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Crônica: Até onde iremos por um amor clichê?

Se você sente falta da juventude e da ingenuidade, quando acreditava que o amor perfeito te encontraria, este texto é para você

“Sonhará uns amores de romance, quase impossíveis? Digo-lhe que faz mal, que é melhor, muito melhor, contentar-se com a realidade; se ela não é brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir” – Machado de Assis

Você provavelmente já tem a definição de homem perfeito na cabeça: ele é alto, bonito, sarcástico, insaciável, irresistível e, na maioria dos casos, vocês vão se odiar de início, para depois se apaixonarem, e ele te escolherá entre tantas outras opções. É provável que você  já deve tenha lido essa história em algum livro de romance clichê. Mas, por mais  que  seja uma ideia tentadora, sabemos que não passa de imaginação: a realidade é bem diferente. 

A ideia deste texto surgiu ao ler um livro em que a personagem principal se submetia a diversas cenas vergonhosas para saciar aquela vontade de viver um amor clichê. A partir daí, pensei: “até que ponto isso  é diferente da vida real?”. Nós sabemos que essas situações dos romances são improváveis e, mesmo assim, tentamos reproduzi-las na realidade. Fomos estimuladas, desde criança, a acreditar que o príncipe viria nos encontrar e seríamos felizes para sempre — afinal, ele seria perfeito. Nem passava pela nossa ingênua cabeça que ele era um personagem fictício. Mas, longe de mim dizer que o beijo de amor verdadeiro não existe. O perigo está em acreditar que ele vai ser sem defeitos, e que a história será como as dos contos de fadas. Essa mentalidade pode fazer as “românticas” se submeterem a situações que estão longe daquelas apresentadas nos livros ou nos filmes da Disney. 

A busca pela perfeição

Eu tinha 11 anos quando li meu primeiro romance e fiquei encantada por todo aquele novo mundo do amor. Mas, estaria mentindo se dissesse que não tive todas aquelas expectativas jogadas em mim muito antes disso. Cresci com as princesas da Disney e seus pares perfeitos, com a Barbie e alguma versão do Ken, sempre muito impecável, que surgia a cada novo filme. Todas essas histórias, voltadas, especialmente, para um público feminino, me fizeram acreditar que aquilo era o que eu encontraria quando começasse a minha vida amorosa. E, embora esse seja o relato da minha realidade, sei que não fui a única alimentada por essa ilusão. 

Às vezes, as pessoas deixam de viver amores comuns para esperarem por um amor perfeito. Nos livros, tudo parece tão mágico, intenso e cheio de energia, que, quando alguém chega com a calmaria, muitos estranham por não ser aquele tipo de relacionamento em que há muitas discussões e depois homenagens grandiosas de amor; em que se odeiam no começo e depois se amam fervorosamente; em que as relações são cheias de aventura e de paixão. Acostumadas a esse drama fictício, estranhamos quando encontramos tranquilidade, e, até mesmo, deixamos de viver um amor puro por não parecer aquele amor romântico ideal, por não enxergá-lo como paixão. E, realmente, não é. 

“Amar não é aceitar tudo. Aliás: onde tudo é aceito, desconfio que há falta de amor” Vladimir Maiakóvski 

Os livros mostram a fase dos personagens apaixonados, mas não os mostra amando de verdade. Embora o personagem diga “eu te amo” para o outro, eles estão vivendo uma paixão, que é, não de maneira muito clara, diferente do amor. A primeira é incontrolável, até desconcertante, e, segundo especialistas, faz com que seus envolvidos vejam seus companheiros como pessoas sem defeitos; é apenas com o passar do tempo que essas falhas vêm à tona. Quase como um personagem fictício, não? Já o outro não incomoda, aceitam um ao outro pelo o que são, com suas qualidades e imperfeições. Por isso,  suas declarações são grandiosas e tudo parece divino, mas a realidade não é assim. Pode-se dizer, por exemplo, que são apenas os hormônios falando por si. É importante se desapegar dessa busca pelo ideal que o sentimento da paixão traz, para viver uma verdadeira história de amor. 

Dependência

“Lutar pelo amor é bom, mas alcançá-lo sem luta é muito melhor”William Shakespeare

Quando eu tinha 13 anos, dei meu primeiro beijo e não foi nada como acordar de um sono profundo, como acontece no filme da Bela Adormecida (Disney, 1959); muito pelo contrário, o primeiro sentimento foi de estranheza. Naquele momento, eu não sabia ainda, mas depois percebi que as coisas não eram como nos romances. Nem sempre ele vai cantar uma serenata na sua janela, ou o beijo vai se encaixar de primeira. Muito provavelmente, você o conhecerá sem se dar conta de que, um dia, vai amá-lo. Mas, nem por isso, qualquer pessoa  que aparecer na sua vida disposta a oferecer um pouco mais de afeto será seu par ideal. É preciso enfrentar o medo de ficar sozinha, de gostar da própria companhia, para conseguir gostar da de alguém. Isso é um outro perigo dos romances: muitas vezes, a personagem principal se sente incompleta até que tenha um par em sua vida. Mas não deve ser assim. Vou dizer o que parece óbvio, mas não é: você tem que estar bem consigo mesma para se permitir amar outro alguém, ou, em suas relações, sempre existirá uma dependência. Você vai precisar que o outro te afirme coisas para que você acredite, e uma rejeição certamente doerá muito mais. 

Aqui vai um alerta: cuidado com suas carências, elas poderão pregar peças na sua cabeça. Às vezes, você pode achar que o cara perfeito apareceu na sua vida. Por duas semanas, ele será como um sonho, mas, com o tempo, pode ser que deixe de responder suas mensagens ou nem faça tanta questão de estar com você. Este momento é perigoso, você pode estar encantada e dificilmente vai notar que não é exatamente ele quem te faz bem — uma vez que, sejamos sinceros, você mal o conhece — e sim a sensação de estar vivendo uma história como de seus livros de amor preferidos. Tal ilusão pode fazer com que você continue ali tentando, mesmo que não haja reciprocidade. Mas, de repente, perceberá que ele só queria te conquistar, uma coisa casual, nada mais. É provável que, neste instante, você perceba que ele não estava apaixonado, como os personagens da ficção. Sabe o que é pior? Algumas vezes, ele até deixa isso claro desde o começo, mas você estava tão entretida na ideia de viver um clichê, que nem percebeu. Seu coração certamente se partirá porque não deveria acontecer dessa forma, não é assim que você leu e a realidade te atingirá como uma bola de demolição: ele, no fim, não era tão especial, mas a carência te fez acreditar que sim. 

Simplesmente, também não tem como culpar o rapaz que você se envolveu. A dependência emocional te fez acreditar que havia algo a mais do que estava ali. Ele é um ser humano, não tinha como saber as expectativas irreais que eram colocadas sobre ele. Assim como para você é difícil se apaixonar tão intensamente assim, em tão pouco tempo, para ele também é, afinal, cada um tem seus traumas e inseguranças também. Os romances nos fazem crer que o par perfeito vai ser completamente apaixonado pela personagem principal no mesmo momento que a conheceu; que ele se colocará em segundo plano por ela. Chegamos a ser egoístas com nossos parceiros por ficarmos tão cegas à procura de algo assim. Como posso querer que alguém me veja como prioridade, acima, até mesmo, dele mesmo? Nos livros, isso pode ser lindo, mas, na realidade, a pessoa precisará de terapia. Não percebemos como esse pensamento é perigoso diante das situações que envolvem nosso emocional. 

E viveram felizes para sempre 

Parece muito mais fácil acreditar no amor quando ele está em contos de fadas, tudo lá é perfeito e se encaixa bem. Acho que é por isso que sinto falta da minha ingenuidade quando menor, por acreditar que o príncipe me encontraria e seríamos felizes para sempre. Eu não tinha consciência de todas as dificuldades e dependências que vinham com o se entregar para um amor — até hoje acho que não tenho. E essa é a verdadeira questão, talvez não estejamos prontos ainda. Se continuarmos com a ilusão de um romance ideal, dificilmente vamos nos acostumar com um amor verdadeiro. 

“Nada é pequeno no amor. Quem espera as grandes ocasiões para provar a sua ternura não sabe amar” Laure Conan

O amor saudável é fácil e tranquilo, muito provavelmente não será como imaginamos. Mas, ainda assim, nos fará questionar muitas coisas. Inclusive a pergunta que iniciou minha reflexão: “Até onde iremos por um amor clichê?”. Muitos fazem de tudo por essa paixão desenfreada, mesmo que se submeter às situações que te machucam não é o melhor caminho. E se, por acaso, você se ver nessa ilusão, tire suas lições. Elas te ajudarão a viver o que realmente você deseja. A intimidade e as particularidades de cada relacionamento é o que faz deles especiais. Vocês, em casal, criarão seus próprios clichês e podem ter certeza que serão mais bonitos do que os livros, pois serão verdadeiros. Outra faceta do sentimento é a sua diversidade, independente da escolha:  monogâmico, ou poligâmico, heterossexual, ou homosexual. A importância do amor está na sensação que ele transmite. Todos merecem amar e serem amados. 

Assim, embora tenha exposto os perigos de querer viver um romance perfeito, não há a necessidade de desistir completamente desse sentimento tão lindo e puro, é bom continuar com uma ilusão fantasiosa, sem se esquecer da vida real. Com o tempo, percebemos que  amar é mais do que clichês. Nossa ingenuidade pode até sentir falta de quando pensávamos assim, mas não se pode negar que o amor verdadeiro, que te faz enxergar genuinamente o seu par, é muito melhor e isso, por si só, já o torna perfeito. 

“Se as coisas são inatingíveis…ora! Não é motivo para não querê-las. Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!” Mário Quintana. 

Imagem de capa: Reprodução/Pxhere

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