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Dia 04 | 26ª Bienal Internacional do Livro: ativismo; representatividade e recomeços

As palestras que ocorreram na Arena Cultural Pólen, no estande da Amazon e no Salão de Ideias SESC contaram com nomes como Djamila Ribeiro, Paulina Chiziane e Anami.

Após uma pausa em decorrência da pandemia da COVID-19, a 26ª Bienal Internacional do Livro retorna a São Paulo com grande expectativa do público. Sediada na Expo Center Norte, o evento reuniu editoras e palestrantes diversos, e proporcionou aos visitantes uma experiência repleta de debates sobre o universo literário. Confira a cobertura feita pela Jornalismo Júnior das palestras reunidas no dia 05 de julho de 2022.

Criando a Coleção Feminismos Plurais

Uma das primeiras palestras do quarto dia da Bienal do Livro foi organizada no estande da Amazon e contou com as convidadas Djamila Ribeiro, acadêmica, escritora e feminista negra e  Lizandra M. de Almeida, jornalista e sócia-diretora da Editora Jandaíra. Com a mediação de Camilla Dias, assistente social, docente e produtora de conteúdo nas mídias sociais, as três mulheres discutiram desde o processo de formação do projeto Feminismos Plurais — uma coleção de livros que tratam de questões raciais, sociais, de gênero, religiosas, entre outras — até as profundas questões sociais no Brasil. 

 

Três mulheres negras sentadas num fundo laranja com uma televisão que mostra fotos suas na Bienal.
Palestra no estande da Amazon sobre a coletânea Feminismos Plurais
[Imagem: Reprodução/Raquel Tiemi]

 

A conversa foi iniciada com uma breve contextualização da iniciativa de Djamila de criar o projeto depois de se deparar com uma escassez de intelectuais negras enquanto cursava Filosofia na universidade. Assim, nasceu a ideia de uma coletânea de livros escritos por autoras brasileiras negras e, consequentemente, o posicionamento políticos do projeto, que, acima de todos os outros elementos, identifica-se como negro. Por isso, apesar de se tratar também de um projeto feminista, há a presença de homens pretos e pessoas LGBTQIAP+ entre os escritores, uma vez que o Feminismos Plurais engloba as questões interseccionais à questão de gênero. Essa preocupação repercute na representatividade étnica em toda a produção por trás dos livros, proporcionada pela Editora Jandaíra, que abraçou a iniciativa, a partir do envolvimento de profissionais afrodescendentes. 

 

Uma garota de descendência asiática em pé à esquerda entrevista uma mulher negra vestida de laranja sentada à direita.
Djamila dando uma entrevista rápida para a Jornalismo Júnior
[Imagem: Reprodução/Raquel Tiemi]

 

Além disso, a palestra na Bienal do Livro deu espaço para discussões mais profundas sobre as relações raciais no Brasil, que também são tema dos livros da coleção: lugar de fala, racismo estrutural, empoderamento, intolerância religiosa, apropriação cultural, racismo recreativo, interseccionalidade e encarceramento em massa.  

Djamila revelou que um dos próximos livros tematiza as cotas raciais, em amplo debate no ano de 2022, já que passarão por um processo de revisão. “Ao fazer dez anos da lei federal de cotas raciais no Brasil, a importância do livro é grande para pautar esse debate e para mobilizar para que essas políticas sejam ampliadas cada vez mais”, comentou a escritora. 

 

Representatividade em livros para crianças: o trabalho de Kiusam de Oliveira e Otávio Júnior 

A Bienal também foi marcada pela representatividade e diversidade de autores e personagens de livros infantis. A Arena Cultural Pólen recebeu Kiusam de Oliveira, autora da obra Tayó (Companhia das Letrinhas, 2021), e Otávio Júnior, escritor de obras como Da minha janela (Companhia das Letrinhas, 2019) para falar sobre a produção de livros voltados para crianças e sobre a importância de se tratar temáticas raciais e de gênero em uma linguagem acessível. 

 

Um palco colorido da Bienal com pessoas sentadas à frente.
Kiusam (no centro) e Otávio (à esquerda) no palco da Arena Cultural Pólen
[Imagem: Reprodução/Cecília de O. Freitas]

 

A palestra foi iniciada com a reflexão sobre a desvalorização do trabalho de escrita para os mais jovens e como, muitas vezes, os autores desse tipo de livro não são considerados “escritores de verdade”. Para os convidados, diversos temas sociais delicados ou desafiadores estão presentes nas escolas e no universo infantil e os livros buscam facilitar o trabalho sobre esses assuntos com as crianças. “É necessário sensibilidade e respeito para escrever para esse público”.

Otávio Júnior continuou a conversa falando sobre como os livros infantis sobre representatividade são frutos de uma necessidade urgente, pois toda uma geração cresceu sem esses debates nas escolas ou em casa. Kiusam de Oliveira também afirmou que a falta dessa representação gera lacunas no conhecimento sobre os antepassados: “todos nós sabemos o nome de deuses gregos, por exemplo, mas não conhecemos elementos básicos das diversas culturas africanas. É preciso encarar de frente a ancestralidade que me sustenta”. 

Também foi discutido o surgimento do preconceito na infância e como o aprendizado nessa fase é o que leva a certos comportamentos na vida adulta. Para Kiusam “nenhuma criança nasce racista, mas se não cortamos o ciclo de violência que ela pode vir a reproduzir, ela se torna”. Os autores defendem que a representatividade é necessária para ensinar crianças pretas a se fortalecerem, ao tratar de temas desafiadores com encantamento e delicadeza. 

 

Um homem negro com uma coroa amarela de papel em sua cabeça à direita auma mulher negra com cabelos trançados e óculos à esquerda. São autores na Bienal.
Os autores deram uma longa sessão de autógrafos após a palestra. [Imagem: Reprodução/Cecília de O. Freitas]

 

Ao final do bate-papo na Bienal, os autores fizeram uma sessão de autógrafos e tiraram fotos com os admiradores de seu trabalho, entre eles diversas mães com crianças e profissionais da área da educação. A professora da educação infantil, Laíusa, estava na fila e afirmou a importância da presença dessa temática na Bienal: “Esse é o caminho para a transformação, para as crianças se sentirem representadas e começarem a consumir esse conteúdo”.

Os escritores também deram uma entrevista para a Jornalismo Júnior e, novamente, destacaram a felicidade em participar do evento paulista. “Estamos em um momento de disputa de narrativas e, no momento em que conseguimos alguma visibilidade, é preciso aproveitar. É importante para o combate ao racismo e para a defesa dos direitos de todas as pessoas, do direito à vida com dignidade. Esse momento é representativo, pois as crianças pretas podem olhar para nós e ver que é possível”, afirma Kiusam. “O livro infantil acaba sendo um espelho. Esse momento me lembrou muito da minha infância, quando ia nas bienais e via as crianças com faixas do Ziraldo, chapéus do Menino Maluquinho. Me fez refletir que a nossa vez chegou. Demorou um tempo, mas chegou. Eu acho que é um momento que veio para ficar, de nós, autores pretos, termos nosso trabalho e nossos personagens como protagonistas”.

 

Bate-papo com Paulina Chiziane: a primeira romancista moçambicana

 

Uma mulher negra em meio a duas brancas posam para uma foto no fundo colorido da Bienal.
Paulina Chiziane subiu ao palco da Arena Cultural Pólen para um bate-papo sobre suas obras. [Imagem: Reprodução/Cecília de O. Freitas]

 

A Bienal também contou com a presença de escritores internacionais e, na terça-feira (05), a Arena Cultural Pólen recebeu a autora moçambicana Paulina Chiziane. 

Agraciada com o Prêmio Camões, em 2021, Chiziane é considerada a primeira romancista de Moçambique. Suas obras tratam de questões raciais e de gênero inseridas no contexto sociocultural africano. Em 2016, anunciou sua aposentadoria da escrita, mas atualmente continua dando palestras e entrevistas no Brasil e no mundo sobre suas obras.

A conversa foi iniciada com a escritora relatando o início da sua história com a escrita, ainda criança. Ela contou que tudo começou com um “diário dos sonhos” em que escrevia todas as suas inquietações. A partir daí, Paulina refletiu sobre a estrutura patriarcal de parte da sociedade moçambicana, em que as mulheres só tinham oportunidade de estudar com a permissão do pai, chefe da família: “O mundo está desequilibrado porque falta a voz das mulheres”.

A palestra de Paulina também tratou de questões raciais associadas à língua portuguesa. A autora defendeu que o povo africano tem duas culturas, a natural e a que lhe é imposta e que a língua portuguesa, falada em Moçambique, reflete muitas violências étnico-raciais do país. “A língua portuguesa, para ser minha, precisa ser descolonizada”, afirmou. Ainda assim, a escritora acredita que a língua é mutável e é possível transformá-la em um instrumento “mais humano”.

Ao fim da conversa, Chiziane debateu sobre a arte, sua manifestação e importância. “Quando eu olho para história do mundo eu digo ‘é verdade que os antepassados deixaram muitas coisas, mas uma coisa muito bela que eles deixaram foi a arte.’ Para mim, vida é arte e arte é alma e, a alma humana é tão grande que não cabe no corpo. A minha alma só tem uma raça: a raça da humanidade”.

 

A Morte Faz Parte da Vida

 

Quatro mulheres sentadas em frente a um painel colorido do Salão de Ideias SESC.
Bate-papo com os convidados no Salão das Ideias SESC.
[Imagem: Reprodução/Raquel Tiemi]

Às cinco horas da tarde da terça-feira, o Salão das Ideais SESC, estampado com a frase, “Todo mundo sai melhor do que entrou”, ficou com todos os lugares preenchidos para assistir e refletir junto com os palestrantes sobre as diversas questões da vida e da morte como duas coisas indissociáveis. O palco foi ocupado por ilustres personalidades como Ana Claudia Quintana, escritora do livro A Morte é Um Dia que Vale a Pena Viver (Editora Sextante, 2019) e médica especializada em cuidados paliativos, Ana Michelle Soares — conhecida como AnaMi — jornalista e escritora do livro Enquanto eu respirar (Editora Sextante, 2019), diagnosticada com câncer ao 39 anos,e o escritor e professor Renato Noguera, que pesquisa, entre outros assuntos, a vivência de outras culturas com a finitude.

A mediadora Rafaela Carvalho iniciou a conversa com um tópico inevitável de não ser levantado ao discutir a morte: a passagem pelo pós-pandemia da COVID-19. Questionamentos como o envelhecimento e a falta de controle sobre a vida também envolveram os convidados e, principalmente, os telespectadores, por se tratarem de situações universais à humanidade e, em especial, à contemporânea. A apresentação de três visões diferentes durante o bate-papo proporcionou uma experiência mais completa e com a devida complexidade para a sensibilidade envolvida no tema. 

Ao final da palestra, foi aberta a oportunidade do público fazer perguntas aos convidados, e o que se percebe é uma enorme comoção, em especial, dos leitores de Ana Claudia e AnaMi ao se expressarem. “Seu livro mudou a maneira como eu vivo a minha vida”, afirmou uma das pessoas à médica. Quando a conversa sobre lições de vida se encerrou, as palavras nas paredes do Salão de Ideias se concretizam: todo mundo saiu melhor do que entrou. 

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