Os atores Natalie Portman e Tom Hanks, a escritora Maya Angelou, e até mesmo a ex-primeira dama Michelle Obama. O que essas quatro e muitas outras personalidades mundialmente conhecidas têm em comum? Todas elas declararam que, em algum momento da vida, sentiram-se insuficientes ou, como já declararam, “uma fraude”, tendo na sorte o fator primordial de suas conquistas.Essa sensação de não acreditar nas capacidades próprias, de não ser merecedor de seu reconhecimento, é uma das principais características da Síndrome do Impostor.
A primeira publicação acadêmica envolvendo esse tema foi realizada em 1978, pelas pesquisadoras Pauline Rose Clance e Suzanne Imes, da Universidade do Estado da Geórgia. Nesse artigo, elas apontaram os motivos que mais faziam as mulheres em cargos de sucesso a realizarem um autoboicote, creditando esse cargo ao acaso e que, em algum momento, seriam desmascaradas.
Apesar de não ser um distúrbio psicológico reconhecido oficialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), existem uma série de estudos que apontam para a grande incidência de pessoas que sofrem desse fenômeno, não apenas em pessoas com alto grau de sucesso. Segundo uma pesquisa da também pesquisadora Gail Matthews, da Universidade Dominicana da Califórnia, cerca de 20% dos estudantes do ensino superior entrevistados foram identificados como portadores dessa condição.
“A Síndrome do Impostor descreve indivíduos com elevado desempenho que, apesar de seus sucessos, não conseguem internalizar suas realizações e têm dúvidas persistentes e medo de serem expostos como uma fraude ou impostores.” É assim que Graça Maria Ramos de Oliveira, supervisora do Serviço de Psicologia e Neuropsicologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo explica o que é o fenômeno.
A destruição do próprio sucesso
O medo de falhar ronda aquele que se sente um impostor. “Muitas vezes estamos falando de gente que é extremamente capaz, extremamente inteligente, mas que tem a sensação de que não é bom o suficiente”, apresenta Amilton dos Santos Júnior, médico psicoterapeuta e docente da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Esse receio gera uma série de mecanismos para impedir que seus superiores, colegas ou familiares descubram que, supostamente, a pessoa não merecia estar em tal posição elevada.
Uma das características mais comuns apresentadas por pessoas que possuem o sentimento de impostor é a de se autossabotar. Elas não realizam determinadas ações simplesmente pelo medo de fracassar, de dizer algo que possa ser encarado como inadequado ou incorreto. Por conta disso, tentam ao máximo ficar longe da exposição, sem almejar novas conquistas, pois acreditam que, caso conquistem, as pessoas perceberão que foi tudo uma questão de sorte, não de capacidade em si.
Por outro lado, outros “impostores” possuem um comportamento diametralmente oposto: o perfeccionismo e o esforço exagerado. Também por conta do medo de ser julgado como incapaz, os indivíduos não pensam que, somente pela sua competência, irão conseguir realizar tais atos. Dessa forma, aplicam uma intensidade demasiada em seus trabalhos, de modo a tentar conquistar uma aprovação e não descobrirem a suposta incapacidade dela. É por isso que, ao mínimo erro cometido, existe uma cobrança enorme em si mesmo, se autodepreciando, com o medo latente de acharem que ela é inapta.
Pesquisadores apontam que essas atuações são provenientes de um aspecto em questão: a comparação. “A partir do momento que existe o outro, eu fico inseguro, porque eu olho para outro e o meu parâmetro de comparação acaba sendo quem está do meu lado”, explica Júnior. Mesmo com as distinções entre as características apresentadas pelos portadores da Síndrome do Impostor, a comparação acaba sendo um potencializador do fenômeno, tanto por achar-se menos capacitado que alguém, tanto por querer mostrar-se como extremamente capaz justamente para sofrer com a comparação e ser desmascarado.
A psicóloga Ciça Conte, que atua com a linha cognitiva-comportamental, apresenta que um dos maiores fatores para o desenvolvimento da síndrome é que a pessoa se compara com outro e, por medo de que seja descoberta, não tenta buscar ajuda de como realizar determinada habilidade. Ela ressalta que as comparações devem ser feitas para as mesmas competências, e não para distintas, justamente para não potencializar a sensação de impostor: “Eu estou olhando para aquela pessoa do meu lado, que é outra pessoa, tem outra história que eu, tem outra capacidade, tem um outro estudo. Está no mesmo ambiente que eu, faz a mesma coisa que eu? Faz, mas é uma pessoa diferente de mim.”
E essa relação incessante com a suposta descoberta dos outros de que o indivíduo é uma farsa desencadeia uma série de distúrbios físicos e mentais, desde problemas gastrointestinais e enxaquecas, até mesmo quadros de depressão e, em casos mais extremos, ideações ao suicídio. Porém, o que mais impulsiona essa sensação de impostor é a ansiedade promovida, pois o medo de ser desmascarada traz angústia à pessoa, e isso faz com que ela se sinta pior ainda, criando, como apontam os especialistas na área, uma bola de neve.
Independentemente da esfera que se esteja analisando, Conte explica que sempre existe um véu da realidade nas ações das pessoas: “Você mostra quem é você, mostrando pra que você serve, mostrando como você serve, mostrando como você se comporta, quem você é, a sua personalidade”. O impostor, entretanto, vai sempre querer se portar como sendo algo a mais, mesmo que não seja necessário, para que as pessoas não desconfiem dele enquanto pertencente daquele núcleo.
Por trás do sentimento de fraude
O gatilho infantil
Apesar de ser uma condição comumente impulsionada por conta das situações pelas quais as pessoas são submetidas na escola ou no trabalho, as circunstâncias para a Síndrome do Impostor, assim como a grande maioria das questões envolvendo saúde mental, estão envoltas em fatores sociais, de criação, do ambiente e biológicos, explica Amilton. “Afinal de contas, a nossa mente e o nosso corpo são uma entidade integrada, uma entidade única, a gente sempre avalia em conjunto”, resume o professor.
Cada caso é um caso e deve ser avaliado de acordo com o que o paciente apresenta ao psicólogo. Porém, boa parte dos que desenvolvem tal síndrome tem na infância o seu gatilho para a sensação de desmerecimento das conquistas. Conte apresenta que, entre zero aos sete anos, a criança está se conhecendo e conhecendo o mundo ao seu redor e que, a partir desse convívio, ela irá criar crenças limitantes que irão reger suas ações ao longo da vida.
A psicóloga exemplifica como uma crença pode desencadear a Síndrome do Impostor: “Ali no meu subconsciente, eu sou autossuficiente. Então eu faço tudo sozinha, não peço ajuda, me sobrecarrego.” Ela ainda completa demonstrando um possível motivo para o desenvolvimento dessa suposta autossuficiência: “Uma crença que eu fiz lá na infância, vou te dar um exemplo, porque meus pais não me davam atenção, e eu tinha que me virar sozinha, então entendi que era autossuficiente”.
Amilton ressalta que tanto escola quanto pais e responsáveis devem ter cuidado ao elogiar ou criticar as crianças, sobretudo em relação aos extremos: “Se ela foi educada para ser a melhor do mundo, invariavelmente sempre vai ter alguém melhor que a gente em algum aspecto, e isso pode contribuir para essas distorções, que gera essa sensação de insuficiência.”
Estruturalmente impostor(a)
A situação da Síndrome do Impostor ocasionada por experiências infantis, entretanto, pode ser ainda mais impulsionada quando a pessoa não se encaixa naquilo que é considerado como o “padrão” da sociedade. Qualquer pessoa fora desse encaixe tem que se esforçar muito mais para conseguir alcançar um sucesso e, quando alcança, o não reconhecimento seu em relação aos outros daquele ambiente gera o sentimento de não pertencer àquele local, considerando-se como uma fraude.
“A experiência da síndrome parece ser mais frequente entre grupos de minorias, muito mais suscetíveis a se sentirem não pertencentes ao lugar que ocupam e também precisam lidar com muito mais obstáculos”, explicita Oliveira.
Normalmente, esses grupos já teriam que se esforçar mais para conseguir alcançar postos de liderança, visto que as oportunidades são menos apresentadas a eles. Com isso, apesar da enorme capacidade, a falta de espaço nas empresas pode promover o desenvolvimento desse fenômeno, acarretando em sobrecarga e ansiedade para tentar encaixar-se na dinâmica social.
Estar em um local, seja ele profissional, acadêmico, ou até mesmo pessoal, e não se reconhecer nos outros é algo que pode trazer dúvidas em relação à própria capacidade. “É como se o tempo todo houvesse um recado latente dizendo que esse lugar não é dela, você não merece essa posição”, analisa Júnior, apontando como a estrutura social dificulta a ascensão das pessoas, mesmo que elas sejam extremamente capacitadas.
Seja pela síndrome, seja pelo mercado de trabalho inflexível, pessoas que saem da característica normativa da sociedade, tanto pelo caráter racial, quanto socioeconômico, tendem a ter que se esforçar muito mais para, de certa forma, terem certo reconhecimento, seja dos outros, seja até mesmo seu próprio.
No entanto, não é somente a questão de condições socioeconômicas que possui um número alto de pessoas que sofrem do fenômeno do impostor. Inúmeros estudos apresentam, inclusive o de Clance e Imes, que as mulheres possuem uma maior incidência acerca dessa condição. A estereotipação e a separação social e de valores enraizada na sociedade, com o homem sendo a pessoa a trabalhar e ter sucesso, enquanto a mulher deve cuidar de casa, faz com que, mesmo que elas tenham êxito em sua atuação, a sensação é que ela não merecia estar naquele local.
O papel dúbio das mídias
Um fator muito expressivo, que atua tanto pelo bem, quanto pelo mal, é o papel das redes influenciando a Síndrome do Impostor. Com a propagação de estereótipos, de como é uma vida importante e quem deve ter essa vida, o que se passa nas grandes mídias é a incorporação daquela ideia de que existe um padrão “ideal” na sociedade. Os que estão fora dessa veiculação, portanto, têm dificuldades de se sentir representados e, com isso, acreditar que podem almejar um sucesso.
Existe, também, um segundo motivo para as redes sociais favorecerem o desenvolvimento do fenômeno, que é a ideia da vida artificial que elas propagam. Nelas, é comum ver fotos e vídeos de pessoas felizes, bem sucedidas, contando suas histórias de vida e como alcançaram a realização pessoal ou profissional.
Amilton aponta que isso pode ser um gatilho muito forte para o desenvolvimento da sensação de ser um impostor, justamente por não se ver capaz de conquistar esse modelo de vida: “a pessoa bate o olho, se naquele dia ela não deu conta de estar ali no 100% dela, ela fala que é um fracasso, já parte de antemão disso. Em geral, a pessoa tende a valorizar muito mais o pouco que ela não tem do que muito do que ela já conquistou”.
No entanto, um aspecto que favoreceu e muito o reconhecimento da Síndrome do Impostor foi a disseminação do conhecimento propiciada pela Internet. “Hoje em dia, você ouve falar em algo, dá um Google, aparece 50 milhões de artigos, mais 40 podcasts, mais 40 relatos de pessoas que passaram pelo mesmo, e você entende cem por cento daquilo ali”, explica Conte. Com isso, as pessoas passaram a entender um pouco mais sobre seus sentimentos e quando não se sentiam bem, começaram a procurar ajuda, algo que não acontecia anteriormente, visto que a expressão do que se sentia era considerado como uma fraqueza socialmente.
A partir disso, as redes sociais possuem um lado que auxilia nas pessoas se expressarem. Apesar do aspecto de vida fantasiosa que costumam compartilhar, as pessoas estão conseguindo falar sobre seus medos e anseios, e principalmente, estão entendendo que não são só elas que sofrem com essa síndrome, o que pode fortalecer e auxiliar no tratamento.
Reconhecer-se para superar
Para se entender, é uma unanimidade entre os especialistas que se deve, antes de tudo, expressar seus sentimentos. “Um dos primeiros passos para reconhecer que a pessoa pode ter a Síndrome do Impostor é incentivá-las a falarem sobre isso, seja com pessoas de confiança ou com profissionais”, explicita Oliveira.
Com isso, Amilton apresenta que ao tirar essa sensação de si e conseguir conversar com os outros, será mais fácil para tratar e entender essa sensação. “A partir do momento em que você se conhece e você começa a ter uma teoria melhor sobre si mesmo, você começa a conseguir a contornar as situações”.
Um outro ponto importante a se ressaltar é que, para as pessoas entenderem e superarem essa situação tão complicada, o profissional de saúde deve apresentar que a pessoa não é a única a se sentir assim. “Muitas dessas pessoas à sua volta, que você está achando que sabem, também não sabem, também estão tendo o mesmo tipo de pensamento que você”, finaliza Conte.