Por Catarina Bacci (cbmedeiro@usp.br), Gabriela Nangino (gabi.nangino@usp.br) e Louisa Coelho (louisacoelho@usp.br)
Na madrugada do dia 17 de maio de 2024, durante o 74º Congresso da Federação Internacional de Futebol (FIFA), realizado na Tailândia, o Brasil foi oficialmente eleito como sede da Copa do Mundo Feminina de 2027. Com 119 votos, a candidatura brasileira superou o segundo lugar (Alemanha, Bélgica e Holanda) por uma diferença de 41 votos.
A apresentação do comitê de candidatura brasileira foi feita pela Iara, uma assistente virtual. Os argumentos utilizados foram referentes à cultura esportiva e à infraestrutura do país. O vídeo também usou a expressão tradicional de “país do futebol” para chamar o Brasil de “país do futebol feminino”.
A conquista do Brasil para sediar a Copa do Mundo não é apenas nacional: é a primeira vez que o campeonato é disputado no continente sul-americano, expandindo o impacto para todos os países vizinhos. Em entrevista à Jornalismo Júnior, a analista de jogos e comentarista Bárbara Nunes celebra essa oportunidade. Segundo a entrevistada, havia bastante receio de que os Estados Unidos e o México sediassem o evento: “Eles têm uma grande estrutura e uma liga muito forte há muito tempo, já são campeões mundiais. Mas a Copa vai ser aqui. A gente conseguiu descentralizar, colocar uma segunda Copa seguida no hemisfério sul”, afirma Bárbara, referindo-se à Copa de 2023 que ocorreu na Austrália e na Nova Zelândia.
As capitais-sede dos jogos se estendem por todas as regiões do país: Brasília, Belo Horizonte, Cuiabá, Fortaleza, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Marta, seis vezes eleita a melhor jogadora do mundo pela FIFA, pediu em suas redes sociais que a abertura da competição seja realizada no Rio Grande do Sul, como forma de apoio às vítimas da vigente catástrofe que atinge o estado.
Em nove edições do campeonato, o mais perto que o Brasil chegou de levantar a taça foi em 2007, na China, quando perdeu a final para a Alemanha. A seleção feminina brasileira coleciona oito títulos de Copa América — a maior campeã do continente —, mas, no mundial anterior, não alcançou as oitavas de final. Jogando em casa, as expectativas dos torcedores e da equipe brasileira para alcançar bons resultados na décima edição estão altas.
“A gente ainda não tem consciência, noção da importância dessa Copa para o futebol das mulheres, para quem jogou na rua, para quem jogou com os meninos, para quem não tinha campeonato para jogar. Agora é todo mundo se unir muito e fazer a maior Copa da história, e voltar a pensar em colocar a nossa primeira estrela no peito”, diz a ex-jogadora Aline Pellegrino, em entrevista para o Jornal Nacional.
Desafios do futebol feminino
A discrepância de tratamento entre o futebol masculino e feminino possui raízes históricas — mulheres foram proibidas de praticar o esporte entre 1941 e 1979 no Brasil. Essa proibição levou à profissionalização tardia da modalidade no país, e enquanto as mulheres eram impedidas de jogar, a seleção masculina conquistava a Copa do Mundo pela terceira vez.
Em entrevista à Jornalismo Júnior, Talita Giudice, repórter no Futebol Globo/CBN, explica que a modalidade começou de uma forma pejorativa: “Era uma atração de circo, mulheres jogarem futebol era considerado algo realmente à parte da sociedade”. Ela analisa que, quando a prática voltou a ser permitida, não houve apoio dos clubes, investimentos ou divulgação, funcionando apenas no papel.
“Foi uma modalidade que, durante muitos anos, simplesmente se arrastou aqui no Brasil, e ela ainda se arrasta”
Talita Giudice
A Copa do Mundo Feminina da FIFA surgiu em 1991, 61 anos depois do torneio masculino inaugural. A primeira vez que canais de televisão aberta no Brasil, como a Globo, transmitiram o campeonato das mulheres foi em 2019. Nesse mesmo ano, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) passou a exigir que os clubes tivessem uma equipe feminina para poderem competir na Copa Libertadores da América. Entretanto, para Talita, essa obrigação por si só não basta: “Não houve nenhum tipo de auxílio, cobrança ou incentivo, seja midiático, na questão do desenvolvimento, na questão das cobranças desses clubes e também na questão financeira”.
Atualmente, alguns clubes brasileiros já são capazes de criar bons times femininos de base, mas muitos deles ainda não possuem equipes estruturadas. “Isso é bem preocupante para a modalidade. Nesse momento, outras seleções estão à frente porque são países mais estruturados do que o Brasil”, explica Bárbara.
Ainda hoje, é possível sentir os impactos dessa estrutura patriarcal, que dificulta a construção de um engajamento nacional. Segundo dados divulgados pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em 2022 foram investidos aproximadamente R$200 milhões na seleção masculina principal, enquanto R$70 milhões foram divididos entre o time feminino e sete seleções de base.
“Sou otimista para a participação do Brasil na Copa pelo seu legado, mas entendo que tem vários pontos dentro do futebol feminino que precisam ser respeitados e não são”, afirma Bárbara. A comentarista tem expectativas de que uma boa preparação para o evento consiga ampliar a visibilidade do esporte e deixar marcas: “Esse legado será uma boa estrutura, uma boa organização, incentivos, patrocínio, visibilidade em diversos canais e principalmente o cuidado com a base”.
Como a Seleção joga
Em relação às estratégias de jogo da seleção, a analista afirma que há pontos fracos que precisam ser trabalhados. “Estamos aprendendo a jogar com uma formação nova”, explica. Bárbara fez uma análise da Copa Ouro 2024, e deu sua opinião sobre as jogadoras selecionadas para cada posição da formação de jogo. Ela explica que o técnico Arthur Elias tem uma tática de jogo muito ofensiva, ou seja, o time tem mais foco no ataque do que na defesa: “Como jogamos muito em bloco alto, todas as jogadoras ficam muito próximas da bola e as costas da zaga ficam bem expostas. Esse problema de profundidade e proteção precisa ser corrigido”.
Por outro lado, Bárbara destaca vários pontos fortes: “A escolha da zaga está muito sólida e o Brasil consegue fazer uma marcação muito boa, como foi visto no jogo contra os Estados Unidos”. Outro aspecto positivo é a contratação de Cris Gambaré, anunciada pela CBF em março como a nova coordenadora de seleções femininas. Na função, a dirigente comanda as ações não somente na seleção principal, mas também nas de base. “Isso faz com que o futebol feminino tenha uma estrutura maior dentro da própria organização”, explica.
Além disso, a entrevistada elogia o perfeccionismo do técnico: “O Arthur é bastante detalhista, e todos os ajustes precisam ser feitos de um jogo para o outro. Esses ajustes são meticulosamente pensados, porque a Copa do Mundo tem só sete jogos, então é um espaço pequeno de tempo”. Segundo a analista, milésimos de segundos de uma mudança de posição corporal da jogadora podem definir um possível embate. “Isso pode resultar em um gol. E um gol decide a copa do mundo”, conclui.
Para Talita, a contratação de Arthur Elias foi um dos maiores acertos da CBF nos últimos anos em relação ao futebol feminino, considerando o seu histórico de vitórias com o Corinthians. “Ele tem conseguido fazer uma boa evolução na seleção em tão pouco tempo, principalmente na parte ofensiva. Ele está usando muito bem as jogadoras jovens, então eu acho que o Brasil tem muitas chances de ir bem na Copa de 2027”, diz. Entretanto, ela explica que, antes de cogitar um título mundial para a seleção, o técnico precisa de mais tempo de trabalho e, sem dúvidas, o grande teste será nas Olimpíadas de 2024.
Importância para o país
Segundo Bárbara, as expectativas para a economia do Brasil são positivas: “Se pensamos em turismo, o Brasil já é um país que, potencialmente, recebe muita gente. Com uma boa divulgação, se conseguirmos estruturar bem, podemos gerar mais empregos. A economia gira, e todo mundo pode se beneficiar. Mas isso depende de um trabalho coletivo — do Ministério dos Esportes, dos clubes, dos governantes, entre outros”.
É perceptível o crescimento da modalidade feminina nos últimos anos. A última edição da Copa do Mundo Feminina, sediada na Austrália e na Nova Zelândia, gerou uma receita de 570 milhões de dólares americanos, aproximadamente 2,8 bilhões de reais. Esse faturamento possibilitou uma premiação em dinheiro de US$152 milhões para federações e jogadoras; quantidade dez vezes maior do que a registrada na Copa feminina de 2015, no Canadá. Essa evolução amplia a perspectiva dos ganhos que o evento trará ao Brasil em 2027.
Desde 2023, o Ministério do Turismo atua para viabilizar a candidatura brasileira para sediar a competição. Segundo o ministro Celso Sabino, existe uma malha hoteleira preparada para receber todos os turistas. “O Ministério do Turismo apoiará na ampliação de leitos, capacitação dos profissionais, além, é claro, de recursos para melhorar os equipamentos turísticos que fazem parte dessa cadeia produtiva que gera emprego e renda para a nossa população”, ele garante.
Além do impacto econômico, a realização do torneio do Brasil afeta diretamente a relação do povo com a modalidade. “O tamanho do evento é importante para consolidar o país como ‘país do futebol’. O Brasil tem que entender que o futebol é amplo”, defende Bárbara. Para ela, não faz sentido comparar o futebol feminino com o masculino, pois eles são distintos e precisam de diferentes incentivos. “O incentivo não é só ir para o estádio. A Copa tem que fazer as pessoas entenderem que o Brasil pode ser plural, também no esporte”, acrescenta.
A valorização do futebol também é importante para dar espaço e condições dignas de trabalho às jogadoras. “Hoje em dia, muitos clubes montam equipes para uma temporada só, e depois as jogadoras ficam sem oportunidade de trabalho”, explica a entrevistada.
“Valorizar o esporte dá mais perspectiva para as atletas e para a comissão técnica”
Bárbara Nunes
O futebol como afeto
Em entrevista à Jornalismo Júnior, Carol Cardozo, uma ávida torcedora do futebol feminino, conta que sempre gostou da modalidade e era a única menina que jogava em sua turma. Conforme cresceu, afastou-se do esporte, e o que a fez retomar o gosto foi a emoção com a Copa Feminina televisionada.
Para a torcedora, uma grande conquista foi a obrigatoriedade dos clubes da série A terem times femininos, a partir de 2019. Ao saber que a Copa seria sediada no Brasil em 2027, Carol sentiu-se esperançosa por um possível contraste positivo de resultados em relação à Copa de 2014, na qual a seleção brasileira foi derrotada em casa. Ela criticou, entretanto, os estereótipos retratados pelo vídeo de apresentação do país, como a utilização de figuras indígenas.
Um aspecto importante para Carol é a abertura para a diversidade e a presença de pessoas LGBTQ+ na modalidade. “Eu acredito que o futebol feminino pode questionar a cis-héteronormatividade e o patriarcado. Qualquer movimento dissidente desses aspectos já é um espaço de acolhimento. O que você mais vê, principalmente no futebol brasileiro, são mulheres pobres, pretas e sáficas”, comenta.
Para a analista Bárbara, é importante ver a Copa não só como um evento de 2027, mas como construção esportiva e social que afeta o país desde agora. “Antes da Copa, espero que o anúncio traga mais visibilidade para o futebol feminino, e que as pessoas queiram acompanhar mais a modalidade. E espero que, depois da Copa, em toda esquina tenha uma menina jogando bola e sendo incentivada pela sua família”, finaliza.
*Imagem de capa: Borg Mattison/ Pixabay