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Conheça o esporte que foi sensação na Mesoamérica pré-colombiana

A popularidade dos jogos com bola nos dias atuais é imensa. Além de serem modalidades olímpicas há um bom tempo, esses esportes geram eventos próprios com investimentos absurdos e que geram mobilização dos fãs a nível global, como a Copa do Mundo da FIFA, o Super Bowl e a NBA. O que pouca gente sabe, …

Conheça o esporte que foi sensação na Mesoamérica pré-colombiana Leia mais »

A popularidade dos jogos com bola nos dias atuais é imensa. Além de serem modalidades olímpicas há um bom tempo, esses esportes geram eventos próprios com investimentos absurdos e que geram mobilização dos fãs a nível global, como a Copa do Mundo da FIFA, o Super Bowl e a NBA.

O que pouca gente sabe, no entanto, é que um jogo de bola já fazia sucesso e concebia cerimônias de grande porte há milênios na Mesoamérica (região da América Central que engloba parte do México, Belize, Guatemala, El Salvador e Honduras), muito antes da chegada dos europeus. Um esporte de muitos nomes, referido pelos maias como pok ta pok ou pitz, pelos astecas como tlachtli ou ullamaliztli, e pelos futuros colonizadores espanhóis como juego de pelota. No final, ficou conhecido como jogo de bola mesoamericano. 

Disputado por duas equipes de sete homens, o objetivo do jogo era fazer a bola passar por um aro de pedra preso na parede, o que só precisava ocorrer uma única vez para o jogo terminar. Uma tarefa que seria simples, não fosse o fato de que, para tal, era permitido usar apenas o quadril, joelhos e cotovelos, sendo esses dois últimos bem menos explorados. Além disso, os jogadores não podiam reter a posse da bola, o que os levava a passá-la adiante ou tentar o ponto com apenas um toque. Essas condições eram tão dificultosas que faziam muitas partidas durarem mais de seis horas.

Aro usado no esporte
Exemplo de aro usado no jogo [Imagem: Kåre Thor Olsen/Wikimedia Commons]

Os campos de jogo tinham geralmente formato de “I”, e suas medidas variavam muito de lugar para lugar. Consistiam basicamente em duas paredes, geralmente inclinadas, cada uma comportando um aro para cada um dos times. Entre elas, um comprido e estreito corredor de terra, que muito provavelmente fazia com que os jogadores saíssem imundos das disputas, visto que era preciso muitas vezes se lançar ao chão para propulsar a bola.

E a bola era ainda mais um agravante na complexidade do pok ta pok. Feita de borracha e com um diâmetro entre 25 e 30 centímetros, sua massa normalmente chegava a três quilogramas – extremamente pesada, visto que uma bola de futebol atual tem quase o mesmo diâmetro e não chega a 500 gramas. Isso obrigava os jogadores a usarem equipamentos de segurança, feitos de couro e madeira, que iam desde protetores para a bacia, joelheiras e cotoveleiras até capacetes, já que uma bolada acidental na cabeça poderia ser fatal.

Partida contemporânea de pok ta pok realizada em Xcaret, no México, conforme as regras tradicionais

 

É importante pontuar também que esse esporte, diferentemente do que é visto hoje em dia, transcende o mero entretenimento ou lazer. No caso dos povos mesoamericanos, no geral, esse jogo apresentava grande importância religiosa, podendo ser considerado um esporte ritualístico, o que aumentava o apego da população aos eventos. Prova disso é que, apesar da colonização e da passagem do tempo, muitas quadras, além de outras estruturas associadas ao esporte, encontram-se conservadas, além de gravuras em paredes, troféus enterrados próximos à pessoas, que talvez sejam seus ganhadores, e bolas encontradas próximas a tributos religiosos.

No quesito religioso, além de oferendas, músicas e danças ritualísticas antes do jogos, alguns registros indicam que a partida podia acabar em sacrifício do capitão do time perdedor ou mesmo deste por completo (algo que varia de povo em povo, como veremos adiante). Levando em conta a religião da época, sacrifícios deste tipo não eram vistos como uma barbárie mas sim como algo natural aos olhos do povo da época.

Sobre isso, o historiador Danilo Figueiredo, autor de um artigo sobre o esporte, explica que não é possível dizer informações desse tipo com 100% de certeza, já que muito do conhecimento atual sobre os povos pré-colombianos vem de inferências feitas pelos historiadores a partir dos vestígios ainda existentes. Porém, ele particularmente acredita que o esporte “fosse sempre associado a uma prática religiosa, até pelo modo de organização daquelas civilizações, que eram, de certa forma, teocêntricas”. 

Ele ainda disserta que, segundo a teoria dos modos de produção marxistas, essa civilização se encontraria no modo de produção asiático, pois era “onde tudo acontecia em função da religião”. Esse pensamento é ratificado por Maria Ângela Barbato Carneiro, professora da PUC, que diz que pelo menos entre os Olmecas, Toltecas, Astecas e Maias pode-se concluir que a religiosidade era intimamente atrelada à prática do tlachtli.

O jogo era realmente muito popular alguns séculos atrás. Porém como ele chegou nesse nível? O esporte, em sua primeira forma, começou com os olmecas, povo pré-colombiano que habitou o centro-sul do atual México, sendo considerados como donos da cultura-mãe da Mesoamérica.

O povo olmeca, em seu auge, conseguiu diversas colônias através das Américas, construindo cidades que serviam de controle direto para o povo da região, e que, após a decadência dos dominadores, puderam florescer e tornarem-se independentes com culturas únicas. Talvez por causa dessa grande presença, o jogo de bola tenha se disseminado com tanta facilidade para os mais diversos povos da Mesoamérica.

A partir daí, diversos povos através da história começaram a praticar o jogo antes da colonização espanhola, que, naturalmente, impediu os locais de continuarem com suas tradições esportivas. Fora os maias e astecas, representantes mais famosos dessa região e da prática desse esporte, outros praticantes foram os zapotecas e os toltecas.

O jogo, porém, morreu após a colonização espanhola. Segundo Danilo, é certo que eles tenham presenciado algumas partidas enquanto eram convidados do rei dos Astecas. Porém, eles provavelmente não continuaram a tradição pois, no geral, nada da cultura indígena foi preservado, já que os espanhóis viam a sua cultura como superior.

Maria Ângela corrobora esse ponto de vista, dizendo que “havia o interesse em destruir a cultura indígena para submetê-la ao trabalho escravo”. Ou seja, parte de dominar um povo era apagar sua cultura, para que esse perdesse uma identidade pela qual lutar.

Apesar da sua forte dispersão, não havia exatamente uma unidade na prática do tlachtli pela região. Existem várias diferenças detectáveis entre os modos como cada povo lidava com o esporte. “A hipótese de que fosse o mesmo jogo em todos os locais é praticamente nula, não é viável. Estamos falando de século XVI para trás, não existiam federações, nem redes sociais, e mesmo os meios de comunicação eram extremamente precários, portanto as coisas eram bem mais regionalizadas. Há uma forma similar de se jogar, mas existiam diferenças muito maiores entre uma mesma prática de lugares para lugares”, explica Danilo.

As dimensões do campo de jogo são exemplo disso. No sul do México, o campo de Monte Albán, capital da antiga civilização zapoteca, era bem pequeno, e abrigava em torno de cem pessoas nas arquibancadas. Já o estádio de Tenochtitlán, capital do Império Asteca localizada no México central, provavelmente conseguia comportar entre cinco e dez mil espectadores. Mas o recorde vai para Chichén Itzá, importante cidade maia localizada na península de Yucatán. Lá, as proporções da ainda conservada quadra são gigantescas, e a capacidade gira em torno 30 mil pessoas.

Campo de esporte maia
O campo de Chichén Itzá é maior do que um campo de futebol [Imagem: Brian Snelson/Wikimedia Commons]

As paredes do campo de Chichén Itzá também se caracterizam por serem retas ao invés de inclinadas. Esse formato alternativo, somado à imensa distância da argola ao chão, dificultava ainda mais o jogo. Para piorar, cada time possuía um capitão (provavelmente o mais experiente), e este era o único que podia marcar um ponto. Talvez isso seja a explicação para o fato de vestígios mostrarem, exclusivamente nesta cidade maia, a utilização de raquetes para acertar a bola. O jogo talvez estivesse evoluindo devido à sua prática recorrente e importância no cotidiano desta cidade.

A diferença mais chocante, no entanto, está relacionada ao pós-jogo. Em Tenochtitlán, sabe-se que o ullamaliztli era provavelmente praticado por cidadãos que haviam se tornado escravos por dívidas. Mas esta situação poderia se reverter, já que quem marcasse o ponto na partida ficava depois sozinho no campo, recebendo ouro, joias e plumas arremessados pela torcida. Sendo assim, o atleta que decidisse a partida ascendia na sociedade e nunca mais precisava jogar. Em compensação, todo o time perdedor era sacrificado.

Já em Chichén Itzá a situação era totalmente diversa. Após o fim do jogo, o capitão do time perdedor decapitava o capitão do time vencedor. Isso ocorria pois, na cultura maia, ser sacrificado era uma grande honra e supostamente o tornava imortal. Essa morte era portanto a recompensa por ter decidido a partida.

Hoje em dia, depois de muitos anos de enterro embaixo da devastação espanhola, o esporte vem sendo revivido, começando, evidentemente, no México. Primeiramente, o esporte foi reavivado como show, sendo praticado no parque Scaret, na Riviera Maia, próximo a Cancun, sendo performado também, por exemplo, em Copas do Mundo de futebol.

Cerimônia de pok ta pok com explicações, parte da programação cultural da Copa do Mundo de 2006

 

A partir de 2015, uma Copa anual do esporte tem sido realizada pela Associação de Jogos e Esportes Autóctonos e Tradicionais de Yucatán. A primeira edição contou somente com jogadores mexicanos, mas já em 2017 também houve a participação de equipes de Honduras, El Salvador, Belize e Guatemala.

A competição conta com a participação de historiadores e antropólogos que ajudam na reconstituição da atmosfera e das regras do jogo. Nesse campeonato, os times são compostos por quatro pessoas que jogam duas metades de 15 minutos cada. Porém, a partida acaba assim que um ponto é marcado, não importando o tempo transcorrido, o que remonta à prática original no século XVI. Se os trinta minutos passarem sem o gol, o vencedor é decidido através de um sistema de pontuação que depende dos lances efetuados em campo. Por exemplo, sentar na bola acarreta a perda de três pontos. 

Além disso, alguns historiadores tem uma teoria interessante acerca do pok-ta-pok. Segundo a antropologia, quando duas coisas similares são inventadas em lugares distintos, houve, na verdade, uma difusão de uma área para outra. Por isso, crê-se que o Basquete, inventado pelo professor de educação física James Naismith em solo americano, tenha sido parte de uma certa difusão do jogo de bola mesoamericano. Assim o esporte, de maneira indireta, permanece presente até hoje.

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