Bagheria é uma pequena cidade na província de Palermo, Sicília. Lá nasceu Cicco, seu filho Peppino e seu neto Pietro. Lá, coincidentemente, também nasceu Giuseppe Tornatore. Sua autoria de longe se reconhece no novo filme “Baaría – A Porta do Vento” (Baarìa).
Cinco décadas retratadas na velha Bagheria (ou Baaría). O menino Peppino acompanha o pai ao cinema, brinca na terra, vai à escola, sonha na rua. O jovem Peppino trabalha, vê o irmão partir para a guerra, apaixona-se. O Peppino, enfim, cria família, se politiza, cresce no Partido Comunista, sonha em ir a Roma.
O tempo passa para a Itália e para a família de Peppino. Morre o velho Cicco, nasce o jovem Pietro. O fascismo cai, a guerra acaba, a democracia constrói-se, a Itália política em ebulição.
A Itália romântica em ebulição, a Itália do lavoro, das lendas, da música, do cinema, da arte popular. Corre na terra Peppino, corre na terra Pietro. Peppino tira o leite do bezerro, Pietro roda o pião.
A família arrasta os móveis da sala para deitar no azulejo gelado do chão, e se refrescar do calor de 40 graus. A mãe bebe sangue de boi para proteger a gravidez e pesa o bebê na balança do armazém. A criança tem medo de entrar no cinema porque é escuro, foge do dono do pomar por roubar laranjas e espera por um tesouro surgir de debaixo da terra. A delicadeza do pião girando, o baile girando, a goteira na lua-de-mel. A cultura que um dia migrou para o Brasil.
A sucessão de imagens apresentadas é exatamente aquilo que se vê: imagens da simples Sicília. A guerra fica pequena perto da rica cultura que a ela sobrevive. Talvez não precisamos de mais um épico, mais uma longa e profunda história de amor, uma revolução do pensamento, da arte, do cinema ou da política. Porém, apenas, se deliciar com a beleza do branco pára-quedas do soldado americano que, transformado em roupinha, voa pelas ruas da Baaría no corpo das crianças que o vestem.
Isso, como ninguém, retrata Tornatore.
Por Beatriz Montesanti