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Observatório | COP 27 traz Brasil protagonista na defesa do meio ambiente e expectativas para o futuro

Evento sediado no Egito contou com a presença do presidente eleito Lula e contrastou entusiasmo do Brasil no cenário ambiental com a decepção diante dos poucos avanços globais

A 27ª sessão da Conferência das Partes, realizada entre os dias 6 e 20 do mês de novembro de 2022, foi sediada em Sharm El-Sheikh, no Egito, e reuniu cerca de 198 países. O evento foi crucial para a discussão sobre o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas, redução da emissão de gases do efeito estufa, e o cumprimento das metas decididas anteriormente, como o Pacto Climático de Glasgow, documento resultante da COP 26.

painel com símbolo da COP 27 no Egito
Entrada da COP 27 [Imagem: reprodução/YouTube UOL]

Uma das principais pautas cobradas ao Brasil e ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, convidado a participar do evento, foi o combate às mudanças climáticas e a preservação do meio ambiente, com ênfase na Amazônia. Outros tópicos como adoção de matriz energética e agricultura sustentáveis e igualdade de gênero também foram discutidos. Lula ainda recebeu um documento com mais de 200 páginas, elaborado por órgãos da sociedade civil, com 14 propostas centrais para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

 Além disso, houve a reivindicação, ainda que em caráter extragovernamental, de pautas voltadas para os povos originários. ONGs, entidades e instituições indígenas e com grande participação de jovens trataram de temas como a preservação dos biomas, a demarcação de terras indígenas e o garimpo ilegal.

O que é a Conferência das Partes e quais são seus objetivos?

A Conferência das partes (COP), criada em 1992, é um órgão supremo da Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. A partir de 1995, os países-membros signatários passaram a se reunir a cada ano para falar sobre a mudança climática, impactos ambientais e propor soluções para esses problemas.

Anualmente, são feitas seções das quais os países-membros participam e são os únicos com poder de voto. Jornalistas, ONGs e outros membros da sociedade civil podem participar como observadores. Como preparação para as seções, a delegação brasileira, comandada pelo Ministério das Relações Exteriores, realiza uma série de reuniões com ministérios, entidades estaduais, não governamentais, entre outros, em vistas a decidir o posicionamento do Brasil.

O Brasil na COP 27: retorno ao protagonismo? 

Segundo Bruno Araújo, geógrafo envolvido com as causas ambientais desde 2012 e mobilizador ativo pela proteção ambiental, há uma diferença grande quando se compara a participação brasileira na COP 26 àquela na 27° conferência. Ele afirma que o Brasil se mostrou, no decorrer dos anos, um agente importante nas negociações diplomáticas, apresentando propostas que, posteriormente, poderiam se tornar acordos internacionais. 

Para Bruno, porém, uma série de fatores culminou na descredibilidade do país nas causas ambientais, dentre os quais ele destaca o negacionismo da gestão Bolsonaro em relação às emergências climáticas. Nesse cenário, ele contrasta a atuação de Lula enquanto defensor da preservação dos biomas brasileiros à desvalorização da questão pelo atual presidente. “O Lula conseguiu já nessa primeira COP, mesmo sem ser presidente da República, elevar o Brasil novamente ao patamar que estava antes do governo Bolsonaro. O Brasil está de volta”, afirma.

Lula na COP 27: expectativas e promessas

Ainda que Lula não tenha comparecido à COP como chefe de Estado, tampouco via Itamaraty, uma série de pautas estava prevista no seu cronograma desde o período eleitoral, o que incluía, por exemplo, a mudança na atuação do Ministério do Meio Ambiente, hoje de comando de Joaquim Leite e anteriormente liderado por Ricardo Salles (PL-SP). Na comitiva do novo presidente estavam presentes duas ex-ministras: Izabella Teixeira e Marina Silva (Rede-SP), e nomes cotados para o cargo, como o do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

O geógrafo diz que a agenda implantada pelo novo ministério é mais relevante do que o nome em si, tendo em vista a grave situação socioambiental do país. “Eu acho que o Ministério do Meio Ambiente precisa atuar fortemente na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado, mas precisa também atuar na Caatinga, que é um bioma que só existe no Brasil e que precisamos proteger, pois está sendo muito desmatado, e na Mata Atlântica, de que só restam 12%”, explica.

Outro desafio identificado por Bruno na corrida pela preservação dos biomas brasileiros é o fortalecimento do garimpo ilegal, da mineração, das grilagens, do desmatamento e das queimadas para criação de gado. Ele aponta para a organização de milícias armadas como algo relevante nesse processo e que deve ser enfrentado, demandando a atuação da Polícia Federal, do Exército e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), por exemplo.

COP light: fora do Brasil, a imagem do evento é outra 

Se por um lado, no Brasil, a COP 27 trouxe ares otimistas para o futuro, por outro, a visão que o mundo teve do evento foi consideravelmente pessimista. Imaginava-se a implementação de novas metas relacionadas ao Acordo de Paris, visando a mitigar os efeitos do aquecimento global, por exemplo, o que não ocorreu. Por não trazer grandes inovações, nem seguir o que se previa, a Conferência do Clima de 2022 vem sendo chamada de COP light no exterior.

Bruno concorda com o diagnóstico, ainda que ressalte a relevância da aprovação do Fundo de Perdas e Danos para países vulneráveis, isto é, países cuja contribuição para o aumento das mudanças climáticas é baixa, mas cujo dano sofrido em virtude da atividade industrial de grandes potências é muito grande e potencialmente destrutivo a níveis de existência.

O geógrafo lamenta que um outro fundo, para a adaptação de países em desenvolvimento às mudanças climáticas, previsto para 2020-2025, não tenha saído do papel. Ele completa dizendo que a presença de lobistas da indústria petrolífera no evento fez com que os textos ficassem menos incisivos em suas propostas, trazendo como exemplo a troca do termo “eliminação”, por “redução”, e a regulação do mercado de carbono, que pressupõe a continuidade do uso de carbono. 

Em contrapartida à fragilidade do discurso trazido pela COP, Lula prometeu, entre outras coisas, zerar o desmatamento na Amazônia até 2030. Indagado a respeito dos riscos de assumir tamanho compromisso perante o mundo, Bruno aborda a questão sob uma óptica mais positiva: “É muito importante o Lula se comprometer com um desmatamento zero porque é um anúncio para o mundo de que agora tem alguém que vai ser responsabilizar por isso, mas sobretudo um anúncio para aqueles que estão destruindo a floresta”.

Ele completa falando sobre a visão global sobre a Amazônia: “Todo mundo olha para a Amazônia como a última floresta tropical do planeta, mas os países desenvolvidos destruíram suas florestas para dar lugar a atividades que gerassem lucro”. Bruno foi enfático ao dizer que deve-se colocar esse discurso em prática, com o uso de “pessoal, governança, fiscalização e controle”.

A COP para além do discurso oficial: povos originários e juventude ativista 

Para entender o impacto disso na vida dos povos originários sob sua óptica, o Observatório conversou com Marciely Ayap Tupari, do povo Tupari (Guerreiro da Noite, em português) que vive em Rondônia e esteve presente na COP 27, compondo o Fórum Indígena e a coordenação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)

Marciely começou sua vida de ativista na Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (Agir) e logo entrou para a Coiab. “Na assembleia geral da Coiab, fui eleita para fazer parte da coordenação executiva”, conta, com orgulho, a jovem de 23 anos que se tornou a mulher mais nova a alcançar esse posto.

imagem da ativista indígena Marciely Ayap discursando na COP 27
Não demorou muito para Marciely ser convidada a participar da COP 27, no Egito. [Foto: reprodução/Instagram @ayaptupari]

A ativista lembra que já tinha participado de encontros prévios pela Coiab antes de ir para a Conferência: o Caucus Indígena e a reunião da plataforma da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), e ressalta que as reivindicações durante esses eventos foram primordiais para que, no Egito, houvesse tradução para a língua portuguesa. “Principalmente os nossos parentes não entendem outra língua, as lideranças mais velhas mal conseguem falar o português, e muitas vezes nós do Brasil ficamos excluídos”, completa.

Ainda sobre a participação indígena na COP, a jovem aponta para uma questão latente: “Eles nunca chamam os povos indígenas. Muitas vezes, eles debatem sobre a gente, mas não chamam a gente para falar. Por que nos espaços em que acontecem as decisões sobre as florestas e sobre os territórios indígenas, não são os indígenas debatendo junto com eles?”, questiona. 

Ao mencionar o encontro com Lula, ela lembra que uma das reivindicações foi o alinhamento com o movimento indígena, tido como importante pela Coiab diante de uma eleição que favoreceu à oposição ao futuro governo no Congresso e em seu estado – o governador reeleito de Rondônia, Marcos Rocha (União Brasil), decidiu por ignorar a carta pela sustentabilidade na Amazônia, pelo menos até 2023. Apesar disso, Marciely comemora a eleição de Sônia Guajajara (Psol-SP) e Célia Xakriabá (Psol-MG) para a Câmara.

imagem de Lula sendo abraçado por ativistas indígenas
A presença de Lula na COP 27 foi vista com grande simbolismo pelos indígenas presentes. [Foto: reprodução/Oliver Kornblihtt @midianinja]

Sobre a criação do Ministério dos Povos Originários, proposta por Lula, Marciely vê com bons olhos, mas atenta para o fato de que o ministério vai precisar de recursos, e que sua incorporação não pode invalidar órgãos já existentes, como a  Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Ela salienta que a Funai deve ter, em seu quórum, pessoas a favor dos povos indígenas e da demarcação de seus territórios. 

A ativista finaliza destacando o papel da mídia e da mobilização dos próprios povos originários. “Nós tivemos muitos guardiões assassinados e a mídia não pautou isso. Fica a nosso cargo divulgar. No ano passado tivemos o primeiro encontro da rede de jovens comunicadores do Acampamento Terra Livre”, explica. Como alguém que faz parte desde cedo da comunicação da Coiab, ela valoriza a Coordenação, que através dos jovens divulga informações de dentro dos territórios e estimula outros a fazerem igual.

imagem do ativista Dinamam Tuxá discursando
Persistência: Dinamam Tuxá prega a continuidade da luta do movimento indígena na COP 27. [Foto: Mre Gavião (@mre_gaviao) para (@apiboficial)]

A reportagem do Observatório também ouviu o coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá, que esteve presente na Conferência. Ele conta que a atuação da Apib no Egito se deu, principalmente, no intuito de defender a demarcação de terras indígenas no Brasil como essencial no enfrentamento da crise climática no mundo. “No Brasil, 29% do território ao redor das terras indígenas está desmatado, enquanto dentro delas o desmatamento é de apenas 2%. Isso mostra o quanto a demarcação dos territórios ancestrais é essencial para a preservação da cultura e dos povos originários, mas também fator importante na luta por justiça climática”, explica.

Dinamam também fez críticas à postura do presidente Jair Bolsonaro frente aos povos indígenas: “Ele sempre incentivou a invasão dos territórios ancestrais e não fez questão de participar de nenhuma conferência climática. Este ano, com Lula eleito, estamos mais otimistas, porém a luta não para, temos um longo caminho de reconstrução da agenda indígena no país”, reitera.

O coordenador diz estar acompanhando o gabinete de transição de Lula, e que a Apib tem organizado, a partir do Grupo de Trabalho (GT) de Governança Indígena, um Plano de Governança Indígena para os primeiros 100 dias do novo Governo, que será entregue quando Lula tomar posse. Foram indicados, também, nomes para integrar o GT dos Povos Originários. 

“O Ministério dos Povos Originários é uma vitória e um marco histórico e vamos continuar lutando pela nossa participação na reconstrução do Brasil. Também queremos estar presentes na saúde, educação, segurança e igualdade racial: não existe Brasil sem os povos indígenas.”

Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib

Quanto às atuações independentes da Apib, Dinamam Tuxá lembra que o fato de organizações indígenas não estarem sendo chamadas a participar de eventos como a COP ao longo do mandato de Jair Bolsonaro dificultou, mas não impediu sua atuação. “A Apib participa da Conferência Climática desde 2014 e cada vez mais com delegações maiores e representativas. Isso é fruto da nossa mobilização política, parcerias, doações e projetos, não do governo federal”. 

Ele finaliza reiterando o discurso em prol de organizações e nomes indígenas na política, da demarcação das terras indígenas, da expulsão de garimpeiros e madeireiros e contra o Marco Temporal. “Ao longo desses anos o movimento social, principalmente indígena e negro, continuou batalhando pela ocupação desses espaços de poder, negociação e decisão e permaneceremos assim”.

Maria Eduarda Silva (19), foi uma das representantes da juventude ativista na COP 27. Moradora da cidade de Bonito (PE), desde muito cedo já tinha uma relação com a natureza. Foi participante do Núcleo Cidadania dos Adolescentes (Nuca), uma iniciativa para se trabalhar as políticas públicas com jovens, e hoje é atuante e mobilizadora na UNICEF Brasil.

imagem de Maria Eduarda Silva, com fundo de gramado
Maria Eduarda Silva, mobilizadora da UNICEF Brasil, foi a Sharm El-Sheikh acompanhada de mais dois jovens ativistas brasileiros: Tainara Kambeba (AM) e Victor Medeiros (SP). [Imagem: Reprodução/Instagram: @dudasilva3677]

A jovem foi convidada para representar a região do semiárido brasileiro na COP após participar de um evento em São Paulo da UNICEF com a ONU (Organização das Nações Unidas), e realizar ações com adolescentes. Ela afirma que é de extrema importância a oportunidade de poder mostrar a beleza que há no Brasil e a necessidade de preservar os biomas, como a Caatinga. “Você vê pessoas de vários lugares do mundo, cada um lutando pelo seu bioma, mas no final estava todo mundo lutando por uma única causa: a nossa sobrevivência. Acho que isso foi o mais bonito”, explica.

Para a juventude, pela primeira vez houve um pavilhão exclusivo, que recebeu palestras, bate-papos e reuniões com ministros, por exemplo. Segundo Maria Eduarda, como crianças e adolescentes serão os mais afetados pelas mudanças climáticas, possuir um local exclusivo e aberto para discussões com a presença deles é de suma importância. “As pessoas precisam entender que nós temos sim conhecimento do que precisamos, que não falamos coisas avulsas”, complementa.

imagem de placa com os dizeres "crianças e juventude" em inglês na COP 27
A juventude teve uma presença marcante na COP deste ano, e se mostrou envolvida com os assuntos relacionados às mudanças climáticas e à necessidade de transformação. [Imagem: Reprodução/Youtube: Canal Rural]

Para Maria Eduarda, é necessária uma mobilização da juventude que reivindique justiça climática desde já, principalmente no que diz respeito às comunidades tradicionais. “Comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhos e ciganos são diretamente afetados. A gente precisa colocar essas pessoas que são minoria dentro dos espaços de discussão, na linha de frente, porque é um direito nosso participar efetivamente da sociedade civil e na efetivação das políticas públicas”, explica. 

Maria Eduarda, como ativista e mobilizadora da causa ambiental, compartilha do sentimento de alívio pela eleição e presença de Lula no evento, e conta que o presidente se juntou à sociedade civil e aos jovens para ouvir suas reivindicações. Ela vê o fato ocorrido na Conferência como um grande passo para a inserção de mais jovens no ativismo. “Eu espero que na próxima COP nós tenhamos uma maior quantidade de jovens batalhando”, afirma.

*Imagem de capa: divulgação/MidiaNinja: Oliver Kornblihtt

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