“Aqui todo mundo é periferia! Vamo deixar isso aqui com a nossa cara”, assim saudava Rose Dorea, a musa da Cooperifa, no início do Sarau da Cooperifa, na Ladeira da Memória, as 21h00 do Sábado. A Cooperifa foi fundada pelo poeta Sergio Vaz em Taboão da Serra, Zona Sul de São Paulo, com o objetivo de trazer revolta, dor, rap, amor, em suma: poesia da periferia para a periferia. Na Virada, o Sarau contou com diversos poetas veteranos da organização, com convidados especiais vindos de Brasília e até com jovens talentos.
O clima era de intimidade, os poetas se sentiam em casa para descer do palco, apertar as mãos do público e cantar diretamente para alguns celulares que filmavam. Mas, mais que isso, o clima era de emoção. Aqueles que assistiam só irrompiam o silêncio para aplaudir (e muito) ou para cantar junto e colocar as mãos no ar. E valia tudo: só declamar, com a voz tímida e os pés longe da borda do palco, como o mascote da Cooperifa, um menino de menos de dez anos. Ou então, colocar uma batida de fundo e fazer um rap forte. Ou apenas parar no meio do palco, os olhos no público e declarar o poema já decorado, como fez a Rose. E também ler em voz alta um poema escrito num caderninho, de sua autoria ou de outro grande poeta.
As palavras fortes entoadas pelos poetas causavam arrepios. Algumas frases soavam como gritos de guerra emocionados e verdadeiros: “Marcha! Periferia! Favela é nóis, cabeça erguida!”. Para aqueles que não conhecem a realidade de viver na periferia, impossível não se sentir de fora. Cada palavra de cada letra era um belo tapa na cara da elite, do sistema e do governo. Com certeza o mais criticado, um artista até declarou: “não sou terrorista, mas se eu tivesse uma bomba ia explodir o congresso”. E para os que são de “qualquer quebrada”, pois como já dizia Mano Brown: “periferia é periferia em qualquer lugar”, não tinha como não cantar junto à revolta.
“Então a gente tem que tomar muito cuidado quando se fala da periferia, entendeu. Porque assim, ser da periferia não é fácil. Não é fácil você ter que acordar todo dia de manhã, ter que pegar um ônibus lotado. Não é fácil. Não é fácil você não ter o que vestir, não ter o que comer. Então, existe um orgulho pelo amor mesmo, pela junção das pessoas, pelas amizades”. As palavras de Rose Dorea, no documentário “Povo Lindo!Povo Inteligente” sobre os saraus da Cooperifa, também valeram para o Sarau na Virada. Não só eram evidentes o companheirismo e carinho entre os poetas, como também o sentimento de união e identificação. “Qualquer periferia, qualquer quebrada, é um pedaço d’África”, cantou o MC Gaspar.
Assim como não podia deixar de ser, os temas mais recorrentes nos poemas e canções eram a vida na periferia, a postura de luta, a opressão, o racismo, o desleixo do governo, o fato de ser eternamente os 3p’s do Brasil: “preto, pobre, puta” – em que eu acrescentaria “periférico”. Mas, o mais marcante, sem dúvida, foi o talento desses poetas ao transformar tudo isso em críticas inteligentes ao governo, em versos de amor e luta, em gritos por união e revolta, em pura poesia. Só quem estava lá pode sentir na pele a emoção de fazer parte de um momento tão bonito. E tendo em vista tudo que está acontecendo no nosso país desde junho do ano passado até todos os absurdos que a Copa já causou e ainda promete, os poetas da Cooperifa são uma voz lúcida importante. A conclusão eu deixo para um dos poetas: “o mundo tá louco. Não espalha. O mundo tá louco. Não, espalha, não.
Por Isabel Lima
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