Existem três posições comuns diante das Artes Marciais Mistas (MMA, em inglês). Alguns têm simpatia pela modalidade e ocasionalmente acompanham lutas, casualmente, assim como qualquer outro esporte. Outros são aficionados pelo evento e acompanham todas as lutas. Sabem quem são os principais esportistas e os nomes emergentes. Conseguem nomear e analisar golpes e estratégias.
Por último, têm os que detestam o MMA. Não vêem graça nos golpes, no sangue e nos hematomas. Alguns países chegaram a proibir o evento por considerar muito violento. Porém, um dos nomes que conseguem transcender essas barreiras e mostrar a elegância da arte marcial é Anderson “The Spider” Silva.
Nascido na capital paulista, mas criado em Curitiba, Anderson Silva é fã do Homem-Aranha. O que, junto com sua destreza e seus reflexos para desviar dos socos e chutes, rendeu-lhe o apelido de “Spider”. Anderson Silva foi um dos expoentes brasileiros do esporte, gerou uma onda de interesse pela modalidade que arrastou multidões. Suas lutas contra Chael Sonnen foram acompanhadas em clima de Brasil e Argentina, com bares lotados e pessoas se reunindo para assistir.
Mas a jornada do Spider começou no MMA em 1997. Apenas quatro anos depois do primeiro Ultimate Fighting Championship (UFC) — onde o brasileiro Royce Gracie ganhou o cinturão —, Anderson participou de suas primeiras lutas oficiais. Ainda tentando se provar diante de um cenário emergente de lutas marciais mistas no Brasil e no mundo, Anderson buscava seu espaço nas disputas nacionais. Foi quando ganhou o seu primeiro cinturão de Fabrício Camões, o Brazilian Freestyle Circuit 1 (BFC1 ).
Nessa época, ele estava em sua primeira equipe responsável por aprimorar o “sentido-aranha”, a academia curitibana Chute Boxe. A cidade é conhecida como a Tailândia brasileira pela quantidade de especialistas em kickboxing, um dos muitos pontos fortes de Anderson Silva.
Foi na Academia Chute Boxe também onde Anderson desenvolveu mais um de seus diferenciais fundamentais para um artista marcial: a mente. Segundo Marcelo Alonso, apresentador do Canal Combate e sócio e editor do PVT, “a equipe trabalha a cabeça do lutador como nenhuma outra” e Anderson Silva foi criado dentro dela. Também treinaram na academia curitibana artistas marciais como Wanderlei Silva, Maurício Shogun e Cris Cyborg.
No começo dos anos 2000, Anderson já disputava o Pride e o Shooto, torneios de MMA japoneses com regras similares ao UFC. Mas ele ainda não estava completo como artista marcial. “É um cara que entendeu que, quando ele chegou no MMA, ele era já um gênio do muay thai, mas o MMA era muito mais que isso”, comenta Marcelo. É aí que se revela um outro diferencial do Spider: a capacidade de entendimento do esporte. Anderson Silva se empenhou em melhorar seu ponto fraco.
Pride, Shooto e UFC
Em 2003, a Arte Marcial Mista já começava a ganhar popularidade no Brasil. Em matéria do Fantástico, Glória Maria foi até o Japão cobrir o Pride Final Conflict, na edição que foi conhecida como a noite de gala do MMA brasileiro. Minotauro e Wanderlei ganharam o cinturão com um estádio lotado e pulsante.
Nesse mesmo ano, Anderson Silva entrou para a sua próxima equipe, a Brazilian Top Team ( BTT). “Ao invés dele pensar: ‘não gosto de treinar chão, não dou pra isso não’, ele falou: ‘cara, eu tenho que melhorar onde eu sou fraco, na defesa de quedas, na luta de solo’ e foi isso que ele fez”, descreve Marcelo. O comentarista ainda complementa: “Aí foi coincidentemente na época que ele encontra a melhor equipe de chão que é a BTT. Passou a treinar na BTT, a evoluir no chão. E aí, meu amigo, ele se transforma num gênio de lutador”.
Foi nesse momento em que ele começou a chamar atenção do UFC, a elite do MMA mundial. Em abril de 2006, a organização assinou com Anderson, que lutou pela primeira vez em junho desse ano contra Chris Leben. Ganhou por nocaute em 49 segundos de luta. Seu próximo adversário foi desqualificado por não conseguir ficar no limite de peso da categoria.
Para determinar o próximo adversário de Anderson, uma enquete online foi feita e o confronto seria com o então campeão peso-médio do UFC, Rich Franklin. O americano, que também era professor de matemática, entrou com cautela na luta por já ter assistido Anderson lutar no Shooto. Mas o grande favorito era Rich, tanto nas casas de apostas quanto na mídia especializada.
Em 14 de outubro de 2006, Anderson e Rich subiram no octógono. O Spider levou o cinturão após uma joelhada que quebrou o nariz do adversário. E é nesse momento que Anderson começa a provar porque ele pode ser considerado um dos maiores lutadores de todos os tempos.
A partir do momento em que segurou o cinturão pela primeira vez, ele passava a sensação de que não iria largar nunca. Nocautes consecutivos, com alta precisão de golpes, o Spider passou sete anos sem conhecer derrota. O brasileiro é ainda hoje o lutador do UFC com mais vitórias consecutivas e defesas de título.
Ele derrotou Rich Franklin mais uma vez — de novo com o nariz quebrado. Conseguia provocar adversários e desviar de seus socos num único movimento. A plasticidade de sua luta combinada com a eficiência em que conseguiu furar bolhas onde a arte marcial não era bem vinda. Enfrentou Vitor Belfort, quando acertou um chute com a palma do pé no rosto do compatriota.
Em sua primeira luta contra o americano Chael Sonnen em 2010, o brasileiro sofreu muito em seis rounds. No entanto, a força mental que adquiriu na época da Academia Chute Boxe foi diferencial e ele conseguiu aplicar uma finalização no chão —legado também da BTT —, conquistando sua 11ª defesa de cinturão consecutiva.
O estadunidense não ficou satisfeito. Sentiu que poderia ter ganho e começou a promover uma revanche. Fez uma série de ofensas e provocações que chegaram na xenofobia e machismo, onde chegou a afirmar que “daria um tapa na bunda” da mulher de Silva e a mandaria fritar um bife. No octógono, perdeu de novo.
Uma nova era para o Anderson e para o UFC
Depois de 14 defesas de cinturão, Chris Weidman derrotou Anderson Silva. A estratégia de baixar a guarda para desviar e contra atacar deu errado e Anderson foi nocauteado pelo americano nove anos mais jovem.
Com a nova geração, vieram mudanças na geografia do MMA. Hoje é um esporte mundial. “Todo mundo aprendeu tudo, você tem um russo hoje bom de jiu-jitsu, um brasileiro bom de muay thai, bom de boxe”, aponta Marcelo.
Os eventos de MMA ocorrem em cinco continentes e nenhum país tem hegemonia, o que “faz do MMA um esporte cada vez mais democrático”, ressalta o comentarista. Anderson fez oito lutas após perder o cinturão. Sofreu lesões, derrotas e uma acusação de doping, da qual foi inocentado em seguida.
O nigeriano Israel Adesanya, um dos últimos adversários de Anderson no UFC, disse que estava lutando com um de seus ídolos. Ele assistiu tantas lutas de Anderson Silva que sabia o próximo movimento do adversário. “Eu tentava atingir ele onde ele ia estar, não onde ele estava”, ressaltou o lutador em entrevista dada Ao final da luta, o Israel saiu vitorioso e se emocionou ao conversar com Anderson no final. A luta ficou conhecida como a “passagem de bastão”.
Afinal, o brasileiro não tinha mais nada a provar. Após um reinado de sete anos com o cinturão, Anderson poderia finalmente se aposentar e descansar. Mas o que faz de Anderson um dos maiores artistas marciais de todos os tempos é não descansar.
“Você vê agora, depois de parado, 46 anos, o cara lutou boxe com um campeão mundial [Tito Ortiz]. Ele não se colocou na zona de conforto e foi lutar com youtuber. Não, ele foi pegar um campeão mundial de boxe e bateu no cara na área dele”, Marcelo argumenta que essa é uma das razões para considerar Anderson Silva o maior lutador de MMA de todos os tempos.
A necessidade de se provar o levou a três categorias de pesagens diferentes, a participar de uma luta logo após fazer uma cirurgia de apêndice e agora o leva a disputar lutas de boxe. Segundo Marcelo e Dana White, presidente do UFC: “Depois dessa vitória no boxe, ele entra no hall dos maiores artistas marciais de todos os tempos”.