Nas últimas décadas houve um aumento global no consumo de plástico. Com isso, cresce a preocupação sobre o impacto ambiental gerado por esse material, que pode levar até 400 anos para se degradar. Para além das sacolas, garrafas e canudos plásticos que poluem as praias e alertam quanto à preservação desses ambientes, os microplásticos – partículas de plásticos menores que 5 milímetros – também representam uma ameaça, embora pouco visível.
Com olhar atento a três praias do litoral norte do Rio Grande do Sul (RS), o estudo desenvolvido por Ingrid Schneider, bióloga marinha e mestranda em Geologia Marinha, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), revelou maior concentração de microplásticos na praia não urbanizada, em comparação às demais, o que aponta a onipresença desse poluente. “Nós percebemos que o plástico já conquistou até os compartimentos mais preservados do nosso ambiente”, afirma a pesquisadora.
A pesquisa intitulada “Quantificação de microplásticos em praias antropizadas e pouco antropizadas no litoral do Rio Grande do Sul”, teve orientação da professora Daiana Maffessoni. O artigo foi publicado na edição de maio da revista Arquivos de Ciências do Mar.
![Cientista Ingrid Schneider em uma das coletas de amostras do sedimento arenoso de para análise de presença de microplástico. [Imagem: Reprodução/Ingrid Schneider]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/05/microplastico-2.jpg)
Cientista Ingrid Schneider em uma das coletas de amostras do sedimento arenoso de para análise de presença de microplástico. [Imagem: Reprodução/Ingrid Schneider]
Como surgem os microplásticos?
A produção global de plástico passou de 1,5 para 360 milhões de toneladas por ano entre 1950 e 2018, de acordo com a Plastic Europe. Se a produção e o gerenciamento dos resíduos seguirem essa tendência, 12 milhões de toneladas de plástico vão acabar em aterros ou no meio ambiente até 2050. No Brasil, onde apenas 1,28% desse material é reciclado, segundo dados da World Wide Fund for Nature (WWF), um dos maiores depósitos desse material é o oceano. Nesse ambiente, o plástico sofre ação física e químicas que o fragmentam em pequenos pedaços, no processo lento de degradação. Assim surgem, geralmente, os microplásticos, do rótulo, da tampinha e da roupa que nadaram e “morreram na praia” há décadas.
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Imagem: Reprodução/Ingrid Schneider]
Além do descarte incorreto, esses pequenos fragmentos também podem ser derivados do choque mecânico na lavagem de roupas de poliéster, de alguns cosméticos, como os esfoliantes corporais, e de outros produtos industriais e formas de atrito. De todo modo, o plástico não sobe, só foge aos nossos olhares e conquista rápida e silenciosamente diversos habitats, adentra o organismo de espécies e ameaça o equilíbrio do ecossistema marinho.
Desde a década de 1997, nenhum estudo havia analisado a presença desse material no litoral norte do RS. Para isso, o estudo analisou a presença de microplásticos no sedimento arenoso de três praias com diferentes níveis de urbanização: Torres e Capão da Canoa, altamente urbanizadas, e a Praia das Cabras (Cidreira), não urbanizada. Durante um ano, a pesquisadora Ingrid Schneider coletou seis amostras de cada uma das localidades, uma vez em cada estação do ano, em um quadrante de 0,5 m² e em postos de 500 metros de distância para abranger uma boa porção da área. O material coletado era levado ao laboratório, secado, peneirado e quantificado.
![Mapa dos locais de coleta de amostras para análise no litoral norte do Rio Grande do Sul. [Imagem: Reprodução/Ingrid Schneider]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/05/mapinha.png)
Mapa dos locais de coleta de amostras para análise no litoral norte do Rio Grande do Sul. [Imagem: Reprodução/Ingrid Schneider]
A pesquisadora explica que os microplásticos foram separados em primários e secundários. “Diferente dos microplásticos secundários, que são os fragmentos originados de plásticos maiores, há também os materiais já fabricados em dimensões menores, como os pellets – pequenas esferas utilizadas como matéria prima para produção dos materiais plásticos – e são classificados como microplásticos primários”, afirma.
![Microplásticos coletados no estudo. À esquerda, fragmentos e à direita, pellets. [Imagem: Reprodução/Ingrid Schneider]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/05/pedrinhas-2.png)
Microplásticos coletados no estudo. À esquerda, fragmentos e à direita, pellets. [Imagem: Reprodução/Ingrid Schneider]
Segundo os dados da pesquisa, no total foram coletados 1.727 microplásticos (886 unidades de fragmentos e 841 unidades de pellets). A surpresa veio nos resultados da Praia das Cabras, que, apesar de não urbanizada, apresentou a maior concentração de microplásticos (1.083 unidades), comparada às praias urbanizadas Capão da Canoa e Torres, com 482 e 162 unidades, respectivamente. Além disso, foi encontrada grande quantidade de pellets na Praia das Cabras, enquanto as outras duas praias apresentaram maior acúmulo de fragmentos.
![Quantidade de microplástico encontrado em cada praia analisada. [Imagem: Reprodução/Ingrid Schneider]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/05/tabelinha.png)
Quantidade de microplástico encontrado em cada praia analisada. [Imagem: Reprodução/Ingrid Schneider]
“Muitos estudos dizem que a urbanização está ligada à contaminação do meio ambiente, mas o que observamos é que, no caso do microplástico, a poluição é onipresente”, afirma Ingrid. De acordo com ela, é de destaque a quantidade de pellets encontrada. A hipótese é que, mesmo a praia não estando próxima a regiões portuárias, esse material pode ser perdido no transporte, dentro da cadeia produtiva do plástico. “Essas esferas se desprendem são perdidas durante o seu transporte por navios ou durante o seu manuseio em regiões portuárias, por exemplo, e assim viajam o globo pelos oceanos, podendo chegar às praias”, completa.
Microplástico, megaproblema e gigasolução
Praias como a Praia Cabras (Cidreira) são áreas de descanso de aves migratórias, que acabam ingerindo os microplásticos, seja por consumo direto ou indireto dentro na cadeia alimentar – isto é, as aves alimentam-se de peixes que consumiram plânctons, que por sua vez, ingeriram os pequenos fragmentos de plástico imersos em água salgada. O maior impacto do arraste desse poluente no ecossistema está ligado ao efeito material de captar outros poluentes químicos tóxicos, nocivos às funções fisiológicas desses animais, inclusive nocivos aos humanos.
Segundo a pesquisadora, esse é um grande problema sem solução única e exige esforços ainda maiores e de vários segmentos, inclusive da sociedade.Como os dados mostram a presença do plástico, em sua forma fragmentada por descarte inapropriado, e por perdas na cadeia produtiva, para a autora, a reeducação ao consumo pode ajudar na diminuição do lixo no mar. Ela destaca as recentes campanhas quanto à conscientização do uso de plástico de uso único, como os canudos plásticos.
“O canudinho não é o único problema da poluição dos oceanos, mas serve como uma bandeira para discussões mais profundas sobre a problemática do plástico no meio ambiente e estimula as pessoas a repensar o consumo exacerbado e o descarte do plástico”, afirma.