Por Isabella Lopes (isabella.tomaz.lopes@usp.br)
Em agosto do ano passado, os usuários brasileiros da rede social X (antigo Twitter) viram a impossibilidade de seu uso após uma ordem do ministro Alexandre de Moraes, graças ao descumprimento de exigências do STF (Supremo Tribunal Federal) por parte de Elon Musk, dono da rede.
Essa não foi a primeira vez em que as pessoas ficaram sem sua vida digital em certo site, ainda que por motivos diferentes. No dia 30 de setembro de 2014, o Orkut – nome que marcou os anos 2000 – teve seus serviços encerrados, o que deixou seus admiradores nostálgicos.
Nostalgia
A primeira versão do Orkut foi lançada em janeiro de 2004, desenvolvida pelo turco Orkut Büyükkökten, que era engenheiro da empresa Google na época, enquanto planejava seu novo invento. A princípio, o público-alvo eram os estadunidenses, mas o sucesso da plataforma foi alcançado com os usuários brasileiros e indianos.
O criador da rede social já possuía experiência na área, doutor em ciência da computação. Büyükkökten começou programando em BASIC – que vem do inglês “Beginner’s All Purpose Symbolic Instruction Code” (“Código de Instrução Simbólica de Propósito Geral para Iniciantes”, em português). Antes do Orkut, o programador formulou a Club Nexus, em 2001, cujo objetivo era reunir estudantes em um ambiente virtual de bate-papo e compartilhamento de conteúdos, e a inCircle, que era voltada para ex-alunos da Universidade Stanford, onde estudou.
Na época em que o produto de maior sucesso criado pelo turco surgiu, o Brasil passava pela inclusão digital, ou seja, o acesso à internet tornou-se mais comum. As idas às famosas LAN Houses, locais onde se podia pagar para usar uma máquina com acesso a web, e o barateamento dos computadores.
Em 2004, um notebook básico custava, em média, R$ 3.800, cerca de R$ 12.758,16 em agosto de 2025, em correção monetária feita pelo Índice Geral de Preços para o Mercado (IGP-M) da FGV (Fundação Getúlio Vargas), presente na Calculadora do cidadão. Segundo uma pesquisa realizada pelo Ibope/Ratings daquele ano, 5,3 milhões de brasileiros tinham suas residências conectadas à banda larga, uma internet de alta velocidade. Número que se aproximava dos 5,5 milhões de acessos à linha discada, a qual era provida através de uma linha telefônica.
No seu início, o Orkut só estava disponível em inglês e para utilizá-lo era necessário receber um dos 20 convites de algum amigo que, por sua vez, teria obtido da própria Google. Os brasileiros logo começaram a buscar quem possuía a porta de entrada para essa rede, e até algumas vendas de convites foram feitas na época. Além disso, as páginas podiam ser divididas em genérica, profissional ou para encontros, dependendo do que o usuário buscava.

A psicóloga Mayara Coutinho, 30, analisa que a “toxicidade” do mundo digital atual – comparação, gatilhos, uso inconsciente e intolerância, por exemplo – não era evidente no Orkut. “Todo mundo estava descobrindo o que era uma rede social. O foco era registrar o carinho que era sentido pelos amigos, conhecer pessoas e criar novas amizades”, explica.
Apesar disso, o site não estava livre de denúncias e crimes. Em 2005, um dossiê brasileiro reuniu 1.345 acusações de pornografia infantil entre os meses de maio e novembro daquele ano. Na época, o Orkut colaborou com a justiça do Brasil.
Na plataforma, era possível publicar apenas 12 fotos por perfil. Quando se queria adicionar mais, uma delas precisava ser excluída. Isso porque a computação em nuvem ainda não era popularizada, o que só ocorreu em 2006 expandiu a capacidade de armazenamento de informações.
O número de amigos era restrito a mil perfis, que podiam ser classificados em desconhecido, conhecido, amigo, bom amigo e melhor amigo. Mayara afirma que, na época, já era notável a supervalorização das relações construídas por meio da internet e o afastamento das pessoas do convívio na realidade.
Em 2005, com o crescimento do público brasileiro na plataforma, o português foi o primeiro idioma adicionado ao site, além do inglês, como opção às pessoas escolherem. Até em música o Orkut apareceu: no ano seguinte, Frank Aguiar lançou “Vou Te Excluir do Meu Orkut”.
“Eu vou te deletar te excluir do meu Orkut
Eu vou te bloquear no MSN
Não me mande mais scraps nem e-mails, Powerpoint
Me exclua também e adicione ele”
Frank Aguiar, em “Vou Te Excluir do Meu Orkut”
No ano de 2008, a Google comprou a rede social, cuja sede era na Califórnia até agosto do mesmo ano. A mudança na operação da ferramenta social passou para o controle da Google Brasil, com núcleo em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Na mesma época, foi lançado o Buddypoke, uma extensão na qual era possível criar um avatar com as características do utilizador do perfil. Cecília Assis de Oliveira, 25, explica que era possível interagir com outros bonecos virtuais e realizar ações, como danças. “Tinha um recurso que se você estava gostando de alguém, o seu Buddypoke ficava perseguindo o outro com cara de apaixonado”, exemplifica.

Em 2009, o Orkut passou por uma reformulação, apelidada de “Novo Orkut”. Essa foi uma manobra para a competição com outras redes da época, como Facebook, de Mark Zuckerberg, e Twitter, de Jack Dorsey, Evan Williams, Biz Stone e Noah Glass. A personalização de abas, a recomendação de amigos com base no e-mail e mais controle sobre as informações que se tornavam públicas foram as mudanças feitas no site.
No início, para usar a atualização, era necessário receber um convite de alguém que já tinha acesso a ela. Essa dinâmica serviu para gerar engajamento dos usuários na nova versão do Orkut e controlar o fluxo de informações, de modo que o sistema não ficasse sobrecarregado.
No mesmo período, surgiu um dos jogos mais populares da plataforma: a Colheita Feliz. O passatempo consistia em cuidar de uma fazenda, tanto da plantação, quanto dos animais. A administração das terras também contava com a função de visitar a propriedade dos amigos e até mesmo roubar os lucros das suas vendas. Pedro Henrique Santos, 25, recorda que o seu uso principal do Orkut era para acessar esse jogo, na companhia da sua avó.

O fim
2011 marcou o início da queda do Orkut. Naquele ano, a rede social de Büyükkökten começou a perder usuários de forma expressiva, principalmente para o Facebook e o Twitter.
Em 2012, a plataforma de Mark Zuckerberg ultrapassou a quantidade de pessoas que ainda usavam o Orkut no Brasil, de acordo com a pesquisa comScore da época. O país fazia parte de um pequeno grupo – composto também por China, Japão, Coreia do Sul, Vietnã, Polônia e Rússia – em que o Facebook não possuía a liderança no meio digital, na época.
Outras plataformas, como Windows Live Profile, Twitter, Vostu e Tumblr também se expandiram no período. Além disso, Youtube, Blogger e Google+, recursos gerenciados pela Google, demandavam mais investimentos da empresa.
Em junho de 2014 não era possível criar contas novas no Orkut e, em 30 de setembro do mesmo ano, a rede foi descontinuada — período no qual 34 milhões de pessoas acessavam a rede. Foi possível exportar informações do próprio perfil, arquivos de comunidades e fotos até 2016, por meio do Google Takeout, aplicativo que faz o download de dados nos produtos da companhia. Após essa data, o domínio orkut.com foi suspenso. “Sofri quando ele foi desativado porque gostaria de rever as memórias, como fotos da época”, comenta Ana Paula Iozzo, 26.
Mayara Coutinho explica que a necessidade de atualizar o meio digital já estava em vigor em 2014: “que chegou a cerca de 34 milhões de pessoas em setembro de 2014. Tudo é muito rápido. As pessoas do Orkut migraram para outro lugar. O X saiu do ar e já tinha uma alternativa. Tudo acaba sendo substituível”. Cecília completa: “A mudança foi gradativa, porque a rede social já estava meio parada e caindo no esquecimento. O Facebook era popular e a gente conseguia interagir melhor”.
Principais comunidades
As comunidades eram uma das áreas mais populares do Orkut para os seus usuários. “Elas eram como grupos com alguns temas muito específicos nos quais as pessoas que se sentiam parte daquela vibe participavam juntas”, conta Gabriel Almeida Pádula, 25, usuário da rede de 2009 até o final dela. Os temas podiam variar de grupos de estudos a fã clubes de bandas emo, por meio de bate-papos que chegavam a milhões de participantes. Haviam também os moderadores e proprietários, responsáveis por gerenciar os grupos.
Confira algumas das principais comunidades brasileiras no Orkut:
- Eu Odeio Acordar Cedo (6.106.958 membros)

- Eu amo minha MÃE! (4.571.629 membros)

- Não fui eu, foi o meu Eu lírico (86.820 membros)

- Sou legal, ñ tô te dando mole (1.520.489 membros)

- Anão vestido de palhaço mata 8 (81.600 membros)

Para diminuir a saudade de mais grupos dessa rede social, basta explorar o arquivo público de comunidades do Orkut no seguinte link: <https://web.archive.org/web/20141001005309/http://orkut.google.com/>.
Ferramentas
Além do Buddypoke e da Colheita Feliz, o Orkut possuía uma série de outras mecânicas que o tornaram popular. A Jornalismo Júnior listou alguns dos recursos mais lembrados pelos usuários:
- Depoimentos (testimonials)
Os depoimentos eram declarações que os amigos enviavam ao perfil uns dos outros. Era necessário aceitá-los para que quem visitasse a página conseguisse visualizá-los. “Minha forma preferida de interagir eram com os depoimentos, o ‘não te conheço, mas considero pakas’ e montagens muito ruins com fotos da pessoa”, explica Cecília.
Porém, muitas pessoas utilizavam essa ferramenta para enviar mensagens íntimas, como confissões de amor e fatos sobre outras vidas. Esses depoimentos geralmente recebiam a frase “[NÃO ACEITA]”, mas às vezes chegavam a ser postados sem querer.
A competição entre amizades pelo primeiro lugar na lista de relatos, que era ocupado pela aprovação mais recente, foi outra dinâmica presente na rede social.
- Recados (scraps)
Os recados, mais conhecidos por scraps, eram mensagens mais curtas e do cotidiano enviadas a outro usuário, como felicitações de aniversário ou convites a eventos. Eles ficavam em um mural público, e não era necessário aceitá-los para que aparecessem no scrapbook da outra pessoa.
- O perfil
Os usuários faziam a descrição de suas personalidades na seção “Quem sou eu”. Alguns chegavam a editar ou utilizar códigos para alterar o estilo dos caracteres do próprio perfil, que conferiam mais autenticidade quando exibidos aos amigos, e colocar um trecho de música que, ao entrar na sua página, era reproduzida. Caio Viana, 27, recorda que era divertido conhecer o gosto musical do outro já ao entrar em sua página.
Frases como “só add com scrap” (só adiciono com recado), “leio, respondo e apago” – quando a pessoa desejava receber recados, mas não os deixaria salvos – estavam presentes em diversos perfis.
O Orkut não possuía uma linha do tempo, como as redes sociais atuais. O usuário visualizava a área com suas características, as comunidades que fazia parte e suas avaliações, depoimentos e recados.

- Avaliações
Votada de forma anônima, a avaliação ocorria em três categorias: legal, sexy e confiável, e media a popularidade do perfil. Além disso, existia um indicador de fã, que ficava disponível aos visitantes.

- Visitas ao perfil
No Orkut, era possível saber quem havia visitado o seu perfil. A ferramenta era atualizada diariamente e seu uso era facultativo. Se fosse ativada, ao entrar na página de outra pessoa, ela também descobriria quem buscou suas informações pessoais na página.
O legado do Orkut
A rede social foi a primeira que obteve popularidade no Brasil, o que marcou o contato de muitas pessoas com a interação social no meio digital. Em 2025, Facebook, Instagram e TikTok são os espaços online com mais participantes brasileiros. Os algoritmos – operações realizadas por computadores – são responsáveis por identificar quais conteúdos serão entregues a determinado usuário, dependendo de suas interações virtuais.
“A gente tenta se moldar e ser aceito. Valorizamos aqueles que têm muitos likes e seguidores”, explica Mayara. A psicóloga nota que as redes sociais atuais trazem como consequência uma cobrança de seguir as tendências e a conversão das relações em quantidade: “Potencializamos números, não pessoas”.
