Por Maria Laura López e Tiago Medeiros
A Rússia, com seus 27 anos de existência, sempre chamou atenção política e geograficamente. Isso graças, dentre outras coisas, ao Estado, que, desde sua criação, foi governado por apenas dois presidentes e às suas dimensões continentais. Nem sempre bem visto internacionalmente, o país teve, neste ano, a oportunidade de acrescentar um capítulo diferente à sua história por meio do esporte.
Pela primeira vez sede da Copa do Mundo de Futebol e pela quarta vez participando do torneio, a Rússia e sua seleção ganharam um destaque nessa edição do campeonato mundial. O time russo chegou a participar das Copas de 1994, 2002 e 2014, no entanto, sempre foi eliminado na primeira fase. Em 2018, os jogadores não só chegaram às quartas de final, como também mostraram seu patriotismo no campo, deslumbrando a torcida russa.
Apesar dos resultados não convincentes na Copa das Confederações de 2017 (evento-teste para a Copa do Mundo) e nos amistosos que antecederam o mundial, o time mandado a campo pelo técnico Stanislav Cherchesov conseguiu fazer uma campanha histórica para o país, eliminando até mesmo uma gigante como a famosa seleção espanhola no meio desse trajeto.
O principal fator que surpreendeu a todos na campanha russa na Copa foi a forma como eles se comportaram taticamente em campo. Para o mundial, o comandante russo trocou o esquema retrancado e conservador com três zagueiros por um modelo de jogo mais moderno que favorecesse os atacantes russos, e acabou dando muito certo.
Além disso, alguns nomes destacaram-se na campanha como: o brasileiro naturalizado russo Mário Fernandes, do CSKA Moscou, personagem importante das quartas de final); o meio-campo Alexsandr Golovin, também do CSKA; o atacante grandalhão Artem Dzyuba, do Zenit St. Petersburg, e uma das maiores surpresas do campeonato, Denis Cheryshev. O meio-campo do Villarreal, que, após sair do banco, brilhou na partida de estreia do torneio com dois belos gols e saiu da competição como vice-artilheiro com quatro gols, ao lado de craques do futebol mundial como Cristiano Ronaldo, Romelu Lukaku e Antoine Griezmann.

O início da competição
As outras seleções por sua vez, também tiveram seu momento de brilhar, mas algumas o aproveitaram melhor do que outras.
Na primeira rodada da fase de grupos, vimos alguns resultados inesperados que serviram de prévia para o que viria a ser o resto do campeonato. A Argentina empatando com a estreante Islândia em 1 a 1, o México ganhando de 1 a 0 da antiga campeã mundial Alemanha e até o empate do Brasil com a Suíça logo no primeiro jogo foram placares que surpreenderam e intrigaram os torcedores ao redor do mundo.
Outros times como o da Bélgica, da Inglaterra e da Croácia se destacaram desde o início, responsáveis pelos jogos com maior quantidade de gols. O time belga fazendo 5 a 2 sobre a Tunísia, os ingleses com o 6 a 1 em cima do novato Panamá e a Croácia metendo 3 a 0 na Argentina – embora não tenha sido uma goleada, foram três gols em cima de uma seleção bicampeã mundial.
Assim, Bélgica e Inglaterra chegaram até a semifinal e a Croácia disputou a final com a França, que, embora tenha passado pelas rodadas do campeonato com resultados mais apertados, foram suficientes para levá-la à disputa do título.
O fim da fase de grupos foi marcado por alguns resultados surpreendentes em relação às apostas feitas antes da Copa. Após três rodadas, a tetracampeã Alemanha já estava fora do campeonato depois de uma campanha frustrante, em que os alemães conseguiram marcar apenas duas vezes e saíram derrotados em duas oportunidades, contra os mexicanos e os sul-coreanos.
Uma outra surpresa foi a campanha da Argentina, que chegou à última rodada da fase contestada pela imprensa e, também, com polêmicas envolvendo o técnico Jorge Sampaoli. Precisava de uma vitória sobre a seleção nigeriana e um tropeço dos islandeses contra os croatas no outro jogo do grupo. Para a alegria momentânea dos hermanos, esses resultados se concretizaram e eles passaram de etapa.
Outro ponto curioso dessa fase do torneio foram os classificados do Grupo H, que, pela primeira vez, foram selecionados graças a um fator de desempate nunca antes utilizado, o fair play. Depois das três rodadas, Japão e Senegal se viram empatados em todos os quesitos. No entanto, por possuírem dois cartões amarelos a menos que os senegaleses, foram os japoneses que comemoraram a classificação para as oitavas de final.
A fase de grupos também teve alguns destaques que vão além dos placares em campo. Como é o caso de alguns jogadores suíços que viram na comemoração do gol contra a Suécia uma oportunidade de protestar.
Os atletas Xhaka e Shaqiri corriam risco de suspensão por terem realizado em campo gestos que faziam menção à bandeira da Albânia. Isso aconteceu porque boa parte da população de Kosovo, incluindo Shaqiri e os pais de Xhaka, é de origem albanesa. E esse território que fica no sul da Sérvia se declarou independente em 2008, mas a Sérvia não o reconhece como tal. A suspensão, no entanto, foi substituída por uma multa de 10 mil francos suíços (cerca de 38 mil reais) para cada jogador.
Além disso, a Fifa ainda multou em 54 mil francos suíços (cerca de 206 mil reais) a Federação de Futebol da Sérvia, pelo fato de alguns torcedores apresentarem mensagens discriminatórias e de apologia a violência em suas bandeiras e cartazes.

O início do mata-mata
Das 32 seleções que chegaram a disputar a Copa do Mundo, apenas 16 passaram para as oitavas de final. Foi nessa rodada do campeonato que começaram os mata-matas; era ganhar e seguir em busca do título ou perder e voltar para casa. Sendo assim, o jogo que terminasse empatado teria dois tempos de prorrogação e, mantendo-se o empate, iria para as penalidades. A fase, ainda, chocou todos os que a acompanharam, afinal de contas, foi nela que três times clássicos foram eliminados de uma só vez, Argentina, Portugal e Espanha perderam aí a chance de conquistar o título esse ano.
Em um genuíno jogo de Copa do Mundo, os argentinos foram eliminados pelos franceses com o placar de 4 a 3, em um jogo marcado por golaços e pela atuação primorosa de Mbappé. Já os portugueses foram eliminados por um Uruguai liderado por Cavani, que, com dois gols decidiu a partida. Cristiano Ronaldo apagado durante o jogo, pouco fez, e os lusitanos acabaram voltando para casa. Os espanhóis foram os que mais lutaram pela classificação indo às penalidades contra os russos
Em compensação, times mais novos e ainda sem muito peso no mundial tiveram a oportunidade de mostrar um novo futebol, como é o caso da Bélgica, da Croácia e da Rússia. Até a Inglaterra, que, embora tenha sido o país responsável pela criação do esporte, entendeu que as situações mudam e apresentou uma geração linda de atletas que brilharam em campo, como há muito tempo essa seleção não fazia.
Três dos oito jogos dessa fase terminaram em pênaltis e é nesse momento que os goleiros mais se sobressaem positiva ou negativamente. Entre Espanha e Rússia foi Akinfeev, goleiro russo, que defendendo duas cobranças dos espanhóis fez a Rússia avançar mais uma etapa. No jogo entre Dinamarca e Croácia, o duelo de goleiros foi mais difícil: Schmeichel defendeu duas penalidades para os dinamarqueses, além de já ter defendido o pênalti de Luka Modrić no fim do segundo tempo da prorrogação, mas Subasić, o goleiro croata, defendeu três e foi quem acabou garantindo a vitória da Croácia.
Os pênaltis também decidiram a partida entre Colômbia e Inglaterra, a princípio Ospina abriu a vantagem para a Colômbia com uma defesa incrível, mas a trave estava do lado dos ingleses e igualou as penalidades, por fim Pickford defende e Dier só precisa converter para a vitória da Inglaterra.

O torneio vai ficando acirrado
Então chegaram as quartas de final, e, junto com elas, a eliminação do Brasil e o fim do sonho com o hexa em 2018. Foi um jogo tenso contra uma Bélgica que fazia uma campanha ótima no mundial até aquele momento, e mesmo os brasileiros tendo tido um número muito maior de possibilidades, com muito mais finalizações no gol, Courtois, goleiro da Bélgica, brilhou com defesas incríveis e garantiu a vitória por 2 a 1 sobre o Brasil. A famosa geração belga chegava às semifinais com muita moral e renovados de confiança, após eliminarem os pentacampeões mundiais.
Nessa fase ainda, tivemos a França ganhando de 2 a 0 do Uruguai que teve que jogar sem Cavani. O atacante havia se machucado e acabou desfalcando o time, culminando com a eliminação dos uruguaios. Esse jogo ficou marcado no mundial pela terrível falha do goleiro Muslera no segundo gol dos franceses, feito por Griezmann. Em um chute tido como despretensioso, o arqueiro uruguaio acabou espalmado com pouca força a bola, que terminou indo parar nas redes.
Outra imagem marcante do mundial foi protagonizada nesse jogo pelo zagueiro Giménez. Com a partida ainda em andamento, caminhando para seu final, foi possível observar o defensor chorando copiosamente, algo que mostra a gigante carga emocional que paira sobre as costas dos atletas durante o torneio.
Na partida entre Suécia e Inglaterra, 2 a 0 para os ingleses a partir de dois gols de cabeça e com belas defesas de Pickford, uma das grandes atuações do arqueiro inglês que fizeram com que ele fosse considerado na disputa de melhor goleiro do campeonato. E, por fim, um jogo de tirar o fôlego entre Rússia e Croácia, terminando com 1 a 1 no tempo normal, aumentando para 2 a 2 durante a prorrogação e finalizando nos pênaltis com uma defesa para cada goleiro. Mas, a bola de Mário Fernandes (autor do gol russo na prorrogação) chutada para fora dá à Croácia uma vantagem nas penalidades, a qual se mantém com o acerto de todas as outras cobranças, e garante a vitória para os croatas.
Pouco tempo após a partida, Vida, zagueiro da Croácia, postou um vídeo ao lado de um membro da comissão técnica do time, em que ambos fazem uma saudação utilizada por milícias neofascistas na Ucrânia. Vida ainda comenta “Glória à Ucrânia” e o amigo completa “esta vitória é para o Dínamo e para a Ucrânia”. Dínamo é um time de futebol ucraniano em que ambos os autores do vídeo jogaram.
A publicação repercutiu de forma imediata na Rússia, com críticas nos principais jornais locais. O zagueiro croata foi multado em 12 mil euros (cerca de 54 mil reais) pela Fifa e teve que jogar a semifinal sob vaias das arquibancadas. O membro da comissão técnica por sua vez, foi demitido pela Federação Croata de Futebol, que também emitiu uma nota com um pedido de desculpas mas alegou não haver interesse político por trás do vídeo.

A decisão vai se aproximando
A primeira semifinal foi entre França e Bélgica, um jogo chorado que terminou com vitória dos franceses por 1 a 0. A partida foi decidida por uma jogada de escanteio, em que Griezmann cobrou perfeitamente no primeiro poste para Umtiti, que, com um desvio de cabeça, deslocou o goleiro belga. Mais gols só não vieram graças às belíssimas defesas de Lloris pela França, e de Courtois pela Bélgica. Assim, o time francês avançava para a final e o país belga disputaria o terceiro lugar.
O segundo finalista foi decidido no jogo entre Croácia e Inglaterra. O primeiro gol foi dos ingleses com uma bola parada, o que deu confiança para a seleção, que conseguiu outros momentos perigosos depois disso. No entanto, foi no segundo tempo que a reação croata veio, e o primeiro gol saiu de um lance de extrema criatividade de Perišić para vencer Pickford. A partir daí o time ainda teve outras belas chances que não se concretizaram, os levando assim a mais uma prorrogação.
Dessa vez pelo menos os pênaltis não foram necessários. Depois de belos ataques e defesas de ambos os lados, o gol finalmente saiu. Em jogada que parecia perdida, Mandžukić reagiu mais rápido que os defensores ingleses ao toque de cabeça de Perišić e tocou para o fundo de rede sem defesa para o arqueiro inglês, colocando, assim, a Croácia na disputa final pelo título.
Foi também nessa comemoração do segundo gol da Croácia que algumas fotos um tanto inusitadas puderam ser tiradas. Nas comemorações de gols em geral os jogadores normalmente pulam uns em cima dos outros; nesse caso, isso aconteceu muito perto da área dos fotógrafos, e, no desequilíbrio de Mandžukić, o amontoado de croatas acabou caindo em cima de Yuri Cortez, que aproveitou para tirar fotos daquele momento nunca antes visto tão de perto.

A decisão do terceiro lugar da Copa do Mundo de 2018 ficou entre Bélgica e Inglaterra. A seleção belga abriu o placar logo no início do jogo, e os ingleses até tentaram uma reação depois, mas a zaga da Bélgica estava disposta a não deixar nenhuma bola entrar em seu gol aquele dia. No segundo tempo, os jogadores belgas apenas concretizaram sua vitória fazendo mais um gol, terminando em terceiro lugar com o placar de 2×0 sobre a Inglaterra.
A grande final
E finalmente o dia da tão esperada final chegou. Aquele momento em que todos os torcedores das outras nações que não chegaram à decisão do título escolhem um time para torcer por pelo menos 90 minutos. Um belo espetáculo para quem gosta de gol, foram seis no total. O primeiro, no entanto, veio de um jeito no mínimo duvidoso, com uma falta cavada por Griezmann, que colocou a bola na área e, em um erro, Mandžukić cabeceou para dentro do gol, marcando não só um gol a favor da França como também o primeiro gol contra da história das finais de Copa do Mundo.
O primeiro gol da Croácia no jogo também veio de uma cobrança de falta ensaiada que colocou a bola na área, depois de alguns passes ela terminou nos pés de Perišić que finalizou no gol. Mas, para infelicidade daqueles que torciam pela Croácia, pouco tempo depois, o mesmo Perišić, autor do gol, colocou a mão na bola dentro da área. A princípio o árbitro em campo não vê, mas o VAR entra em cena e o convoca a rever a jogada no vídeo, assim a França ganha o pênalti e aumenta o placar que termina em 2 a 1 na primeira metade do jogo.
Logo no início do segundo tempo, quatro integrantes do grupo feminista Pussy Riot invadem o campo vestidos de policiais como forma de protesto ao governo do presidente Putin. Ao explicar o acontecimento, o grupo lembrou que, no domingo do jogo, completaram-se 11 anos da morte de Dmitri Prigov, poeta dissidente dos tempos da URSS que colocava a figura dos policiais em suas obras como representantes do aparato repressivo do Estado.

O terceiro gol dos franceses veio quase junto com o quarto, em um espaço de sete minutos. O time já cheio de confiança foi para o ataque, se aproveitando de uma Croácia abatida tanto física quanto psicologicamente, talvez por vir de três prorrogações e duas disputas de pênaltis nos últimos jogos. Mas, ainda assim, os jogadores croatas foram fortes e buscaram jogo até o fim, conseguindo um último gol a partir de um descuidado drible do goleiro da França, que exagerou um pouco na confiança. O jogo terminou com o placar de 4 a 2 e os franceses em festa comemorando o bicampeonato.

Outras premiações ainda foram concedidas pela Fifa. Modrić, jogador da Croácia, foi eleito o melhor da Copa, ficando com a bola de ouro. Kylian Mbappé, da França, ganhou o prêmio de Melhor Jogador Jovem. O inglês Harry Kane, com seis gols, foi o artilheiro do mundial e, por isso, recebeu a Chuteira de Ouro. A Luva de Ouro, prêmio concedido ao melhor goleiro, foi entregue a Courtois, da Bélgica, que fez as defesas mais difíceis de todo o campeonato. E, por fim, o prêmio Fair Play foi dado à Espanha pelo seu exemplar jogo limpo durante essa Copa.
E então, depois de um mês de muitos jogos, com muita emoção durante toda a competição, a Copa do Mundo na Rússia se encerrou e com certeza deixará muita saudade. Seja pela autenticidade que os russos conseguiram transparecer sediando um mundial de total sucesso, pelas novidades como o VAR (Video Assistant Referee), sistema que foi utilizado pela primeira vez em uma Copa do Mundo, com resultados surpreendentes que permearam todo o torneio, ou até mesmo com os memes e momentos impactantes que marcaram o mundial na história.
Pode-se, ainda, dizer com propriedade que essa Copa vai ser lembrada com muito carinho por todos aqueles que tenham o espírito do mundial dentro de si e que param em frente à televisão, acompanham pelo celular ou até vão aos estádios, a fim de aproveitar esse magnífico evento multicultural que acontece a cada quatro anos.