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Resgate de um palco esquecido

Não sei como a ideia da Virada Cultural paulistana foi concebida, lá pelos idos de 2005, mas tomo a licença poética de imaginar que algum indivíduo, ligado ao poder municipal, andava pelo centro de São Paulo e observava suas largas e históricas calçadas, de onde se ergue uma multiplicidade de belas obras arquitetônicas, quando se …

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Não sei como a ideia da Virada Cultural paulistana foi concebida, lá pelos idos de 2005, mas tomo a licença poética de imaginar que algum indivíduo, ligado ao poder municipal, andava pelo centro de São Paulo e observava suas largas e históricas calçadas, de onde se ergue uma multiplicidade de belas obras arquitetônicas, quando se deu conta do sub-aproveitamento de toda aquela região.

Já havia tempo, afinal, que a miséria (inerente a toda grande cidade) havia ocupado as imediações de onde nascera a metrópole e confundido monumentos como a Catedral da Sé, a Estação da Luz e o Theatro Municipal com sua tristeza imaterial, fazendo a população mais afortunada se enveredar por bairros mais escondidos da enorme cidade, onde a pobreza teria mais trabalho para chegar.

Restou ao centro, portanto, abrigar marginalizados como imigrantes, homossexuais, sem-tetos, viciados, prostitutas e outras minorias, vivendo em condições alheias às do resto da população. Conveio dizer que estava em curso a “degradação urbana” da região, cuja efervescência socioeconômica e riqueza cultural histórica foram fatores incontestáveis para a atração dos contingentes mais exóticos até ela.

Tudo isso para dizer que, com a Virada e suas 24 horas ininterruptas de programação, o centro de São Paulo deixou de ser cartão-postal (para bem ou para mal) e voltou a abrir as portas para toda a população, de Parelheiros ao Tremembé. Em nove anos de evento, as atrações ainda se intensificaram e espalharam para outros pontos da cidade, de unidades do Sesc aos CEUs (Centros Educacionais Unificados).

Mais do que isso, a Virada se tornou uma tradição quase incontornável para cada paulistano: seja para aquele que vara a noite buscando conferir o maior número possível de atrações, para o que a enxerga como uma mera oportunidade de encontrar amigos e encher a cara e até mesmo para os jovens da periferia que organizam os igualmente tradicionais arrastões.

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Palco principal da Virada, o centro de São Paulo esconde belezas por trás do abandono. Foto: Gabriel Douek/Jornada Fotográfica

Tendo recentemente me mudado para o Centro – que tem voltado a atrair moradores devido a um prestígio retomado com influência certa da Virada – eu sabia que a edição de 2014 seria, pelo menos para mim, atípica. Eu só tinha conferido a do ano passado in loco e, de repente, estava literalmente no centro da ação, com um palco erguido em frente ao meu prédio.

Diante da imensa programação, decidi que curtiria a Virada sem me ater a uma ou outra atração, buscando evitar o estresse. Sendo um evento gratuito, não sentiria aquela urgência tipíca dos salgados festivais de música, em que se busca maximizar o número de shows assistidos para compensar o investimento financeiro. Aqui, eu me dedicaria apenas à grande entidade incorpórea dos eventos culturais: a experiência.

A realidade, porém, foi outra. Atrasos, desencontros e decisões precipitadas fizeram com que eu terminasse o fim de semana com o saldo de 0,25 shows assistidos (isto é, o final da apresentação do Bixiga 70, na Barão de Limeira). Na primeira noite, ainda troquei os palcos pelas festas de coletivo que se desdobravam nas imediações da Luz, como a Metanol e a Voodoohop.

Serpenteando por ruas que se aconselha evitar durante a noite, lamentei pelas belezas esquecidas da região onde se concentrava o pólo cultural da Boca do Lixo. Nos terrenos baldios ocupados pelas festas, com música e projeções, observava-se a socialização pretendida pela Virada, com pessoas de diversas realidades sociais unidas em circunstâncias geográficas e artísticas geralmente impensadas.

Já no segundo dia, domingo ensolarado e quente, planejei conferir eventos na Sala São Paulo e no Minhocão (onde se dava a atração gastronômica dos “Chefs na Rua”), além de alguns shows nos palcos tradicionais. Novamente, porém, os planos foram caindo um a um. Na Sala SP, ingressos esgotados. No Minhocão, fila imensa para comida fria e sem graça (entretanto, esta é uma constatação individual. Li alguns elogios às barraquinhas).

Por fim, no caminho aos palcos, clamando por um ou dois shows que compensassem pela dezena de apresentações perdidas (Luiz Melodia, RZO, Cidadão Instigado tocando “Dark Side of the Moon”, Rómulo Fróes interpretando “Transa”, etc), começou a torrencial chuva que inundou a Zona Sul com granizo. A tempestade dispersou boa parte do público e cancelou quase todos os shows de encerramento – enquanto o de Valesca Popozuda, no Arouche, seguia com extrema adesão.

Já conformado com a “experiência” totalmente alheia às atrações, tentei uma última investida: a apresentação da excelente banda gaúcha Apanhador Só, na Líbero Badaró. Pela Internet, porém, descobri que aquele palco alagara e o grupo improvisava um show acústico sentado em cadeiras de plástico na própria calçada. Após uma caminhada frustrada rumo ao encerramento intimista, encontrando apenas uma confraternização entre banda e fãs, dei por encerrada minha Virada Cultural 2014.

Com programação tão extensa – o suficiente para encher uns seis finais de semana – é inevitável quebrar alguns ovos para desfrutar do evento. Após quebrar o equivalente a uma granja inteira, fiquei feliz pela mera oportunidade de caminhar por lugares desconhecidos e experimentar sensações únicas no cerne da maior cidade da América do Sul.

Se a Virada é, não menos que um grande festival, uma oportunidade de ligar os paulistanos à região central, sinto que cumpri 50% do pretendido. Para as próximas edições, fica a experiência e o desejo de aproveitar melhor esse momento único em que toda a diversidade paulistana se mescla e revela a verdadeira riqueza de uma bela região urbana.

Por Marcelo Grava
marcelo.grava@gmail.com

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