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Beisebol, bodes e maldições: Os 5 anos da quebra do jejum do Chicago Cubs no World Series

Há cinco anos, o Chicago Cubs quebrou o jejum de 108 anos sem título e conquistou o seu tricampeonato na World Series contra o bicampeão Cleveland Indians, no sétimo e último jogo, por 8 a 7. Mesmo com a vantagem de jogar quatro das sete partidas em casa — devido a vitória da Liga Americana …

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Há cinco anos, o Chicago Cubs quebrou o jejum de 108 anos sem título e conquistou o seu tricampeonato na World Series contra o bicampeão Cleveland Indians, no sétimo e último jogo, por 8 a 7. Mesmo com a vantagem de jogar quatro das sete partidas em casa — devido a vitória da Liga Americana (AL) no All-Star Game 2016 — e com um ótimo início na disputa, no qual disparou no placar em 3 jogos a 1, o Indians sofreram a virada e perderam o título para o Cubs no último confronto.

Com direito a entradas extras e atraso por conta da chuva, o jogo foi assistido por mais de 40 milhões de telespectadores. “Foi provavelmente o melhor jogo de beisebol que eu vi na minha vida”, comenta Jean Ramos, estudante de Gestão Pública e torcedor do Chicago Cubs.

Pedro Reis Lopes, outro entusiasta da Major League Baseball (MLB) e administrador da página All MLB, no Twitter, também fala sobre o jogo e destaca o rain delay durante o final do jogo. “Tudo que fazia menção ao jogo fez com que aquele jogo 7 fosse recheado de emoção”, comenta. 

Gráfico mostra a quantidade (vertical), em milhões, dos telespectadores dos jogos (horizontal) entre Cleveland Indians e Chicago Cubs no World Series 2016. [Fonte: Wikipedia]


Os 108 anos de espera

Além de ser um dos times mais antigos do beisebol estadunidense, o Cubs também detém a maior seca de títulos da história de uma equipe norte-americana. Antes do tricampeonato em 2016, os Adoráveis Perdedores — apelido recebido por conta do período sem vitórias —, haviam conquistado seu primeiro título do World Series em 1907 e o bicampeonato mundial em 1908.

Associa-se ao período sem vitórias à maldição de Billy Goat. Em 1945, no jogo decisivo da World Series entre Chicago Cubs e Detroit Tigers, o dono do bar Billy Goat Tavern, Bill Sianis, rogou uma praga ao time logo depois de ter sido convidado a retirar seu bode da arquibancada do estádio Wrigley Field. Desde então, a seguinte frase do torcedor “Os Cubs não vão ganhar mais nada” foi atrelada à infame derrota do time de Chicago naquela ocasião e, assim, se mistificou.

Os Cubs só voltaram a participar de uma World Series em 2016, na qual conquistou o troféu e acabou com a suposta maldição. “É uma história que dá pra fazer até um filme”, comenta o fã Jean Ramos, “acho que deixou tudo mais romântico em relação ao título”. Ramos também avalia que o ano era predestinado a ser do Cubs: “O time e a diretoria sentiram que aquela era a chance perfeita. Acredito que até por isso fizeram um esforço para conseguir o Aroldis Chapman até o final da temporada”.

A vitória do Cubs foi motivo de muitas comemorações dos torcedores, que se juntaram em volta do estádio do clube, com direito a fogos e buzinaço. Até autoridades políticas celebraram a vitória do Cubs, como foi o caso do ex-presidente Barack Obama, que convidou o time para visitar a Casa Branca antes do fim de seu mandato. 

“Outra coisa sensacional é que a passeata pós-título do time, em Chicago, atraiu 5 milhões de pessoas. Isso é mais gente do que, por exemplo, a passeata do Flamengo pós-título da Libertadores em 2019”, destacou Ramos. 

Com o título, o time se igualou ao New York Yankees, Detroit Tigers, Pittsburgh Pirates e Kansas City Royals como os únicos times que conseguiram reverter uma vantagem inicial de 3 jogos a 1 da equipe adversária em World Series. 

Em relação ao Indians, após a conquista, o clube passa a ser o time com maior jejum atual de títulos, com 73 anos sem vitória em um World Series. “Esperamos 108 anos por isso. Acho que vocês (Indians) ainda podem esperar mais um pouco. Isso perto do que a torcida do Chicago esperou não é nada”, brinca Ramos. 

Neste ano, os torcedores analisam o desmanche do Cubs e a queda do desempenho dos jogadores. “O time se desmanchou com várias trocas e não se classificou para os playoffs e, consequentemente, para a World Series 2021”, comentou Lopes. Já a visão de Ramos destaca que o time está em reconstrução, comandada pelo catcher de 2016, David Ross. “É provável que não tenha uma equipe competitiva tão cedo”, explica. 

Apesar de uma campanha decepcionante em 2021, Ramos destaca que o clube é um dos únicos que lotam os estádios independentemente da estabilidade: “Não é pra menos, afinal, é um dos quatro times mais populares da MLB e tem uma torcida fanática demais”.


O jejum do Cubs na cultura pop

É claro que uma história como essa não escaparia das graças da indústria. Enquanto os anos contavam incansavelmente aquela que parecia uma espera sem fim, escritores e roteiristas ao redor do mundo divertiam-se para encaixar o jejum do Cubs em suas narrativas. Só de ler em voz alta que “um time ficou mais de 100 anos na seca por conta de uma maldição protagonizada por um dono de bar e seu bode” já se tem pronto o roteiro de uma esquete. Em seguida, basta adicionar que “em uma campanha memorável, o time conquistou o título e quebrou de vez a maldição” e pronto, o mais novo clássico da sessão da tarde está feito.

Brincadeiras à parte, 108 anos foi tempo o suficiente para que a indústria audiovisual se apossasse do drama vivido pelo time de Chicago e logo o transformasse nos mais diversos e esdrúxulos tipos de piada. De simples zoações à prelúdios do apocalipse, alguns dos mais bem conceituados filmes e séries do mundo — outros dos menos também — encheram suas telas com referências ao Cubs.

É impossível falar de cultura pop e Chicago Cubs na mesma frase e não citar um dos maiores clássicos do cinema, De Volta para o Futuro 2 (Back to the Future II, 1989). A continuação das aventuras de Doutor Brown e Marty McFly viaja 26 anos para o futuro até desembarcar em 2015. Neste futuro imaginário, o roteirista Bob Gale arrisca algumas previsões e brinca com outra boa parte delas. Dentre elas, destaca-se a conquista da World Series pelo Cubs naquele mesmo ano.

Cena do filme De Volta para o Futuro 2. [Reprodução/YouTube]

A cena do filme mostra McFly de frente a um holograma que anuncia a vitória do Chicago Cubs contra o Miami Marlins no jogo decisivo da World Series, o que delimitaria a quebra de um jejum de 107 anos. A mais ousada e improvável adivinhação do roteirista quase acertou em cheio, mas foi arruinada por uma eliminação dos Cubs na final da National League contra o New York Mets, como comenta Jean Ramos: “Lembro de uma reportagem a respeito daquela série contra os Mets, havia uma expectativa grande sobre o que estava no filme se concretizar na vida real e infelizmente não aconteceu”.

Jean, inclusive, desenvolveu uma relação íntima com o longa de 89. O estudante conta que conheceu o Cubs justamente através do holograma em De Volta para o Futuro 2. “Fiquei curioso quanto a isso e fui atrás de mais informações, mas nada ainda muito aprofundado. No ano de 2015, eu pesquisei mais sobre a MLB e beisebol e fiquei curioso quanto ao possível título que poderia acontecer dos Cubs”.

Fora a previsão de Bob Gale, vale passar por alguns outros momentos que o Cubs deu as caras nas telinhas e telonas. A começar por Os Simpsons (1989-atualmente), que nas últimas três décadas de transmissão fez do time de Chicago uma figurinha repetida. As menções variam entre demonstrar como é infeliz a vida de um torcedor do Cubs, reduzir a história recente do time a uma piada de mau gosto e apontar que a conquista de um título seria o equivalente à premonição do fim dos tempos.

Outras séries como Uma Família da Pesada (Family Guy, 1999-atualmente) também entraram na zoação. Neste caso, a mais notável referência faz alusão ao chamado Caso Steve Bartman — o torcedor “maldito”. O caso real ocorreu no ano de 2003, quando Steve, sentado na arquibancada do estádio, atrapalhou Moisés Alou (jogador do Cubs) a recuperar uma bola a caminho do home run ao tentar segurá-la de dentro da plateia. O resultado do incidente foi a confirmação do home run para o time adversário — Florida Marlins — e a decorrente virada da equipe contra o Chicago Cubs na final da National League. Na série animada, o personagem Stewie Griffin aparece sentado ao lado de Bartman insistindo para que ele interfira no lance.

Referência a um episódio envolvendo um torcedor do Chicago Cubs na série animada Family Guy
Bartman representado na série animada Family Guy. [Reprodução/Family Guy Wiki]
Por fim, ainda vale mencionar as imitações do falecido locutor esportivo Harry Caray por Will Ferrell no programa “Saturday Night Live”; o impressionante acerto da previsão do título do Chicago Cubs em 2017 em “Parks and Recreation”; as inúmeras referências à equipe em Meus Meninos, que chegaram inclusive a gravar um episódio com um jogador do elenco; além de uma série de filmes como Sobre a noite passada, A separação, Recruta do Ano, entre outros.


Como era o mundo em 1908?

Que o número 108 é monstruoso e surpreende a qualquer um não é surpresa. Trata-se de mais tempo, por exemplo, do que os anos de vida da Rainha Elizabeth II conosco na Terra. Treze anos a mais do que isso, para se ter uma ideia. Mas mesmo que impressione logo à primeira vista, é natural que se pergunte: o quão diferente era o mundo no longínquo ano de 1908? Como é compará-lo com o mundo de hoje?

Infelizmente, não será possível comparar as músicas mais ouvidas no Spotify ou os jogos de videogame mais populares de cada momento. No entanto, não é preciso abordar temas tão recentes para que se faça uma comparação interessante — ou melhor, para que não se consiga fazê-las. Também não é possível comparar os melhores skatistas

Um dos primeiros filmes já produzidos, “Le Voyage dans la Lune” (1902), de Georges Méliès. [Reprodução/Wikimedia]
de cada época, as medalhas olímpicas brasileiras, as  melhores campanhas no campeonato brasileiro, os vencedores de Copas do Mundo de futebol e os esnobados no Oscar, Emmy ou Globo de Ouro. Para falar a verdade, poucas pessoas reconheceriam sequer a palavra cinema, caso fosse pronunciada em uma mesa de bar. Tudo isso não existia.

A respeito dos bares, sobre o que conversariam aqueles que passam a tarde com uma cerveja na mão? A depender do mês, ao certo não estariam por assistir um jogo do hoje líder do brasileirão, Atlético Mineiro, que foi fundado em Março daquele ano. Na verdade, mal estariam “assistindo” ao jogo. Não nos bares, é claro. Visto que a televisão só começou a ser amplamente comercializada no Brasil na década de 1950. 

Então os torcedores teriam que ir diretamente ao Maracanã, Pacaembu, Mineirão, Beira Rio ou até mesmo à simpática Vila Belmiro para testemunhar os jogos, certo? Também não. Para que se tivesse a sorte de assistir um jogo em pleno estádio, os entusiastas do esporte bretão deveriam se dirigir até Pelotas no Rio Grande do Sul, no  chamado Boca do Lobo, inaugurado naquele mesmo ano.

Nada impede, porém, que a discussão girasse em torno do título estadual do Fluminense no Rio de Janeiro, ou do Paulistano em São Paulo. Para comentar notícias internacionais já era um pouco mais complicado, mas a depender de um competente informante, a mesa estaria pronta para falar sobre a conquista do campeonato inglês pelo United, o título do espanhol pelo Real Madrid ou até mesmo a vitória da seleção inglesa nos Jogos Olímpicos de Londres, que contava até com pintura entre seus esportes. 

Os Jogos Olímpicos de Londres em 1908. [Reprodução/Wikimedia]
Fora isso, no Brasil, provavelmente se estaria a reclamar do governo já republicano e democrático de Afonso Penha. Em outros momentos, poderia se lamentar a morte de um dos maiores escritores da língua portuguesa, Machado de Assis. E caso o tema das grandes mentes do mundo se prolongasse, nada impediria que a conversa fosse parar em nomes como Ernest Rutherford e seu Prêmio Nobel de Química.

Para arrebatar, vale ressaltar como o nome do Chicago Cubs pouco frequentou as mesas dos bares. Melhor dizendo, não frequentou em clima de festa. Os únicos dois pontos no tempo que, desde então, animaram o torcedor boêmio estão separados por um bode e 108 anos de muita história.

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