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9º Festival Piauí de Jornalismo | ‘A polícia nunca foi neutra’: Chenjerai Kumanyika reflete sobre violência policial e papel do jornalismo

Ativista e criador do podcast Empire City, o jornalista conecta sua trajetória pessoal à investigação sobre violência policial

Por Alex Teruel (alexteruel@usp.br)

“Se alguém tentar dizer que não é importante revisitar a história, basta olhar para os primeiros alvos de governos autoritários: arquivos, escolas e jornalistas.” A fala do jornalista e professor da Universidade de Nova York, Chenjerai Kumanyika, marcou sua participação no 9° Festival Piauí de Jornalismo, promovido pela Revista piauí, ao abordar como a violência policial está enraizada nas estruturas democráticas, tanto nos Estados Unidos, quanto no Brasil.

A conversa foi conduzida por Angélica Santa Cruz e Gilberto Porcidonio, repórteres da piauí. Kumanyika é criador do Empire City, podcast que investiga a origem do Departamento de Polícia de Nova York a partir de 1835, quando agentes sequestravam negros livres para revendê-los como escravizados no sul do país. Para ele, esse passado ajuda a compreender como a brutalidade policial se mantém até hoje: “O racismo não é um subproduto da polícia, é a razão de sua existência”.

Durante a palestra, o jornalista apontou para o cenário político norte-americano recente, em que Donald Trump utilizou brechas legais para intervir em forças policiais locais e mobilizar a Guarda Nacional. O paralelo com o Brasil foi inevitável: “Assim como Bolsonaro enfraqueceu direitos trabalhistas e aumentou investimentos em policiamento, Trump expande o aparato repressivo enquanto negligencia problemas estruturais como empregos ou mudanças climáticas”.

Questionado sobre possíveis caminhos de transformação, Kumanyika foi categórico ao criticar a ideia de “reforma policial”. “Essas propostas se repetem desde 1841. Não é que falhem por acidente, mas porque a polícia nunca foi pensada para proteger os mais vulneráveis”, destacou. Para ele, as reflexões mais sofisticadas partem do movimento abolicionista, que propõe repensar modelos de segurança pública para além das corporações policiais.

Além da análise política, o jornalista destacou o papel do jornalismo em manter vivas as histórias que o poder tenta apagar. Através do formato podcast, ele combina dados, arquivos e relatos orais para reconstruir narrativas silenciadas. “Contar e recontar é fundamental. Cada uma das seis mil vítimas da polícia brasileira em 2023 importa. Contra a amnésia coletiva, o jornalismo precisa insistir na memória”, afirmou.

Contra-histórias familiares

Chenjerai também compartilhou o impacto pessoal de seu trabalho. Ao registrar conversas com sua filha, na época com 4 anos, percebeu a dificuldade de explicar o papel da polícia sem reforçar ilusões. Esses diálogos, segundo o jornalista, revelaram a dificuldade de conciliar a proteção da inocência infantil com a honestidade sobre o mundo. 

“Ela entendeu que a resposta que tinha dado — de que a polícia mantém as pessoas seguras — não era a certa. Então começou a me perguntar repetidamente: ‘O que a polícia faz, pai?’”, relembrou. A insistência da filha expôs para ele a urgência de elaborar respostas reais para questões profundas.

“Meu jornalismo talvez tenha trazido mais ansiedade a ela. Mas também abriu espaço para que faça as perguntas certas”.
Chanjerai Kumanyika 

O jornalista admite que esse processo lhe trouxe dilemas pessoais, incluindo a preocupação de transmitir mais ansiedade do que consciência. “Às vezes me pergunto se meu jornalismo deu a ela mais medo do que teria de outra forma. Um dia, voltando da escola, ela perguntou: ‘E se a polícia te levar, pai?’. Eu disse que não levariam, mas ela retrucou: ‘E se levarem?’. Não soube como responder”, relatou.

Ex-rapper, Kumanyika ressalta o poder da cultura negra como ferramenta de resistência, sem deixar de reconhecer suas contradições: “O hip-hop sempre carregou um ceticismo fundamental sobre o projeto americano, mas também reproduziu estereótipos que nos prejudicam. Cultura pode libertar, mas também pode oprimir, depende de como é usada”.

Ao final, deixou uma mensagem aos jovens repórteres presentes: “Contra-histórias importam porque expõem as mentiras contadas pelo Estado. Não deixem que nos convençam de que nunca conquistamos nada. Cada relato, cada denúncia, cada memória preservada importa para que possamos imaginar futuros mais livres”.

[Imagem de capa: Heloisa Falaschi/Jornalismo Júnior]

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