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Observatório: Clima e Gestão Pública – por que os desastres acontecem?

Entre os dias 02 e 03 de março, fortes chuvas causaram desmoronamentos de terra em diversas áreas do litoral paulista, em especial na cidade de Santos. Até o dia 05, o número de mortos em Santos, Guarujá e São Vicente era de 29 pessoas, além de dezenas de desaparecidos e desabrigados. Desastres como esse acontecem …

Observatório: Clima e Gestão Pública – por que os desastres acontecem? Leia mais »

Entre os dias 02 e 03 de março, fortes chuvas causaram desmoronamentos de terra em diversas áreas do litoral paulista, em especial na cidade de Santos. Até o dia 05, o número de mortos em Santos, Guarujá e São Vicente era de 29 pessoas, além de dezenas de desaparecidos e desabrigados. Desastres como esse acontecem com frequência no Brasil, principalmente durante o verão. Fatores como o clima e a gestão pública podem estar envolvidos tanto na prevenção quanto na explicação desses eventos.

 

Os desmoronamentos na Baixada Santista

Maria Eduarda Alcântara da Silva, 19 anos, é moradora do Morro São Bento, em Santos. Esse foi um dos locais mais atingidos pelos recentes deslizamentos de terra: lá, uma família de cinco pessoas acabou morta em decorrência do acidente. Segundo Maria, que mora no local desde que nasceu, ela já havia visto muitos desmoronamentos, mas nunca nesse nível. “Deslizava de todos os lados, parecia que a gente não tinha saída. E a gente realmente não tinha como sair do morro, tanto que na terça-feira, depois das chuvas, eu não consegui nem trabalhar, porque estava tudo fechado. Foi muito surreal, parecia que o mundo estava desabando”, conta a jovem.

Deslizamento em Santos
Busca por moradores desaparecidos no Morro São Bento, na baixada santista [Imagem: Reprodução/Felixx Drone (G1)]

Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em 24 horas choveu cerca de 239 mm em Santos, o que ainda foi abaixo da média de 257mm. Maria Eduarda fala que é comum ocorrer esse tipo de acidente durante a temporada de chuvas na região, mas eles costumam acontecer mais em áreas isoladas. “Nunca aconteceu de tantos lugares deslizarem ao mesmo tempo, e também não eram acidentes tão graves. Muitas vezes pessoas perdem casas lá, barrancos caem, isso ocorre praticamente toda época de chuvarada”.

As chuvas causaram diversos transtornos: além dos desmoronamentos de morros e barrancos, vias foram interditadas ou alagadas e serviços como transporte e fornecimento de energia foram afetados. A questão climática pode explicar os fatos, mas não justificar sua gravidade. Uma reportagem do G1 explica que nas épocas mais chuvosas, como os primeiros meses do ano, as tempestades acabam gerando deslizamentos em áreas que já estão encharcadas com as chuvas constantes. Diante de fatores como a ocupação de morros e barrancos, a retirada da vegetação e a existência de áreas com risco de desmoronamentos pelo relevo, o perigo de tragédias como essa ocorrerem é alto. 

“Hoje as recomendações são: se você está em área de risco e perceber que está chovendo muito, tem água barrenta, estalo de rochas, essas coisas todas, é para sair. Mas muitas pessoas não tem lugar para ir, então é por isso que a gente fica nessa incerteza. Porque a gente mora no local de risco, a gente sabe disso. Mas não temos para onde ir”, conta a moradora. O sentimento que fica é de insegurança e incerteza, já que não são vistas mudanças na situação do morro e a temporada de chuvas continua.

 

Resquícios do passado: os desastres em São Paulo e Minas Gerais

Os desastres envolvendo chuvas e desmoronamentos ocorridos no ano de 2020 não ficam restritos à Baixada Santista. No início do ano, Minas Gerais e, principalmente, sua capital passaram por um quadro calamitoso envolto em tempestades e desabamentos. Para se ter uma ideia, mais de 200 cidades ficaram em estado de emergência, inclusive com algumas em estado de calamidade pública. 

Em termos de volume de chuva, o acumulado em Belo Horizonte alcançou 171,8 milímetros no dia 24 de janeiro, o que já o coloca como o dia mais chuvoso da história da cidade, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). A explicação climática para o evento foi de que isso ocorreu devido à umidade derivada da zona de convergência do Atlântico Sul, algo que ocorre durante o verão e que cria chuvas no Norte, Centro-Oeste e no Sudeste. Isso, combinado a mais frentes frias vindas do litoral (entre outros fatores), fizeram com que as chuvas em Minas Gerais, e até no Espírito Santo, fossem mais fortes do que o usual. 

Imagem que demonstra as consequências do deslizamento de terra ocorrido em Morro Das Pedras, bairro de Belo Horizonte
Imagem que demonstra as consequências do deslizamento de terra ocorrido em Morro Das Pedras, bairro de Belo Horizonte [Imagem: Elton Lopes/TV Globo]

No início de janeiro, era previsto que chuvas mais fortes chegassem em Minas Gerais, mas não da forma como ocorreu. “A gente precisa aprender a conviver com a incerteza da previsão; ou seja, trabalhar com previsões probabilísticas e tomar ações com base na probabilidade de ocorrência de um determinado evento”, afirma o professor Pedro Leite da Silva Dias, em reportagem para o Jornal da USP

Esse mesmo tipo de imprevisibilidade ocorreu em São Paulo, região metropolitana, no dia 10 de fevereiro. A cidade foi atingida pelo dobro de chuva do que estava previsto, o que acabou gerando enchentes e grandes problemas na capital.. Não podemos deixar de perceber certas semelhanças em ambos os desastres: indício de alterações profundas no clima de todo o planeta. Descongelamento da calota polar, furacões, chuvas intensas e até o nível do oceano também são indícios que cada vez mais o mundo passa por alterações climáticas. 

De acordo com o pesquisador Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP, “esse tipo de chuva com alto volume de água em poucas horas, cerca de 150 mm em 24 horas, é um fenômeno raro, porém está ficando cada vez mais frequente. Se olharmos a década de 1940, São Paulo tinha episódios de chuva acima de 100mm em 24 horas uma vez por década. Nos último anos, nós estamos tendo uma média de chuva dessa intensidade uma vez por ano”.

O que podemos prever é que a população mais vulnerável é a que mais sofre com esses desastres climáticos. Mas o que poderia ser feito para minimizar os efeitos sentidos nesses desastres? Se sabemos que isso será cada vez mais comum, como podemos nos preparar?

Os reflexos sentidos pela Cidade de São Paulo após chuvas intensas e muita enchente
Os reflexos sentidos pela Cidade de São Paulo após chuvas intensas e muita enchente [Imagem: Celso Tavares/G1]

 

A gestão pública nos desastres ambientais

Existem ações que podem ajudar a evitar tais desastres: obras de infraestrutura e drenagem de água são algumas medidas apontadas como preventivas para desmoronamentos. “Essa drenagem capta a água da chuva antes dela infiltrar no terreno, como também há sistemas de drenagem que captam a água que já foi infiltrada… O ideal seria realocar esses moradores para locais mais seguros”, falou o engenheiro Maurício Erlich, professor de geotecnia da Coppe/UFRJ, ao G1 em 2011, quando eram discutidos os deslizamentos ocorridos na região serrana do Rio de Janeiro.

Maria Eduarda Alcântara, afetada pelo acontecimento mais recente, conta que as medidas preventivas, como obras que poderiam ser empreendidas, não acontecem na região. “Nos morros não têm muitas mudanças, não têm obras, muros de arrimo para poder conter esses barrancos. Reformaram a ponta da praia, vários lugares. Mas as zonas de risco, as áreas que colocam vidas em risco realmente, que moram ali porque não têm para onde ir, o governo não olha tanto para a gente”. 

Ainda segundo a moradora, a atuação do governo local no desastre foi bem presente. Eles deram atenção, foram prestar socorro e alguns vereadores inclusive colocaram “a mão na massa”, ajudando na situação do morro. Agora, ela diz que serão feitas reuniões para deixar todos os moradores de áreas de risco inteirados da situação, e auxílios moradias serão disponibilizados. Maria Eduarda classifica a gestão pública como “esperada, mas não extraordinária”. “Não temos obras ali com freqüência. Só fazem alguma coisa quando o desastre já aconteceu”, completa ela. 

Essa frase citada por Maria Eduarda é o demonstrativo de que medidas poderiam ser tomadas antes do pior acontecer. Temos que perceber que o clima visto atualmente é o clima que veio para ficar, e a partir disso, lideranças políticas e poder público devem atuar em conjunto pensando no bem comum. Geralmente, ninguém está preparado para desastres dessa magnitude, justamente por não pensarmos em maneiras de nos adaptarmos ao clima atual, que é esse: imprevisível e afetado pelos problemas ambientais vistos ao redor do mundo, ou até mesmo aqui, como por exemplo, os desmatamentos vistos na região amazônica

“A gente só queria que os nossos impostos fossem revertidos para nós, de fato, podermos ter segurança. Por muitos anos não tem tido auxílio, nem obras do governo naquela área. Aqui tem muitos locais com deslizamento freqüentes, mas não vemos ação nenhuma em relação a isso. Ficamos preocupados, mas não temos para onde correr, então a gente acaba ficando ali, colocando nossa vida em risco”, desabafa Maria Eduarda.

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