Recebido com aplausos e vaias pela imprensa nos festivais de Veneza e Toronto, Mãe! (Mother!, 2017) é no mínimo intenso. O novo filme de Darren Aronofsky, de Noé (Noah, 2014) e Cisne Negro (Black Swan, 2011), conta com um quê onírico e se desenvolve como uma metáfora, misturando a fantasia e o real.
Com referências à história bíblica, o caráter de suspense do longa tem absoluto êxito — o desconforto e desespero da personagem de Jennifer Lawrence são transpassados com maestria para o espectador desde início, e a contínua sensação de perturbação se estende ao longo de suas duas horas. “Não quis fazer o público se sentir à vontade, assim como a personagem de Jennifer nunca está: jamais se sabe o que está para acontecer”, disse Aronofsky no Festival de Veneza.
A narrativa conta a história de um casal, interpretado por Lawrence e pelo espanhol Javier Bardem (os personagens não têm nomes). Javier dá vida a um escritor, famoso por algumas obras antigas e que está passando por uma crise criativa, um tipo de bloqueio mental que dificulta a escrita de um novo poema. A busca por inspiração é permeada pela tentativa por parte de sua esposa de reconstruir sua casa de infância, perdida em um incêndio, e com a qual a personagem de Lawrence tem uma conexão inexplicável.
Isolados no meio de uma mata devido ao palacete em que vivem, os dois passam por um eterno conflito de interesses: ela deseja viver num ambiente intimista, somente dos dois, em que possam construir uma família, terminar de reconstruir e decorar a casa, e no qual ele consiga retomar os trabalhos como escritor. Ele, entretanto, sente falta da glória e vive por isso, ama o fato de seus fãs o idolatrarem e busca inspiração entre seus abraços, tendo um imenso desejo inserido em si mesmo de ser venerado como um Deus.
Os conflitos de fato têm início quando um casal de estranhos (Michelle Pfeiffer e Ed Harris), também anônimo, confunde a gigantesca casa com uma pousada, e lá se instala por período indeterminado a convite do escritor. Visivelmente perturbada com a situação, a tensão entre a personagem de Lawrence e as outras cresce imensamente no decorrer do filme, levando a acontecimentos extraordinários.
O filme, então, toma proporções que excedem o nível de informações fornecido: os acontecimentos se desdobram de forma tão surreal que fica difícil comprar a narrativa. Apesar de graficamente bem feitos, os acontecimentos caóticos que se sucedem num efeito bola de neve deixam o espectador incrédulo — e não no bom sentido, de surpresa, mas por simplesmente não se encaixarem na linha de raciocínio e tornarem tudo confuso demais para ser compreendido. Vale destacar novamente que, apesar disso, Lawrence consegue por si própria transformar até esses momentos de exagero do roteiro em cenas interessantes, já que a sensibilidade e aflição da personagem são definitivamente os pontos altos do filme.
A falta de uma explicação convincente pode ser um artifício para expandir o leque interpretativo do público, deixando o caminho livre para que cada um o entenda sob sua própria ótica. O risco que se corre ao fazer isso está explícito na recepção do filme pela imprensa: há um gradiente de opiniões, que oscilam entre uma obra genial e uma péssima experiência. Sobre a dificuldade de compreensão da narrativa como um todo por parte do público, o diretor também disse que Mãe! é composto de metáforas, e que a maioria tem que ser buscada no pré-conhecimento dos espectadores. E deu a dica: “Um dos títulos do filme, enquanto estávamos rodando, era Dia 6. Então busquem em seus conhecimentos bíblicos para entender melhor como tudo se dá”.
Além disso, o longa demonstra muito bem um lado animalesco e irracional dos seres humanos, em que o ódio e a fúria tomam conta e destroem tudo o que há ao seu redor. Aronofsky comenta que a premissa veio a partir da observação do mundo atual, das relações de linchamento e degradação. Na coletiva de imprensa em São Paulo, o diretor explicou que a ideia era “capturar a intensidade que a violência realmente tem”.
Mãe! definitivamente foge do estilo comum ao gênero de suspense. As inúmeras reviravoltas, que podem confundir e deixar pontas soltas no meio do caminho, são indiscutivelmente muito impactantes, deixando o espectador atônito tentando entender o que de fato aconteceu. Esse fator, inclusive, pode ser decisivo para atenuar a distância entre opiniões sobre o longa. No Festival de Veneza, o diretor sintetizou bem a sensação causada pelo filme. Para ele, Mãe! “é um coquetel muito forte, e claro que haverá pessoas que não vão embarcar nesse tipo de experiência, o que é ok. (…) Esse filme é um passeio por uma montanha-russa que só será desfrutada por aqueles que estiverem preparados para as muitas voltas”.
Ame-o ou deixe-o, Mãe! tem estreia marcada para dia 21 de setembro. Confira o trailer abaixo:
por Giovanna Jarandilha
giovannajarandilha@gmail.com