi terrível. Pior ainda para Massa, que viu a equipe errar na sua estratégia e sofreu com falhas mecânicas que o impediram de pontuar nas primeiras quatro corridas do ano.
Somente no GP da Espanha é que o brasileiro começou a mostrar sinais de recuperação, ainda com um tímido sexto lugar. Em Mônaco foi o quarto, com direito a volta mais rápida da corrida, evidenciando a melhora no carro com a correção dos erros no projeto do F60. Após mais um sexto e um quarto lugares, o primeiro pódio da temporada veio na Alemanha, um claro sinal de reabilitação. Mas a recuperação veio justamente uma prova antes do GP da Hungria, quando vieram o acidente e o afastamento das pistas.
Depois da mola
Ano 1 d.m (2010)
Totalmente recuperado da lesão, Massa voltou ao comando do carro vermelho na temporada 2010, com novo companheiro de equipe: Fernando Alonso. O espanhol vinha com sangue nos olhos para tentar seu terceiro título na categoria. Após um início de ano equilibrado entre os dois, com boas performances do brasileiro (dois pódios nas duas primeiras corridas).
A despeito do bom início, Felipe engatou uma sequência de resultados medianos e deixou de pontuar em três provas consecutivas na metade da época. Foi somente no GP da Alemanha que houve uma melhora no rendimento do brasileiro, mas já era tarde demais: a Ferrari já havia decidido internamente que Alonso, com resultados mais consistentes, era o primeiro piloto. Quando Massa liderava a corrida na volta 50, recebeu uma relutante mensagem de seu engenheiro Rob Smedley pelo rádio. “Fernando é mais rápido que você. Você confirma que ouviu essa mensagem?”. Na curva seguinte, o brasileiro abriu espaço e deixou o companheiro passar para vencer a corrida.
Massa terminou 2010 com cinco pódios, 144 pontos e a sexta posição no mundial de pilotos. Em contrapartida, Alonso foi o vice-campeão, perdendo o campeonato na última corrida.
Ano 2 d.m (2011)
Novamente com a Ferrari, Massa teve um dos piores anos de sua carreira recente em 2011, quando não conseguiu sequer um pódio, o que não acontecia desde 2006. Pontuando regularmente, ainda que em posições discretas, ele terminou a temporada com a sexta posição no mundial de pilotos, com 118 tentos conquistados. Foi também em 2011 que o brasileiro reviveu sua rivalidade com Lewis Hamilton de forma mais agressiva: em cinco ocasiões na temporada os dois pilotos colidiram seus carros.
Ano 3 d.m (2012)
Os rumores que começaram a circular em 2011 se intensificaram ao longo de 2012: Massa deveria ser substituído, clamava a imprensa italiana, que se apoiava nos resultados desapontadores do brasileiro. Enquanto isso, Sergio Pérez, jovem piloto adotado pela Scuderia, ia dando mostras de talento na Sauber, chegando a ser o segundo colocado no GP da Malásia de 2012 (segunda corrida do ano), vencido por Alonso. Enquanto isso, Massa tinha apenas 23 pontos em dez corridas (metade da temporada) contra 154 de Fernando, líder do campeonato até então.
Somente a partir daí que Massa engatou uma sequência mais regular, pontuando nas 10 provas restantes, com um segundo lugar no Japão e um terceiro no Brasil, concluindo o campeonato em sétimo, com 122 pontos. Alonso foi novamente vice naquele ano.
Ano 4 d.m (2013)
Apostando na melhora de produção do brasileiro, a Ferrari decidiu apostar na renovação do contrato para 2013. Com um início de temporada promissor, com direito a um terceiro lugar no GP da Espanha e ritmo próximo do de Alonso, Massa parecia decidido a aproveitar a chance. No entanto, o pódio na Espanha foi o único do ano do paulista, que passou o resto de 2013 amargando desempenhos discretos e medianos, terminando sua última temporada em Maranello com um oitavo posto no campeonato e apenas 112 pontos, seu pior desempenho desde que retornou às pistas em 2010.
Ano 5 d.m (2014)
Desacreditado, Felipe Massa foi dispensado pela Ferrari e este parecia o fim de sua carreira na Fórmula 1. No entanto, a Williams supreendeu o mundo do esporte a motor ao anunciar o piloto verde-amarelo como seu titular no ano que vem. Desfrutando de novos ares ingleses, resta ao brasileiro aproveitar a nova chance.