Esporte Clube Água Santa: da várzea à glória
O Esporte Clube Água Santa foi fundado em 1981 de forma extraoficial. Composto especialmente por migrantes de todo o Brasil, o time de Diadema atuou na várzea, passou por campeonatos amadores e se profissionalizou apenas em 2011. Numa ascensão meteórica, o Netuno conseguiu três acessos consecutivos e estreou na elite estadual em 2016. Naquela temporada, apesar do rebaixamento, a equipe entrou no mapa imaginário do futebol quando goleou o Palmeiras por 4 a 1. Depois disso, o clube oscilou entre a Série A2 e a Série A1 do Campeonato Paulista, onde permanece desde 2022. Neste ano, o Água já garantiu a melhor colocação no Paulistão em toda sua história (segundo lugar, no mínimo) e as classificações inéditas para a disputa da Copa do Brasil e do Brasileirão Série D, em 2024.
Fase de grupos: ascensão meteórica
O início da campanha do Água no Paulista não foi fácil. Em um grupo com São Paulo, Mirassol e Guarani, o Netuno fez apenas dois pontos dos primeiros 12 que disputou. Após o término das primeiras quatro rodadas, o time era o lanterna de seu grupo e da classificação geral. Isso acendeu o alerta para a possibilidade de rebaixamento. Apesar dessa situação, os dois últimos resultados tinham sido de empate contra o São Bento — equipe que fez belo início de competição — e contra o Santos.
A partir dali, o time comandado por Thiago Carpini evoluiu muito: foram sete vitórias em oito jogos, sendo a única derrota para o líder geral Palmeiras, por 1 a 0. O treinador de 38 anos, com passagens por diferentes clubes do interior paulista, promoveu algumas mudanças na equipe, como a entrada do zagueiro Didi no lugar de Marcondes, e o elenco foi ganhando confiança. Ao final da fase de grupos, o Água Santa era vice-colocado do Grupo B, empatado em pontos com o São Paulo e tendo garantido a classificação com dois jogos a serem disputados. Na classificação geral, o então lanterna teve a quarta melhor campanha. Segundo o regulamento do Campeonato Paulista Série A1 de 2023, ao término da primeira fase do torneio, classificam-se os dois melhores times de cada um dos quatro grupos e são rebaixados os dois piores da classificação geral. Isso permitiu, por exemplo, que o Ituano se classificasse para as quartas de final mesmo tendo 12 pontos — menos do que Santo André (14), Guarani (14), Santos (14) e Mirassol (15), que foram eliminados. Ferroviária (9) e São Bento (10), que estavam no mesmo grupo de Corinthians e Ituano, foram rebaixados à Série A2, que teve Ponte Preta e Novorizontino — rebaixados em 2022 — finalistas e garantidos na primeira divisão do ano que vem.
Quartas de final: derrubando um gigante
O duelo entre São Paulo e Água Santa teve mando do tricolor pelo fator saldo de gols (13 a 4), mas não pôde ser realizado no Estádio do Morumbi devido à realização dos shows da banda britânica Coldplay na casa são-paulina. Por isso, foi feito um acordo com o Palmeiras para que o jogo das quartas de final fosse realizado no Allianz Parque, casa do alviverde. E assim foi: mais de 39 mil pessoas estiveram presentes no bairro da Pompéia para acompanhar a partida. E é claro que a Jornalismo Júnior também estava presente!
O primeiro tempo foi de de pressão são-paulina. A torcida mandante gritou mais alto, viu sua equipe perder Galoppo e Wellington Rato por lesão, mas saiu otimista: foram 10 finalizações contra duas e mais de 60% de posse de bola. No segundo tempo, porém, quando a equipe do Arquibancada e grande parte da Aquáticos, como é conhecida a torcida do Água Santa, conseguiu entrar no estádio, a situação melhorou para os visitantes.
Parecia uma cena de filme: nos primeiros momentos do segundo tempo, cerca de quatro mil torcedores vestidos de azul e branco entraram no setor visitante cantando, a plenos pulmões, pelo time do ABC. O estádio, que tinha quase 10 vezes mais são paulinos, praticamente parou no tempo, fazendo os torcedores do gigante da capital se impressionarem com a força da minoria. A partir daquele instante, o jogo mudou e, apesar do esforço são-paulino, a partida foi para as penalidades. A glória azul e branca veio na marca fatal. Alisson perdeu um pênalti para o tricolor, enquanto Gabriel Inocêncio parou em Ygor Vinha. Mas foi depois da cobrança desperdiçada por Jhegson Méndez (com defesa de Ygor Vinhas) que os torcedores de Diadema mostraram ao mundo o que é o amor pelo futebol. O Água Santa estava nas semis! O Allianz Parque logo se tornou uma extensão da Arena Inamar, no ápice da história do jovem clube do ABC. Mal sabiam eles que um momento ainda maior estava por vir na semana seguinte.
Banho de Água fria. A torcida do São Paulo lotou o Allianz Parque, mas era dia de Davi bater Golias. Deu Água Santa nos pênaltis! [Foto: Reprodução/Twitter @rnato_rodrigues]
Semifinal: não poderia ter sido mais emocionante. E assim tinha que ser!
Passada a classificação contra o São Paulo, o que viesse seria lucro. O Água Santa teve como adversário o Red Bull Bragantino, que eliminara o Botafogo-SP na fase anterior ao vencer por 2 a 0 em casa depois de terminar na liderança do Grupo A. O mando de campo, desta vez, era do Água. A equipe de Diadema não poderia, no entanto, disputar esse jogo no Distrital do Inamar, pois o estádio não possui uma torre de iluminação que permita a realização de partidas à noite. Além disso, o Bragantino vinha de uma viagem longa após a eliminação para o Ypiranga, equipe de Erechim-RS, e teria pouco tempo para treinar caso o jogo ocorresse no sábado. Ficou decidido, portanto, que o duelo valendo vaga na final contra o Palmeiras (que venceu o Ituano no domingo, 19, por 1 a 0), aconteceria na Vila Belmiro, em Santos — o clube diademense só arcaria com os custos operacionais, sem a necessidade de alugar o estádio santista.
As imediações da vila mais famosa do Brasil estavam todas decoradas em azul e branco, fazendo com que o torcedor aquático se sentisse mais em casa do que nunca. Assim como no jogo das quartas de final, porém, os ônibus das torcidas organizadas do Água Santa, que compõem as “caravanas”, ficaram impedidos de circular nas rodovias por um tempo. Esse fato atrasou a chegada de grande parte dos torcedores (eram 39 veículos), que tiveram que entrar com o jogo já em andamento — a viagem de Diadema a Santos dura cerca de uma hora e o trajeto é feito por meio da rodovia dos Imigrantes.
Vila Belmiro ou Inamar? Até mesmo os comerciantes de alimentos habituados a vender os famosos sanduíches de pernil na porta do Inamar se alocaram nos bares ao redor do estádio. [Foto: Arquivo Pessoal/Ricardo Thomé]
Primeiro tempo: tensão desde o início
Com a bola rolando e a torcida do Água Santa correndo para acessar as arquibancadas da Vila Belmiro, o Bragantino saiu na frente. E não foi difícil de perceber: a equipe da Jornalismo Júnior estava sendo revistada pela Polícia Militar — procedimento comum em grandes eventos — quando os gritos de apoio azuis e brancos cessaram e deram lugar a xingamentos, antes que a torcida voltasse a pulsar. Checamos o placar: “Gol de Alerrandro aos 9’. Água Santa 0, Bragantino 1”. O Bragantino, time de primeira divisão, era favorito. A equipe de Diadema precisava, mais do que nunca, de sua torcida. E assim foi: com o passar da primeira etapa, o Água Santa passou a ter mais o controle do jogo, sofrendo menos ataques de perigo rival. O time comandado por Thiago Carpini tinha dificuldades em incomodar o goleiro Cleiton, porém. A expectativa era que o segundo tempo pudesse trazer os mesmos ares do jogo contra o São Paulo, e o torcedor pedia que o Água conseguisse ao menos o empate.
Segundo tempo: bola Santa!
Com a troca de lados no retorno das equipes para o gramado, a torcida azul e branca começou a pressionar Cleiton, capitão da equipe de Bragança Paulista, que tem um histórico de erros graves recentes. Após o apito de Raphael Claus para o reinício do jogo, bastaram seis minutos de jogo para que o Água conseguisse o empate. Após recuo feito para Cleiton, o camisa 1 driblou Bruno Mezenga na pequena área e adiantou a bola, mas acabou não vendo a aproximação de Lucas Tocantins, que tomou a bola para si e jogou para as redes. Tudo igual na decisão!
De bandeja. O goleiro Cleiton (à direita) teve uma noite difícil na Vila Belmiro, em Santos. [Foto: Reprodução/YouTube Paulistão]
O mau início de segundo tempo fez com que Pedro Caixinha, português e técnico do Bragantino, fizesse alterações na equipe. Eric Ramires, Bruninho e Alerrandro foram substituídos por Bruno Praxedes, Sorriso e Borbas. Já na primeira etapa, Gustavinho, lesionado, saira para a entrada de Jadsom. Carpini respondeu, refrescando a equipe com as entradas de Todinho e Marcondes nos lugares de Igor Henrique e Thiaguinho. Marcondes, zagueiro, visava a reforçar o sistema defensivo.
O jogo era equilibrado, até que, em uma bola de pouco perigo no meio do campo, Rodrigo Sam, capitão do Água Santa e que fazia ótima partida até então, e Artur, camisa 10 do Bragantino, se desentenderam após uma falta dura do jogador do time da casa. O camisa quatro acabou fazendo um movimento de cabeçada em direção ao atacante rival e foi expulso. O Netuno estava sem seu capitão, com um a menos e jogando contra uma equipe melhor tecnicamente, e o Bragantino não perderia a oportunidade de atacar.
Cabeça quente. Rodrigo Sam (destaque, à direita) até tentou reclamar, mas foi expulso pela cabeçada em Artur, hoje contratado pelo Palmeiras. Ele pegou um gancho de quatro jogos de suspensão e está, por ora, fora da final da competição. [Foto: Reprodução/Twitter @goleada_info]
Quando tudo parecia conspirar contra o time de Diadema, porém, os deuses do futebol decidiram interceder. A torcida da equipe mandante gritava mais forte conforme os líderes das torcidas organizadas pediam para que cada um ali presente cantasse o mais alto que pudesse para compensar o jogador que a equipe perdera. Os aquáticos obedeceram e, como se isso não bastasse, aos 74’, Matheus Fernandes, que já havia recebido um cartão amarelo por uma falta cometida no primeiro tempo, parou um contra-ataque da equipe adversária. Raphael Claus não hesitou em apresentar o segundo cartão amarelo a ele e expulsá-lo de campo. A cerca de 15 minutos do fim, Água Santa e Bragantino tinham um gol no placar e 10 jogadores em campo. Durante o restante do jogo, que teve mais de oito minutos de acréscimos em virtude de todas as pausas envolvendo confusões e expulsões, o Bragantino teve mais a bola, mas não conseguia mais ameaçar o gol de Ygor Vinhas — atrás de onde estava a torcida visitante. O Água Santa ainda conseguiu levar perigo em dois contra-ataques e teve boa oportunidade de falta, no final do jogo, principalmente a partir das escapadas de Ronald. Mas não houve tempo para mais gols: teríamos pênaltis no mata-mata do Paulistão, mais uma vez!
Os pênaltis: só para dar mais emoção
Psicologicamente, o Água Santa estava melhor. O Netuno, afinal, era franco-atirador e tinha passado por mais momentos de desvantagem durante o jogo. Nesse ambiente favorável, Bruno Mezenga foi o primeiro a bater. O camisa nove, artilheiro da equipe no Paulistão com cinco gols, estava nitidamente cansado, mas foi preservado para as cobranças. Ele parou, porém, no goleiro Cleiton. Para a sorte do Água, Juninho Capixaba isolou a primeira cobrança do Bragantino, o que manteve a sequência empatada. A seguir, o time de Diadema abriu o marcador com Luan Dias, outro que ficou até o fim no sacrifício. A Vila Belmiro veio a delírio na cobrança seguinte, quando Sorriso parou em Ygor Vinhas. 1 a 0 Água. Nas demais penalidades, Cristiano, Reginaldo e Todinho converteram para o Água Santa, enquanto Bruno Praxedes e Borbas fizeram para o Braga. Placar final, 4 a 2 para o Água Santa nas penalidades — classificado à final do Paulistão 2023!
O apito final: festa de Diadema em Santos!
Mesmo após o apito final de Raphael Claus, a torcida aquática não saía das arquibancadas. Aos gritos de “É, Diadema!” e “Time de Guerreiros”, torcedores, jogadores e membros da equipe técnica do Água Santa cantavam, pulavam e vibravam em uníssono. Talvez eles não tivessem noção, mas aquilo que viveram era, simplesmente, a maior noite da história do clube diademense em seus 42 anos de existência.
Depois da partida, o Arquibancada conversou com o torcedor Rafael, que estava junto à organizada do Netuno cantando ao longo da partida.
É inexplicável, é inacreditável! Nós sabemos nosso limite, pés no chão. Mas nós estamos flutuando, é um negócio surreal! Roemos o osso e hoje nós estamos no auge. Chegamos na final do Paulista! O caçula do Paulistão chegou à final do Paulistão, com todas as situações pelas quais tivemos que passar. Nunca foi fácil!
Rafael, torcedor do Água Santa
União. O sentimento de Rafael refletia em todos os sorrisos azuis e brancos, estendidos desde dentro do gramado da Vila Belmiro até os sofás das casas de Diadema. [Foto: Reprodução/Instagram @ecaguasanta]
Expectativas para a final
O Água Santa sabe que terá pela frente aquela que é, provavelmente, a mais bem preparada equipe do futebol brasileiro. O Palmeiras é o atual campeão paulista, disputou cinco das últimas seis finais e foi campeão em duas das últimas três edições do estadual. A arbitragem será feminina pela primeira vez em uma final de Paulistão — Edina Alves Batista, que esteve presente na Copa do Mundo do Catar, apitará o jogo da ida. A volta terá o comando de Raphael Claus, assim como em 2022.
Em vídeo postado na TV Palmeiras antes do primeiro jogo da final, que ocorre hoje (2), na Arena Barueri, com mando do Água Santa, o atacante Rony, do Verdão, ressaltou a necessidade de se ter respeito com o adversário, que fez grande campanha e mereceu estar onde está. “A vitória é conquistada dentro de campo”, disse o camisa 10. Do lado do Netuno, o treinador Thiago Carpini publicou um texto em suas redes sociais parabenizando a “família Água Santa” e todo o clube pela trajetória realizada até o momento. “Vamos para a final de forma leve em relação a tudo o que vivemos, muito mais do que sonhávamos nesta competição”, disse.
Decisivo. Ygor Vinhas foi o herói do Água Santa contra São Paulo e Bragantino, pegando dois pênaltis. A torcida do Netuno espera que ele repita as atuações nas finais, contra o Palmeiras. [Foto: Reprodução/Twitter @Paulistao]
A Jornalismo Júnior publicará, em breve, um vídeo em suas redes sociais no formato reels contando a experiência diretamente das arquibancadas nos jogos decisivos do Água Santa no Paulistão. Fique de olho!
Ficha técnica (Água Santa x Bragantino):
EC Água Santa (4-3-3): Ygor Vinhas; Reginaldo, Rodrigo Sam, Didi, Gabriel Inocêncio; Thiaguinho (Todinho, 59’), Luan Dias, Igor Henrique (Marcondes, 60’); Lucas Tocantins (Ronald, 79’), Bruno Mezenga e Bruno Xavier (Cristiano, 70’). T.: Thiago Carpini. [Arte: Ricardo Thomé]
Red Bull Bragantino (4-3-3): Cleiton; Andrés Hurtado, Lucas Cunha, Natan, Juninho Capixaba; Gustavinho (Jadsom, 39’), Matheus Fernandes, Eric Ramires (Bruno Praxedes, 58’); Artur, Alerrandro (Borbas, 59’) e Bruninho (Sorriso, 58’). T.: Pedro Caixinha. [Arte: Ricardo Thomé]
Gols: Lucas Tocantins (51’) – AGS / Alerrandro (Andrés Hurtado, 9’) – RBB
Cartões amarelos: Igor Henrique (16’), Thiaguinho (32’) e Patrick Brey (banco) – AGS / Matheus Fernandes (31’ e 74’), Lucas Cunha (48’), Artur (67’), e Bruno Praxedes (90’+8) – RBB
Cartões vermelhos: Rodrigo Sam (66’) – AGS / Matheus Fernandes (74’) – RBB
Pênaltis (4 a 2):
AGS: Bruno Mezenga (X), Luan Dias (O), Cristiano (O), Reginaldo (O) e Todinho (O)
RBB: Juninho Capixaba (X), Sorriso (X), Bruno Praxedes (O) e Thiago Borbas (O)
*Imagem de capa: Reprodução/Instagram @ecaguasanta