O modo de consumir música mudou muito nas últimas décadas. Do vinil, que surgiu em 1948, passamos pela fita-cassete e pelo CD, que dominou o mercado de venda por bastante tempo, até chegarmos, finalmente, na música digital. Esta, revolucionou o mercado de música no final dos anos 90 com o formato MP3 e, desde então, vem se consolidando cada vez mais.
Em meio às mudanças, surgiu um espaço para a pirataria, a prática de reproduzir, distribuir ou vender músicas sem a autorização dos artistas ou gravadoras. Baixar canções da Internet se tornou a forma de obter música de muitas pessoas. No entanto, recentemente surgiram os serviços de streaming, que oferecem um vasto acervo gratuitamente, na versão com propagandas, ou pagando uma certa quantia por mês. A comodidade oferecida por esse sistema vem transformando o mercado musical.
Serviços de Streaming: populares e polêmicos
Tidal, Apple Music, Music Google Play, Deezer, o famoso Spotify e muitos outros. Nos últimos anos os tais serviços de streaming se tornaram destaque na indústria da música. Bem ou mal, só se ouve falar neles. A proposta de oferecer milhares de música por determinado preço, muito mais barato do que comprar os CD’s físicos, e sem ocupar um grande espaço nos aparelhos eletrônicos é realmente tentadora, e influenciou para o crescimento no uso destes aplicativos. Só o Spotify reúne, atualmente, cerca de 100 milhões de usuários e, dentre esses, aproximadamente 25 milhões pagos.
Diante disso, as gravadoras, que por muito tempo se recusaram a adentrar no universo da venda digital, precisaram se adaptar e se render aos serviços. Para Marcelo Costa, jornalista cultural e editor do site Scream & Yell, a principal motivação foi o dinheiro. Os discos físicos ainda são uma grande fonte de lucro, o álbum “25” da Adele, por exemplo, já vendeu cerca de 5 milhões de cópias. Mas, segundo ele, quando se está acostumado a ganhar 100 milhões e esse lucro diminui para 20 milhões, transformações passam a acontecer. “Se estão apostando mais na venda digital agora é porque viram algum pote de ouro no final de arco-íris”, acrescenta.
No entanto, apesar de possibilitar que as músicas sejam escutadas a qualquer hora e lugar, Guilherme Silva, co-fundador do selo independente Uivo Records, destacou que os artistas são, de certa forma, obrigados a colocar o seu trabalho nestas plataformas para alcançar um público maior. Além disso, o fato de terem pouco controle de suas músicas e a quase nula remuneração são outras duas desvantagens do streaming, principalmente para os artistas e gravadoras independentes, que veem seus lucros afetados. E, para não não saírem perdendo, precisam encontrar outras soluções: “As gravadoras tem que criar outros jeitos de gerarem lucro, como criar eventos, pois a venda de música é bem insignificante hoje em dia”, diz.
A questão da remuneração também incomoda grandes nomes da música. A criação do Tidal, serviço de streaming do rapper Jay-Z, resultou um pouco dessa preocupação. Contando também com 16 cantores como acionistas, entre eles Beyoncé, Madonna e Chris Martin, a plataforma não possui um plano gratuito, diferentemente do concorrente Spotify, justamente para restaurar o valor da música e pagar melhor os artistas. Mas, como essas empresas pagam para as gravadoras, que repassam para os artistas, uma real mudança só se dará quando o Tidal atingir um grande número de usuários e quando acontecerem mudanças nos termos de contratos, o grande objetivo por trás da participação de todos esses cantores.
Taylor Swift também foi uma das artistas que não ficou feliz com a política do Spotify. Em 2014, alegando que o serviço não remunerava bem os artistas e influenciava na queda das vendas dos discos, a cantora retirou todos os seus álbuns da plataforma, assim como removeu do Deezer e do XBox Music. Em 2015, uma outra polêmica. Descontente com o serviço de streaming da Apple, o Apple Music, que ofereceria três meses grátis para os usuários e não pagaria os artistas neste período, Taylor escreveu uma carta mostrando todo o seu desapontamento e ressaltando a condição dos artistas iniciantes. A ação deu certo e a empresa ouviu a cantora, mudando o modo como estavam agindo. Depois disso, Taylor Swift se aliou ao aplicativo e, inclusive, disponibilizou com exclusividade a gravação da 1989 tour.
Pirataria: o fim?
O surgimento da música digital esteve diretamente ligado com a aparição da pirataria na indústria da música. Quem lembra daqueles famosos programas que possibilitavam baixar todas as músicas possíveis? Shareaza, e-Mule, 4shared, BitTorret e muitos outros fizeram (e ainda fazem) parte da vida de muitas pessoas.
Entretanto, o pai de todos esses programas foi o Napster, atualmente um dos vários serviços de streaming disponíveis. Surgiu na década de 90 e se consolidou como a primeira plataforma para downloads de música. À frente do seu tempo, por idealizar algo que faria muito sucesso alguns anos depois, também pode ser considerado o pai dos serviços de streaming. Na época, causou um grande rebuliço, pois teve que enfrentar a fúria das grandes gravadoras, descontentes com o novo modo de consumir música, que prejudicava muito a principal forma de lucro: a venda de discos. As diversas brigas judiciais fizeram com que a plataforma sumisse por algum tempo, mas recentemente eles retornaram como um aplicativo pago. A partir dele, surgiram inúmeros outros programas de downloads, para a infelicidade das gravadoras, que resistiram a se aliar à música digital.
A pirataria deu espaço para que a indústria musical fosse questionada, assim como ocorre agora com o streaming. Em 2007, a banda Radiohead disponibilizou o álbum “In Rainbows” para download, dando a opção para as pessoas pagarem o preço que quisessem. Foi um sucesso e a banda arrecadou muito dinheiro, mostrando que a música digital era possível. Recentemente, Frank Ocean lançou o álbum visual “Endless” pela gravadora Def Jam e, no dia seguinte, lançou o álbum “Blonde”, de seu selo independente Boys Don’t Cry, e o disponibilizou no Apple Music com exclusividade. Isso não agradou em nada as grandes gravadoras, pois mostrou que não é preciso mais delas para a distribuição de músicas. A possibilidade do streaming se tornar obsoleto assusta a indústria musical, que está começando a se acostumar com ele.
Mas não há como negar que a pirataria prejudica toda a cadeia envolvida no mercado de música. Guilherme disse que, simultaneamente, com o lançamento do álbum Animania, da banda INKY, já havia um link para download ilegal. Mas acredita que o streaming em nada vai mudar esse cenário: “Os serviços de streaming não mudaram o problema porque quem faz o download não é a mesma pessoa que faz o stream”.
Henrique Amorim, administrador do site e da página You! Me! Dancing!, que além de fazer resenhas disponibiliza alguns links para downloads de música, entrou neste meio com o objetivo de compartilhar músicas que não eram acessíveis ao grande público. Ele não viu, na ascensão do streaming, um prejuízo para o formato MP3: “O MP3 é mais prático e mais tátil do que o streaming e geralmente o último tem servido mais como uma prévia do que como uma ferramenta fixa, até porque gasta dados e nem todo mundo tem a comodidade de usar isso sempre”.
Marcelo Costa ressalta ainda que os serviços de streaming estão, na maioria das vezes, atrasados em relação aos lançamentos e não possuem todo o catálogo de música do mundo. Vale lembrar também a existência das parcerias entre cantores e serviços de streaming, como a cantora Beyoncé, com o álbum “Lemonade”, e o Tidal. “Quem baixa é o fã de música que quer ouvir aquilo antes, e já que a indústria é incompetente na maneira de liberar esse disco para o fã, ele dá um jeito e baixa antes de que o disco saia”, acrescenta.
Seja a pirataria ou o streaming, a indústria musical sempre estará precisando se adaptar às mudanças, que acontecem cada vez mais rápido neste mundo de imediatismo em que vivemos. De qualquer forma, é preciso entender as transformações e não enxergá-las como inimigas. No final, tudo o que importa é a música.
Por Beatriz Arruda
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