Por Diego Coppio (diegocoppio@usp.br)
A campanha da Austrália na Copa do Mundo em sua casa é histórica. Pela primeira vez, as Matildas avançaram à semifinal da competição após derrotar a França em um jogo com 36 finalizações, chutes defendidos em cima da linha e 20 cobranças de pênaltis — a maior sequência em uma Copa do Mundo, entre homens e mulheres.
Como chegaram às quartas de final?
Após terminar a fase de grupos em primeiro lugar, a Austrália venceu a Dinamarca nas oitavas de final por 2 a 0 — gols de Foord e Raso — no que foi o melhor jogo de sua campanha nesta Copa do Mundo. O técnico Gustavsson manteve a mesma escalação para o duelo das quartas de final.
A França também fez bonito nas oitavas: venceu as estreantes marroquinas por 4 a 0, após se classificar na liderança do grupo F, o mesmo grupo do Brasil. A escalação foi a mesma da partida contra o Marrocos, com exceção do retorno de Lakrar ao time titular no lugar de Perisset, com De Almeida sendo deslocada para a lateral direita.
Primeiro tempo francês
A seleção francesa ditou o ritmo do jogo no começo da partida. O time concentrou as ações ofensivas no lado esquerdo com Bacha e Karchaoui, esperando a Austrália subir as linhas de marcação para aproveitar os espaços deixados com passes verticais.
Logo aos 7’, as francesas levaram perigo com chute de Diani para fora, após falha de Kennedy. Cinco minutos depois, Lakrar recebeu a bola na pequena área após cobrança de escanteio. Desmarcada e com Arnold vendida no lance, a zagueira chutou por cima do gol, desperdiçando chance clara.
Do outro lado, a Austrália tinha dificuldades para criar. O time se movimentava pouco, o que dificultava a arrancada em contra-ataques. Quando recuperavam a bola, as defensoras trocavam passes sem objetividade entre si, abusando de ligações diretas para as atacantes, com pouca participação criativa de Gorry e Cooney-Cross.
Na segunda metade do primeiro tempo o jogo ficou truncado, com ambos os times errando nas tomadas de decisões. Apesar disso, a França seguiu tendo as melhores oportunidades. Aos 32’, a bola sobrou novamente nos pés de Lakrar depois de bate e rebate em escanteio, mas dessa vez a goleira fez boa defesa.
Aos 41’, a Austrália teve sua melhor chance no primeiro tempo. Raso tocou para Van Egmond na área pela direita. A goleira Magnin saiu para interceptar a bola, mas se chocou com Karchaoui na cobertura, deixando o gol desprotegido. Egmond tocou para Fowler, que finalizou sem goleira, mas De Almeida interceptou a bola em cima da linha, salvando o time francês.
O lance incendiou as anfitriãs, que levaram perigo cinco minutos depois com lançamento de Gorry para Fowler. Mas dessa vez Magnin saiu bem e dividiu com a atacante australiana.
Fowler (à direita) e De Almeida (à esquerda) protagonizaram duelos emocionantes na partida [Reprodução/Twitter: @7Sport]
Segundo tempo australiano
A Austrália voltou do intervalo com uma postura diferente daquela adotada na primeira etapa, com mais volume de jogo. Logo no primeiro lance, Fowler sofreu falta perto da área, mas Kennedy cobrou em cima da barreira. Aos 50’, Magnin errou na saída de bola e tocou para Fowler, que fez bela finta e chutou para o gol, mas foi novamente interceptada por De Almeida.
Aproveitando o bom momento do time, Gustavsson colocou Kerr no lugar de Van Egmond aos 55’. A troca quase deu frutos imediatos: em sua primeira participação, Kerr arrancou pela esquerda e tocou para Raso no meio, que chutou no ângulo para bela defesa de Magnin. Aos 59’, Fowler teve nova chance dentro da área, mas chutou forte em cima da goleira.
Aos 63’, o técnico Hervé Renard colocou Becho no lugar de Toletti para tentar recuperar o meio de campo. A partir daí, a França conseguiu controlar as ações e encaixotar a Austrália em seu campo. Além disso, a entrada de Kerr piorou a dinâmica de jogo australiano. O time que antes jogava de forma coletiva, passou a depender mais de bolas esticadas para a atacante, muitas vezes isolada nos contra ataques.
Prorrogação
A prorrogação começou pegada, com muitas faltas, entradas fortes e poucas chances claras. Aos 100’, Kennedy marcou gol contra após escanteio, mas o lance foi anulado devido a uma falta de Renard em Foord. A resposta veio cinco minutos depois, com chute de Vine para fora.
No segundo tempo, a Austrália abdicou do jogo e foi sufocada pela França. No primeiro minuto, Bacha avançou pela esquerda e tocou para Diani, que foi travada pela defesa australiana. Na sobra, Becho chutou no ângulo para a defesa de Arnold.
Aos 109’, Bacha arrancou novamente pela esquerda e tocou para a área. Diani recebeu, fez boa finta e chutou para o gol. Arnold defendeu, mas a bola ficou viva na pequena área até o corte providencial de Catley. A França se mostrava cada vez mais acesa no jogo, pressionando até o último lance da prorrogação, com chute de Le Sommer no contra-ataque, para mais uma defesa de Arnold
O treinador francês optou por uma manobra cada vez mais convencional antes do fim do jogo. Pensando nas cobranças de pênaltis, a goleira Durand entrou no lugar de Magnin, e Perisset no lugar de De Almeida.
Pênaltis
Depois de tomar conta da prorrogação, Bacha começou batendo para a França, mas Arnold defendeu. A Austrália converteu sua primeira batida com Foord, que chutou forte na esquerda. Durand acertou o canto, mas não chegou a tempo.
Diani cobrou em seguida e converteu, sem chances para Arnold. Catley, que marcou de pênalti o primeiro gol da Austrália na competição, chutou no mesmo canto da estreia e perdeu, com defesa de Durand.
Os dois times acertaram suas duas cobranças seguintes. Renard e Le Sommer converteram para a França, enquanto Fowler e Kerr fizeram pela Austrália. Na quinta cobrança, Perisset — que entrou exclusivamente para os pênaltis — acertou a trave após leve desvio de Arnold. Podendo encerrar a contagem e se consagrar, Arnold cobrou o quinto pênalti australiano, mas também acertou a trave.
Nas cobranças alternadas, Geyoro, Karchaoui e Lakrar fizeram pela França, enquanto Gorry, Yallop e Carpenter converteram para a Austrália. Na vez de Dali, Arnold defendeu. Após consulta no VAR, a árbitra mandou refazer a cobrança, pois a goleira se adiantou. Dali bateu no mesmo canto e Arnold defendeu novamente, deixando a Austrália a um gol da classificação histórica. Hunt foi para a cobrança e chutou forte no meio do gol, mas Durand fez bela defesa, fazendo valer a aposta do técnico.
Na décima cobrança, Becho desperdiçou e chutou na trave. Vine cobrou para a Austrália em seguida e acertou a meta, despachando as francesas e classificando as Matildas para a primeira semifinal de sua história.
Resumo e destaques
O jogo foi bastante movimentado e equilibrado. A França dominou o primeiro tempo, com nove finalizações contra três australianas. As principais características do time de Gustavsson — a pressão alta na marcação, o perde-pressiona e os contra-ataques rápidos — não apareceram nos primeiros 25 minutos. A Austrália cresceu antes do intervalo com Fowler, mas foi parada pela segurança da defesa adversária, principalmente com De Almeida, a melhor jogadora francesa segundo o portal Sofascore.
O domínio se inverteu na segunda etapa. A Austrália conseguiu criar mais que o dobro de oportunidades francesas (11 contra cinco), com Sam Kerr entrando para dar mais velocidade e objetividade ao time. Mas ao contrário do que se esperava, a Austrália passou a apresentar uma “Kerrdependência”, optando mais por ligações diretas para a atacante em detrimento do jogo coletivo que apresentou até aqui na Copa do Mundo.
A tensão e ansiedade tomou conta dos times na prorrogação. O jogo ficou mais truncado e os erros mais frequentes, mas seguiu tendo chances perigosas de gol, principalmente por parte da França.
Os destaques australianos foram a zagueira Hunt, a meia-atacante Mary Fowler — que criou seis tentativas de gol em 13 durante o tempo regulamentar — e a goleira Arnold, que além de defender dois pênaltis, foi fundamental para segurar o empate no placar. Mas o grande ponto positivo da Austrália foi a coletividade. Se Gustavsson conseguir manter esse estilo de jogo somando Kerr ao esquema, a Austrália poderá ter grandes ambições para o futuro.
Mackenzie Arnold se agigantou na disputa de pênaltis e levou o prêmio de melhor da partida [Reprodução/Twitter: @ojogodireto]
Do lado francês, prevaleceram os destaques individuais. De Almeida e Lakrar foram seguras na defesa e apoiaram no ataque de forma constante. A atacante Bacha foi o grande nome da prorrogação, juntamente com Becho, que trouxe a França de volta ao jogo assim que entrou. Faltou à França aproveitar as chances que teve: de 21 finalizações, apenas cinco acertaram o gol australiano.
Ficha técnica
Austrália (4-4-2): Arnold; Carpenter, Hunt, Kennedy, Catley; Gorry, Cooney-Cross (Yallop), Raso (Vine), Foord; Fowler, Van Egmond (Kerr). Técnico: Tony Gustavsson
[Reprodução/Twitter:@TheMatildas]
França (4-4-2): Peyraud-Magnin (Durand); De Almeida (Perisset), Lakrar, Renard, Karchaoui; Dali, Geyoro, Toletti (Becho), Bacha; Le Sommer, Diani. Técnico: Hervé Renard
[Reprodução/Twitter: @equipedefranceF]
Pênaltis (7 a 6):
Austrália: Foord (O), Catley (X), Kerr (O), Fowler (O), Arnold (X), Gorry (O), Yallop (O), Carpenter (O), Hunt (X), Vine (O)
França: Bacha (X), Diani (O), Renard (O), Le Sommer (O), Périsset (X), Geyoro (O), Karchaoui (O), Lakrar (O), Dali (X), Becho (X)
*Imagem de capa: [Reprodução/Twitter: @TheMatildas]