Por Vinícius Crevilari
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Das diversas áreas da arte que tornam um filme belo, o estudo das cores é um dos que mais tem contribuído para o avanço estético do cinema. Da primeira filmagem colorida ao mais moderno longa em 3D, os diretores e produtores tem dado uma importância significativa ao uso das cores, afim de otimizar e tornar mais verossímil a experiência do espectador com o que vê. Elencamos aqui as obras de diretores e produtores que fizeram ótimas experiências com a coloração, unindo esta aos outros elementos essenciais ao cinema – como a fotografia, o figurino e a narrativa – tornando tais obras imprescindíveis ao amante da sétima arte.
O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, 1939)
O Mágico de Oz conta a história de Dorothy (Judy Garland), uma menina que vive com seus tios em uma pequena fazenda no Kansas e, arrastada por um tornado, vai parar em Oz, uma cidade habitada por seres exóticos. A fim de retornar a seu lar, ela consegue ajuda de três dos habitantes que vivem ali: um espantalho, um homem-de-lata e um leão.
A obra entrou para a história do cinema por ser um das primeiras a utilizar a cor como artifício substancial na direção de arte. O início, em preto-e-branco, representa para Dorothy uma vida sem-graça, isolada e incompreendida. A utilização das cores e suas várias tonalidades – alegoria de um mundo de sonhos, magia e libertação – aparece tão repentinamente quanto a chegada da protagonista em Oz. Apesar da rudimentar aplicação, Victor Fleming ajudou a elevar em outro patamar o emprego da técnica da tonalidade na cinematografia, antes mero recurso visual.
Gritos e Sussurros (Viskningar och ro, 1972)
Numa entrevista, Ingmar Bergman disse que Gritos e Sussurros surgiu da vontade de falar sobre sua mãe e a forma como a relação com ela mudara com o tempo. Da paixão materna que sentia, durante sua infância, à raiva crescente, no período da puberdade, o diretor percebeu a necessidade de divagar, por meio de um filme, sobre esse relacionamento ambíguo. Para isso, lança mão de quatro personagens femininas, que “cercam” a imagem que tinha de sua mãe.
Como o diretor é conhecido por suas metáforas, em Gritos e Sussurros ele utiliza diversos elementos para expor sua ligação com a mãe: uma casa de campo num lugar melancólico, as dores e amores entre quatro mulheres, o silêncio e sons ininterruptos de ponteiros de relógios. Porém, é com o uso do vermelho, em oposição ao branco, que Bergman evidencia seus objetivos. Tudo é cercado por essas cores. Desde os móveis de um cômodo, passando pelo figurino das personagens, até a cor dos alimentos e bebidas. O resultado do emprego da mistura entre o rubro e o alvo traz o espectador para dentro do universo particular do cineasta.
Direito de Amar (A Single Man, 2009)
Tom Ford é um estilista conhecido por ter revitalizado, na década de 1990, a marca italiana Gucci e por sua polêmica visão sobre sexo e corpo. Em Direito de Amar, o designer envereda pelo mundo da sétima arte, usando seu know-how construído por anos de experiência na moda, para produzir um dos filmes mais belos do cinema moderno.
George (Colin Firth) é um professor universitário, que tenta lidar com a morte de seu companheiro, Jim (Matthew Good). Nessa difícil tarefa de enfrentar a perda de um amor e seguir a vida, reflete sobre o significado de uma existência sem sentido. Voltando-se para seu interior e para o seu silêncio, George percebe que o ato de se sentir vivo ocorre nos pequenos momentos do cotidiano.
Poderia ser apenas um filme com um roteiro existencial, mas Tom Ford vai além. O diretor explora as cores durante todo o video, brincando com o contraste, a saturação e a luminosidade, afim de mostrar ao espectador os sentimentos do protagonista. Em várias cenas, as cores dos lábios, das peles, das roupas e dos cabelos das personagens mudam de um tom opaco para um tom vivo. Tudo de uma maneira sutil. Impossível não mencionar a bela fotografia, em junção aos experimentos colorimétricos que realiza na película.
Sonhos (Yume, 1990)
Co-produção japonesa e estadunidense, Sonhos, de Akira Kurosawa, é um filme que expressa poeticamente os sonhos que o diretor tivera em diversas ocasiões da sua vida. Trata-se de uma obra sem linearidade no enredo, já que é constituída por oito histórias distintas.
Nestas histórias, Kurosawa trabalha com diversos temas da natureza e como o homem se relaciona com ela, sendo perceptível sua posição quanto ao insucesso humano nessa relação. A maneira como a destruição da natureza – através das mãos do homem – é tratada, mostra um lado pessimista de um diretor que sempre fora conhecido por um relativo otimismo.
Perfeccionista, Kurosawa labuta com minúcia cada detalhe em cada cena e esse detalhismo se reflete no seu trabalho com a cor, tornando esta um fator essencial no caráter expressivo e sensorial da obra. É através da cor que o diretor tematiza seus devaneios: o cinza representando um mundo pós-apocalíptico, o vermelho atuando numa cena de explosão do Monte Fuji ou o branco alegorizando a morte em um deserto de neve.
Destaca-se entre os contos, O Corvo, onde o alter-ego do diretor é transportado para o quadro de Vincent Van Gogh, Campo de Trigo com Corvos. Dentro do campo, conversa com o pintor (interpretado por Martin Scorsese) e faz uma viagem pelas obras do artista impressionista. É admirável a capacidade de Akira Kurosawa, nesta cena, em reproduzir fielmente o ambiente e a coloração da pintura em questão.