Por Matheus Ribeiro (matheus2004sa@usp.br)
As redes sociais consistem em um dos produtos mais impactantes da revolução tecnológica. Surgidas no fim do século passado, foram responsáveis por transformar a forma com a qual as pessoas se comunicam. Elas tornaram o processo comunicativo em algo muito mais abrangente e permitiram que discussões e debates contassem com participantes de diferentes lugares no mundo.
Com o passar do tempo, esse novo meio de comunicação começou a ser visto por diversas classes como algo utilizado para promover e divulgar seus trabalhos a um grande número de indivíduos. É o que ocorre no cenário político atualmente, em que essas mídias não só são ferramentas importantes no processo eleitoral, mas também, em alguns casos, essenciais.
O surgimento da participação das redes
Por mais que sua origem fosse ainda no século 20, foi no final dos anos 2000 e início da década de 2010 , época na qual esse meio se tornou mais popular, que as redes sociais evidenciaram sua possibilidade ao uso político.
Em entrevista à J.Press, o professor universitário e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), Vitor Blotta, contextualiza como se deu a percepção das redes sociais como ferramenta política: “Há dois marcos históricos importantes: um primeiro na eleição de Obama nos EUA em 2008, quando elas [as redes] foram usadas para mobilizar base eleitoral, porém de forma bastante orgânica. E em 2012, na reeleição de Obama, época em que a internet contava com uma arquitetura diferente”.
O professor comenta que essa mudança na estrutura virtual se baseia em diversos fatores. Entre eles o uso de algoritmos para o monitoramento e perfilamento de dados dos usuários de diferentes plataformas, informações as quais poderiam ser utilizadas em campanhas políticas, o que foi o caso na disputa da presidência estadunidense de 2012.
“Em 2016, na eleição de Trump, houve um abuso do microtargeting [técnica de propaganda focada em grupos específicos, baseado em informações de bancos de dados] sem autorização de usuários das redes.” diz o professor.
“Esse cenário ocorreu de forma parecida no Brasil em 2018, com Bolsonaro.”
Vitor Blotta
A troca do tradicional pelo moderno
No cenário político brasileiro, a principal forma de candidatos se comunicarem com o público e divulgarem suas ideias e propostas, por muito tempo, foi o horário eleitoral. O formato consiste em períodos em que emissoras de rádio e televisão transmitem obrigatoriamente propagandas de políticos em suas programações.
Desde seu surgimento, em 1962, essa forma de propaganda se manteve a forma mais tradicional de políticos construírem sua base de eleitores. No entanto, ela é dotada de controvérsias que são apontadas tanto por candidatos quanto pelos votantes. A desigualdade na distribuição de tempo para a exposição dos partidos e o uso de verba pública nessas produções são os pontos mais discutidos.
Foi nesse contexto que as redes surgiram como alternativa para divulgar suas propostas e alcançar um público ainda maior que os ouvintes de rádio e espectadores da televisão: as redes sociais. Por esses motivos, atualmente, as mídias virtuais são uma ferramenta tão importante quanto os meios tradicionais de propaganda.
Daniel José, candidato a vereador em São Paulo pelo Podemos, evidência à J.Press um dos motivos que levou a classe política a adotar esse meio moderno de propaganda: “As redes sociais surgiram como única alternativa àqueles que não contam com uma máquina estatal [a propaganda eleitoral], enquanto outros concorrentes usam de gastos desproporcionais em suas campanhas”.
Outro fator que favorece o uso das mídias sociais para esse fim é a possibilidade de uma comunicação mais direta com a audiência, o que gera uma sensação de proximidade com o público, explica Blotta. O pesquisador ainda reitera que essa impressão facilita a formação de grupos disseminadores de campanhas políticas, que, por sua vez, podem potencializar o alcance das ideias de algum candidato, principalmente se comparar aos resultados que poderia obter com a mídia tradicional.
“Essa natureza mais horizontal das redes e das trocas de mensagens, em muitos casos, é calculada e fabricada com grandes investimentos e torna mais fácil alguém mudar sua intenção de voto.”
Vitor Blotta
Estratégias políticas nas redes
De acordo com Blotta, há políticos que recorrem à construção de visões maniqueístas e apelo para emoções políticas dos cidadãos. “Isso acontece medo e ódio, e apelo para a disseminação aparentemente orgânica por meio de influenciadores digitais”, completa.
“É o chamado populismo digital.”
Vitor Blotta
Daniel José, por sua vez, afirma que deve haver um planejamento antes de decidir como a abordagem ao público será feita: “É preciso entender qual tipo de conteúdo as pessoas consomem nessas mídias. A partir desse levantamento, eu produzo um conteúdo que se encaixe nessa demanda e transmita minhas propostas”. O candidato ainda mostra sua preferência por uma abordagem humorística: “Eu tenho o personagem do socialista de iPhone, em que eu busco demonstrar minhas visões de forma mais engraçada”.
Com base em seus critérios e opções de abordagens, os candidatos fazem suas publicações nas redes, a fim de interagir com o público e gerar engajamento para disseminar seus ideais, como demonstrado pelo candidato.
Entretanto, o professor universitário reitera que há a possibilidade de financiar conteúdos para que sua circulação “inunde” as redes, isso gera um efeito de censura e desigualdade entre as candidaturas. O que vai em desencontro com a “democratização” que esse meio oferecia no início de seu uso.
Uma nova política brasileira
Exemplos desse novo “fazer política” puderam ser vistos ainda nas disputas de 2018, ocasião na qual houve o fortalecimento de coletivos como o Movimento Brasil Livre (MBL), que permitiu o surgimento de candidatos – como Kim Kataguiri – a partir da criação de conteúdo em plataformas digitais como o YouTube. Além da própria eleição de Jair Bolsonaro, na época, um deputado sem relevância pela mídia tradicional, que ganhou seus holofotes a partir do Whatsapp, Facebook e Instagram.
Em 2020 e 2022 o uso das redes sociais nas campanhas se tornou ainda mais comum, porém, o seu ápice se demonstrou na disputa pela prefeitura da cidade de São Paulo em 2024. O que é mostrado pelos relatórios eleitorais do NEV-USP.
O agente por trás da expressividade do meio digital na política foi o candidato Pablo Marçal (PRTB), ex-coach que atuava na realização de palestras e criação de conteúdo com cunho empresarial em seus perfis, que aproveitou de sua relevância nas plataformas para alcançar prestígio político.
O empresário se destacou por possuir o maior número de seguidores dentre todos os candidatos à prefeitura da capital paulista, o que resulta em altos índices de interações com usuários e amplia a circulação de seus conteúdos, disseminando seus ideais a cada vez mais pessoas.
Ainda que seus maiores adversários, o ex-deputado Guilherme Boulos (PSOL) e o concorrente à reeleição Ricardo Nunes (MDB), também invistiram em suas campanhas virtualmente, Marçal é o político com a maior quantidade de seguidores em todas as suas redes. Enquanto o psolista e o atual prefeito têm, respectivamente, cerca de seis milhões e um milhão e meio, o ex-coach esbanja, aproximadamente, 16 milhões de adeptos.
As redes para além dos políticos
O impacto do uso das redes sociais em campanhas políticas não se limita a somente dar mais popularidade a determinado candidato. Na realidade, seus efeitos são mais notáveis na convivência dos usuários comuns nas diversas plataformas.
A forma que os políticos utilizam as suas mídias e perfis pode facilmente influenciar seus seguidores a realizarem ações que impactam diretamente o processo eleitoral. Divulgação de notícias falsas (fake news), incentivo ao discurso de ódio e a intolerância são exemplos de como o público virtual pode agir ao ser fomentado.
A estudante de jornalismo e assessora da vereadora Luana Alves (PSOL), Sophia Vieira, em contato com o J.Press, explica como a funcionalidade das redes gera esse fenômeno: “As mídias sociais têm diversas ‘bolhas’, já que o algoritmo manda conteúdos pra quem tende a se interessar por eles”. Ela explica que a linguagem das redes também pode, por vezes, ser mais violenta e menos propensa ao diálogo e debate.
O principal caso que ilustra esse problema no país foi as eleições de 2018. Na época, alguns dos candidatos mais adaptados às redes utilizaram deste recurso para circular informações falsas e reproduzir mensagens difamatórias contra adversários e grupos com pensamentos opostos. A própria campanha de Bolsonaro ocorreu conforme este cenário, que ainda contou com o uso de robôs (também conhecidos como “bots”) para engajar suas publicações e divulgar fake news.
“Mensagens falsas, difamatórias e alarmistas são muito mais disseminadas do que informações ou checagem de fatos.”
Vitor Blotta