Nas últimas décadas houve um aumento global no consumo de plástico. Com isso, cresce a preocupação sobre o impacto ambiental gerado por esse material, que pode levar até 400 anos para se degradar. Para além das sacolas, garrafas e canudos plásticos que poluem as praias e alertam quanto à preservação desses ambientes, os microplásticos – partículas de plásticos menores que 5 milímetros – também representam uma ameaça, embora pouco visível.
Com olhar atento a três praias do litoral norte do Rio Grande do Sul (RS), o estudo desenvolvido por Ingrid Schneider, bióloga marinha e mestranda em Geologia Marinha, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), revelou maior concentração de microplásticos na praia não urbanizada, em comparação às demais, o que aponta a onipresença desse poluente. “Nós percebemos que o plástico já conquistou até os compartimentos mais preservados do nosso ambiente”, afirma a pesquisadora.
A pesquisa intitulada “Quantificação de microplásticos em praias antropizadas e pouco antropizadas no litoral do Rio Grande do Sul”, teve orientação da professora Daiana Maffessoni. O artigo foi publicado na edição de maio da revista Arquivos de Ciências do Mar.
Como surgem os microplásticos?
A produção global de plástico passou de 1,5 para 360 milhões de toneladas por ano entre 1950 e 2018, de acordo com a Plastic Europe. Se a produção e o gerenciamento dos resíduos seguirem essa tendência, 12 milhões de toneladas de plástico vão acabar em aterros ou no meio ambiente até 2050. No Brasil, onde apenas 1,28% desse material é reciclado, segundo dados da World Wide Fund for Nature (WWF), um dos maiores depósitos desse material é o oceano. Nesse ambiente, o plástico sofre ação física e químicas que o fragmentam em pequenos pedaços, no processo lento de degradação. Assim surgem, geralmente, os microplásticos, do rótulo, da tampinha e da roupa que nadaram e “morreram na praia” há décadas.
Além do descarte incorreto, esses pequenos fragmentos também podem ser derivados do choque mecânico na lavagem de roupas de poliéster, de alguns cosméticos, como os esfoliantes corporais, e de outros produtos industriais e formas de atrito. De todo modo, o plástico não sobe, só foge aos nossos olhares e conquista rápida e silenciosamente diversos habitats, adentra o organismo de espécies e ameaça o equilíbrio do ecossistema marinho.
Desde a década de 1997, nenhum estudo havia analisado a presença desse material no litoral norte do RS. Para isso, o estudo analisou a presença de microplásticos no sedimento arenoso de três praias com diferentes níveis de urbanização: Torres e Capão da Canoa, altamente urbanizadas, e a Praia das Cabras (Cidreira), não urbanizada. Durante um ano, a pesquisadora Ingrid Schneider coletou seis amostras de cada uma das localidades, uma vez em cada estação do ano, em um quadrante de 0,5 m² e em postos de 500 metros de distância para abranger uma boa porção da área. O material coletado era levado ao laboratório, secado, peneirado e quantificado.
A pesquisadora explica que os microplásticos foram separados em primários e secundários. “Diferente dos microplásticos secundários, que são os fragmentos originados de plásticos maiores, há também os materiais já fabricados em dimensões menores, como os pellets – pequenas esferas utilizadas como matéria prima para produção dos materiais plásticos – e são classificados como microplásticos primários”, afirma.
Segundo os dados da pesquisa, no total foram coletados 1.727 microplásticos (886 unidades de fragmentos e 841 unidades de pellets). A surpresa veio nos resultados da Praia das Cabras, que, apesar de não urbanizada, apresentou a maior concentração de microplásticos (1.083 unidades), comparada às praias urbanizadas Capão da Canoa e Torres, com 482 e 162 unidades, respectivamente. Além disso, foi encontrada grande quantidade de pellets na Praia das Cabras, enquanto as outras duas praias apresentaram maior acúmulo de fragmentos.
“Muitos estudos dizem que a urbanização está ligada à contaminação do meio ambiente, mas o que observamos é que, no caso do microplástico, a poluição é onipresente”, afirma Ingrid. De acordo com ela, é de destaque a quantidade de pellets encontrada. A hipótese é que, mesmo a praia não estando próxima a regiões portuárias, esse material pode ser perdido no transporte, dentro da cadeia produtiva do plástico. “Essas esferas se desprendem são perdidas durante o seu transporte por navios ou durante o seu manuseio em regiões portuárias, por exemplo, e assim viajam o globo pelos oceanos, podendo chegar às praias”, completa.
Microplástico, megaproblema e gigasolução
Praias como a Praia Cabras (Cidreira) são áreas de descanso de aves migratórias, que acabam ingerindo os microplásticos, seja por consumo direto ou indireto dentro na cadeia alimentar – isto é, as aves alimentam-se de peixes que consumiram plânctons, que por sua vez, ingeriram os pequenos fragmentos de plástico imersos em água salgada. O maior impacto do arraste desse poluente no ecossistema está ligado ao efeito material de captar outros poluentes químicos tóxicos, nocivos às funções fisiológicas desses animais, inclusive nocivos aos humanos.
Segundo a pesquisadora, esse é um grande problema sem solução única e exige esforços ainda maiores e de vários segmentos, inclusive da sociedade.Como os dados mostram a presença do plástico, em sua forma fragmentada por descarte inapropriado, e por perdas na cadeia produtiva, para a autora, a reeducação ao consumo pode ajudar na diminuição do lixo no mar. Ela destaca as recentes campanhas quanto à conscientização do uso de plástico de uso único, como os canudos plásticos.
“O canudinho não é o único problema da poluição dos oceanos, mas serve como uma bandeira para discussões mais profundas sobre a problemática do plástico no meio ambiente e estimula as pessoas a repensar o consumo exacerbado e o descarte do plástico”, afirma.