O esporte pode ser um mecanismo de projeção social e cultural em um ambiente adverso. Para Diogo André Silvestre da Silva, o taekwondo abriu portas, deu voz para apontar discriminações e abriu espaço para tornar o meio esportivo um local mais inclusivo.
O atleta é uma grande força dentro das artes marciais e do esporte brasileiro. Diogo conta com um título mundial nos jogos militares de 2011, a conquista do primeiro ouro do taekwondo brasileiro no Pan Americano do Rio de Janeiro de 2007, de quatro World Games e do quarto lugar nas Olimpíadas de Atenas 2004.
É por meio dele, e das lutas livres como MMA (Mixed Martial Arts), a principal modalidade desenvolvida na liga de luta UFC (Ultimate Fighting Championship), que a arte marcial sul-coreana, antes pouco conhecida e difundida no Brasil, ganha destaque e projeção nacional na popularidade das lutas como um todo.
Com o taekwondo, ele recebeu seu primeiro salário, conheceu novas realidades, obteve contato com outras regiões do Brasil, viajou por todos os continentes e, por fim, conquistou o mundo. O atleta figura como um expoente na procura pela democratização do acesso ao esporte.
É por meio de projetos como o Atletas pelo Brasil, seu blog no UOL e pela música, que Diogo encontrou os mecanismos necessários para a denúncia de inconsistências, indo desde manifestações grandiosas, até a politização do ambiente esportivo e a necessidade da luta antirracista. O campeão do Pan Americano do Rio de Janeiro é, atualmente, membro do Comitê Olímpico Brasileiro, comentarista esportivo, colunista do UOL e vocalista da banda de rap Senzala-Hi Tech.
O lutador
Foi em São Sebastião, no Tebar Praia Clube, que o atleta iniciou seus treinamentos aos sete anos. Impressionado pelos filmes de luta, como “O Grande Dragão Branco” de Jean-Claude Van Damme, Diogo logo apresentou apreço e aptidão pelo taekwondo, esporte que inclui chutes e golpes no ar.
Nesse ambiente, formou-se faixa preta com apenas 14 anos e chegou ao esporte de alto rendimento, o que, para ele foram “vinte anos numa escada”, que vai desde as categorias de base até a classificação para as Olimpíadas. A trajetória do atleta contou o apoio dos mestres Tilico (José Palermo Junior) de Campinas, e Frederico Mitooka na Universíade, o maior evento esportivo universitário do mundo.
O taekwondista possui 32 anos de prática e 20 como atleta profissional, cresceu na periferia, estudou em escola pública e chegou à faculdade de educação física por intermédio do esporte.
Diogo não diminuiu o ritmo com os desencontros no horário entre os estudos e os treinamentos. Nessa época, ele competiu e foi ouro na Universíade, de 2009, em Belgrado, na Sérvia.
Quando perguntado sobre os confrontos que marcaram a sua vida, o atleta diz que a luta mais marcante da carreira foi contra o ídolo Hadi Sadi Bonehkohal, por esse ter sido o fenômeno mundial na época, pelas classificatórias para os Jogos Olímpicos. Para ele, o período entre 2003 e 2004 foi a “realização de um sonho”, em função da sua primeira participação em uma Olimpíada.
O atleta alcançou o patamar final da “escada” no encerramento da carreira esportiva de alto rendimento em 2016. A partir daí, apareceram outras oportunidades de trabalho no universo das artes marciais.
Ele realizou palestras, comentou competições de taekwondo pelo ESPN e no SporTV, como anteriormente nas Olimpíadas de Pequim e nos Jogos Militares, passou a ser membro do Comitê Olímpico e a integrar plataformas de políticas para o desporto brasileiro. Fora isso, ressalta-se o trabalho musical e a coluna no UOL que possuem viés sociopolítico no âmbito da realidade brasileira e do esporte.
Um desempenho de poucos, feitio de Diogo
O taekwondo, em sua essência, apresenta chutes giratórios e no ar que, no combate, são intercalados na altura da cabeça e do abdômen. Exatamente por ser um esporte bastante dinâmico, a agilidade é um fator essencial na composição dos golpes e nisso, Diogo Silva se saía extremamente bem.
O atleta apresentava como uma das suas características no tatame a união entre a velocidade e a precisão dos chutes, fazendo com que ele optasse por pontuar nos contra-ataques: “Minha especialidade era surpreender os adversários. Os chutes giratórios eram o que eu mais gostava de fazer”.
Com essas características, Diogo se confirmou como uma das principais apostas do Brasil na categoria meio leve, a qual corresponde aos atletas que possuem mais de 58kg e menos de 68kg na divisão da WT (World Taekwondo) utilizada nos Jogos Olímpicos. Seu favoritismo foi confirmado nos campeonatos regionais em que ele defendeu a cidade de Campinas, assim como nos campeonatos brasileiros, sul-americanos e mundiais.
O atleta teve que passar por todo trâmite do taekwondo brasileiro no início de sua carreira. Isso envolve competir grande parte dos campeonatos regionais e estaduais para, posteriormente, classificar para o Grand Slam e o Campeonato Brasileiro de Taekwondo para sagrar-se como atleta da seleção brasileira.
Aos 16 anos, conquistou o terceiro lugar no mundial júnior de Taekwondo, ocorrido na Turquia em 1998. O talento de Diogo fez com que seu nome rapidamente aparecesse entre os melhores classificados no Brasil e no mundo.
Após a conquista, a carreira do atleta começou uma crescente. Ele venceu os jogos Sul-americanos do Rio de Janeiro em 2002 e de Buenos Aires em 2006, foi ouro nos Jogos Universitários em Belgrado e nos Jogos Mundiais Militares do Rio de Janeiro em 2011. O destaque fica com o primeiro ouro do Brasil nos Jogos Pan-Americanos, também realizados na cidade maravilhosa, feito que marca a carreira de Diogo no esporte brasileiro.
A personalidade olímpica
Apenas quatro anos após o Taekwondo se tornar uma modalidade olímpica nos Jogos Olímpicos de Sidney em 2000, Diogo Silva representava o Brasil na categoria de até 68 kg ou médio-leve pela divisão olímpica. Na ocasião, o taekwondista teve desempenho inédito nas campanhas brasileiras, com o quarto lugar em Atenas.
A primeira luta da competição em 2004 foi contra o venezuelano Luis Alberto Garcia, vencida por 6 a 5. O segundo confronto foi pelas quartas de final e resultou na vitória do iraniano Hadi Bonehkohal por 8 a 6, o que fez com que Diogo pisasse no tatame pela repescagem e pelo terceiro lugar.
O atleta teve que passar por três fases, venceu as duas primeiras e foi derrotado pelo atleta da Coreia do Sul, Myeong Song, por 12 a 7. Esse resultado deixou o Brasil fora do pódio olímpico, porém é de uma expressividade inédita e é considerada uma das melhores campanhas do país no Taekwondo masculino em uma Olimpíada.
Em 2012, o taekwondista retornou aos Jogos Olímpicos em Londres, com o desafio de enfrentar o vice-campeão mundial Mohammad Bagheri Motamed. O confronto acabou resultando na vitória do oponente iraniano e na posterior disputa pelo terceiro lugar, em que ele foi derrotado nos segundos finais pelo atleta Terrence Jennings, dos Estados Unidos.
Com o desempenho um pouco abaixo do anterior, o brasileiro ocupou o quinto lugar e manteve um dos desempenhos mais expressivos do Brasil na categoria meio-leve.
A luta para além dos tatames
Os primeiros jogos olímpicos transmitidos via internet ocorreram em 2004. O evento, contando com mais de dez mil competidores, teve a abertura oficial no dia 13 de agosto de 2004 e, para Diogo, foi o cenário perfeito para a manifestação de pautas sociais.
No ambiente monumental de uma Olimpíada, no centro dos holofotes, o atleta entrou na luta pela disputa do terceiro lugar contra o sul-coreano Myeong Seob Song com a luva dos Black Panthers. O protesto foi realizado em sinal de protesto pelo descaso enfrentado pelos atletas brasileiros e a falta de amparo de entidades governamentais e empresariais em relação ao esporte.
Suas manifestações sociais não se resumem a esse feito. Diogo já apontou discriminações raciais, a questão da periferia e da falta de acesso a recursos básicos para os atletas. Para que esse último ocorresse, tanto o atleta quanto o técnico da seleção brasileira Marcelo Yamashita defendem a necessidade de “boas governanças e de uma melhoria na administração.”
O taekwondo brasileiro apresenta falhas no setor administrativo, contando com denúncias de corrupção que impactaram principalmente os atletas na época.
A luta antirracista está presente na coluna no UOL, em que Diogo trata do assunto não só no âmbito das artes marciais, como no esporte em geral. O espaço cedido ao taekwondista o coloca como um atleta expoente na defesa dessa pauta.
Para ele, a ressignificação de termos pejorativos, a valorização da cultura negra e as denúncias da violência racial no país são de vital importância para o reconhecimento de que o Brasil possui o racismo em sua estrutura social e que isso faz vítimas, para, ao final, extinguir-se o ódio.
Além disso, o movimento “Black Lives Matter” e a falta de visibilidade impulsionaram as críticas do atleta sobre a ausência de reconhecimento de organizações como o Atletas pelo Brasil. Diogo diz que as ações desses grupos “não são tão aparentes”, mas que lutam contra o racismo sistêmico “sem a visualização das redes sociais”.
A música política desenvolvida pelo Senzala Hi-Tech é utilizada como uma forma de luta social. Além de Diogo, o grupo conta com os músicos Mc Sombra, Minari Groovebox e Junião. A união de afrobrasilidades e do multiculturalismo brasileiro resultou no rap consciente que aborda a situação política do país, descriminação racial e a periferia.