Por João Pedro Malar (joaopedromalar@gmail.com)

Quando pensamos nas causas do aquecimento global, é comum que venham a nossa cabeça imagens de grandes indústrias ou carros e caminhões emitindo fumaça ou devastadoras queimadas. No entanto, esses não são os únicos agentes responsáveis pelo fenômeno. Os nossos hábitos alimentares contribuem, e muito, com o processo, mas como isso ocorre? E existem alternativas para eles?
Primeiro, é importante lembrar o que é o aquecimento global. Ele ocorre quando há um aumento da concentração dos gases associados ao efeito estufa — fenômeno em que a atmosfera terrestre absorve parte da radiação emitida pelo Sol, sob a forma de calor. Com uma quantidade maior de gases estufa — em especial o metano (CH4) e o gás carbônico (CO2) — a Terra retém mais calor, elevando a temperatura global e gerando diversos impactos ambientais. Mas, afinal, como as nossas escolhas na hora de nos alimentarmos influenciam nisso tudo?
O grande problema
Uma constante na sociedade atual é o alto consumo de carne, em especial a carne bovina, e é esse produto que mais contribui para o aquecimento global. A contribuição é feita principalmente durante a criação do gado para o abate, já que os animais emitem gás metano em grande quantidade, resultante do processo de digestão do alimento ingerido por bois e vacas.
De acordo com dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeeg) de 2014, a agropecuária foi a grande responsável pela emissão de gases no Brasil, seja indiretamente com o desmatamento de áreas para pastagens e áreas de plantio, ou diretamente com a emissão de gás metano por parte do gado bovino. Em 2014, essa última emissão chegou a 358 milhões de toneladas.
Se hoje o Brasil é um dos dez maiores emissores de gases de efeito estufa no mundo, a responsabilidade é do setor agropecuário, mas também da alta demanda por carne bovina que estimula esse setor. Vale ressaltar, porém, que essa situação não é global. Segundo Marco Antônio Trindade, professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (FZEA-USP), a parcela de contribuição da pecuária na emissão de gases estufa por um país é variável. Nos Estados Unidos, por exemplo, ela é bem menor, já que o país possui uma matriz energética mais poluente. Como a matriz brasileira é mais limpa, a porcentagem de contribuição gerada pelo gado bovino se destaca.
Já Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), ressalta que, hoje, há um alto grau de desperdício de comida, portanto ainda é possível aumentar a eficiência da criação de gado e assim diminuir as emissões, mas isso não teria um impacto significativo. Outro fator é que, segundo o professor, conforme a economia dos países da África e da Ásia cresce, a capacidade de consumo da população irá aumentar, e então ela tenderá a consumir carne bovina, culturalmente associada a uma classe social superior. Isso aumenta a demanda pelo produto e gerando a necessidade de criar mais cabeças de gado, intensificando a liberação de metano. Tal situação já pode ser observada na China.
Mas por que consumimos tanta carne bovina? Segundo Marco Trindade, a carne no geral é mais consumida pelo seu alto valor nutricional e pelo seu gosto. Já a carne bovina em específico despontaria dentre as demais, devido ao seu melhor sabor. Entretanto, também existem vantagens que vão além do paladar humano. O professor explica que a criação de gado bovino ocorre, geralmente, em áreas com um solo mais pobre, onde apenas gramíneas conseguem crescer, com isso dando uma utilidade para a área, que, do contrário, ficaria abandonada e improdutiva.

É interessante observar, porém, que até em países que tradicionalmente privilegiam a carne bovina, outros tipos de carne vem ganhando espaço. É o caso do Brasil, onde a carne de frango já se tornou o tipo de proteína mais consumida, em especial pelo baixo preço do produto, devido, principalmente, aos menores custos de criação desses animais. Mesmo assim, a carne bovina ainda é um dos principais produtos de exportação do país, que é o maior exportador do alimento no mundo e possui o segundo maior rebanho mundial.
Outro dado importante é que, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os abates de bovinos aumentaram em 2017 em comparação ao ano anterior, chegando a 7,98 milhões de cabeças. Além disso, também houve um aumento do número de cabeças por hectare pela primeira vez desde 2006.
As soluções
Para Paulo Artaxo, hoje não há uma alternativa viável que conseguiria substituir por completo a carne bovina na nossa alimentação. Ele ressalta, porém, que existem projetos que visam reduzir a emissão de metano pelo gado. Recentemente, a Embrapa (Empresa brasileira de pesquisa agropecuária) tentou utilizar antibióticos que selecionassem as bactérias presentes no rúmen dos bois, responsáveis pela produção de metano a partir da digestão dos vegetais ingeridos pelos animais. O objetivo era que apenas bactérias que emitissem menos metano sobrevivessem. A tentativa, porém, trouxe consequências indesejadas.
Tanto Artaxo quanto Trindade ressaltam que existem outras tentativas de aumentar ou manter a eficiência da produção de carne bovina reduzindo a quantidade de gás metano emitido. A redução observada, porém, não é significativa.
No fim, a solução mais efetiva e praticável partiria dos próprios consumidores: a redução do consumo de carne bovina. Pesquisas já apontam que não é necessário consumir carne diariamente, e que o próprio consumo excessivo pode fazer mal à saúde. É importante, porém, que tenhamos a presença desse alimento no nosso cardápio, devido ao seu grande valor nutricional. Buscar alternativas, como vegetais e outros tipos de carne, é uma solução viável. Com isso, há uma limitação do consumo e demanda de carne, o que levará a uma redução da quantidade de bois criados e, assim, uma diminuição da quantidade de metano emitido.
As alternativas
Uma das mais recentes propostas de alternativa para a carne bovina é a carne artificial. A ideia seria gerar, em laboratório, uma carne com as mesmas propriedades da proveniente de um boi, eliminando, assim, a emissão de metano. Artaxo ressalta, porém, que hoje existem apenas pesquisas laboratoriais, e ainda não há tecnologia para uma produção em larga escala.
Segundo Marco Antonio Trindade, o processo é, atualmente, muito caro e consumiria uma grande quantidade de recursos materiais. Se hoje a criação de gado já demanda uma alta quantidade de água para consumo, a produção de carne artificial demandaria ainda mais, tendo um alto impacto ambiental. O professor classifica o produto como “o pior dos dois mundos”.
Uma outra alternativa seria o consumo de carnes de frango e porco. A carne de porco, no entanto, demanda alguns cuidados na preparação, evitando assim a ingestão de parasitas que podem estar presentes no produto. Esse tipo de carne também apresenta um teor de gordura maior que outros tipos de carne, portanto não deve ser consumida diariamente. Já a carne de frango pode trazer alguns problemas para a saúde devido ao uso intenso de vacinas e hormônios na criação dos animais que, acumulados no nosso corpo, são prejudiciais à saúde.
Em relação ao consumo de peixes, outra alternativa, Juliana Galvão, técnica do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), explica que o processo possui “padrões de qualidade, tanto da água de cultivo quanto da matéria prima [o pescado] que será consumida”, tudo determinado pela legislação atual do Brasil. Hoje em dia, essa criação está em expansão pelo país, registrando um grande crescimento no ano de 2017 em comparação com o de 2016.

O consumo de peixes é uma boa alternativa, em especial devido ao seu excelente valor nutricional — inclusive contendo nutrientes não encontrados em outros tipos de carne. Mas deve-se ressaltar que a criação de pescados também possui impactos ambientais, atrelados principalmente ao consumo de água no processo. Galvão explica que, para reduzir esses impactos, é essencial a presença de especialistas na área de criação de pescados para consumo humano, orientando todo o processo.
No geral, é recomendado uma alternância entre os quatro tipos mais comuns de carne: bovina, de frango, suína e de peixe. Mesmo assim, ainda existe uma outra possibilidade: a carne de insetos.
De acordo com Eraldo Medeiros Costa Neto, professor de Ciências Biológicas da Universidade de Feira de Santana e um dos maiores especialistas na área de consumo humano de insetos, os insetos seriam uma fonte de alimento importante e, muitas vezes, negligenciada em países ocidentais. O professor ressalta, porém, que esse alimento possui diversas vantagens, ambientais e nutricionais. Uma formiga saúva, por exemplo, chega a ter 70% de proteína em seu corpo, enquanto um boi possui 23%.

Outro fator importante é que os insetos eliminam uma quantidade muito menor de metano do que o gado bovino, e a criação dos mesmos demanda menos recursos que a de outras fontes de carne. Analisando tudo isso, por que o interesse por essa fonte de alimentos é tão baixo?
Costa Neto explica que a principal causa dessa rejeição é cultural. Os insetos são associados a doenças e, desde crianças, acaba-se criando uma aversão aos mesmos. Segundo o professor, o maior desafio em relação ao consumo de insetos é “vencer a barreira que diz que inseto é praga, um ser daninho, que não é comestível.” E ressalta que “vencendo a barreira cultural, as pessoas vão perceber que [os insetos] são tão gostosos e nutritivos quanto qualquer outro animal.” Hoje, a criação de insetos busca garantir que eles estejam apropriados para o consumo, sem doenças.
Além do problema cultural, que limita seu consumo, no Brasil é proibida a criação de insetos para consumo humano, podendo ser usados apenas como ração para animais. Hoje a produção ainda é muito pequena em relação à demanda para o uso como ração. Na Europa, por exemplo, há uma regulamentação em relação ao consumo de insetos, que já podem ser comprados em supermercados, mostrando o atraso do Brasil nessa área.
Uma última alternativa é aumentar, também, o consumo de vegetais, como a soja. Uma dieta rica em vegetais garante uma ampla gama de nutrientes, e consegue reduzir substancialmente a necessidade nutricional de consumo de carne. Vale ressaltar, porém, que esse consumo pode incentivar a expansão de uma agricultura monocultora e latifundiária, responsável por um grande desmatamento que contribui para o aquecimento global. Além disso, há o uso de agrotóxicos e defensivos agrícolas, que em excesso podem ser prejudiciais à saúde. Uma solução seria o consumo de produtos orgânicos ou de produção familiar, que, no entanto, são mais caros e menos acessíveis.
No geral, é possível observar que todo alimento possui seus prós e contras, e não é apenas porque um alimento possui impactos ambientais que devemos eliminá-lo da nossa dieta, já que com isso estaremos eliminando também todos os importantes nutrientes que ele nos fornece, e é exatamente esse o caso da carne bovina. Deve-se, porém, buscar um consumo responsável, equilibrado e variado, garantido os diversos benefícios à saúde que os alimentos, e a carne bovina, trazem e contribuindo menos com a perpetuação de impactos ambientais.