Às vésperas das eleições no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (PL) desembarcou em Londres, no dia 18, para o funeral da rainha Elizabeth II. Acompanhado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, do filho Eduardo Bolsonaro, do pastor Silas Malafaia e de assessores, a visita, que deveria ser uma homenagem diplomática à monarca, ficou marcada por comícios, conflitos com cidadãos ingleses e ataques a jornalistas estrangeiros.
As declarações em âmbito fúnebre
Logo no primeiro dia, no domingo, Bolsonaro realizou um discurso na residência oficial do embaixador brasileiro para seus apoiadores, no qual afirmou que ganharia as eleições no primeiro turno — mesmo com as pesquisas de intenção de voto indicando um resultado contrário. Apesar da presença de potenciais eleitores, houveram protestos contra os assassinatos do indigenista Bruno e do jornalista Dom Phillips, além de críticas às ações ambientais do governo brasileiro.
Na segunda-feira (19), antes de participar do funeral, o Presidente voltou a falar sobre as eleições, ao rebater falas que o acusavam de utilizar a viagem para fins políticos próprios. Além disso, atacou a anulação das sentenças contra o ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva, pelo STF. Bolsonaro também classificou como “canalhice” a matéria feita pelo UOL, afirmando que não houve corrupção durante seu mandato. Divulgada no dia 30 de agosto, a reportagem expõe a compra de 51 imóveis em dinheiro vivo feita pela família Bolsonaro.
Informalidade e desrespeito
A cerimônia, no Palácio de Buckingham, em que compareceram outros cem chefes de Estado, o presidente e a primeira-dama foram recepcionados pelo agora rei Charles III. A atitude do líder brasileiro chamou a atenção dos internautas devido a sua informalidade, ao tocar no ombro de Charles, com um sorriso no rosto. Essa postura foge do esperado para o momento e, do ponto de vista diplomático, pode ser considerada desrespeitosa ao contrariar o protocolo real.
A conduta adotada pelo candidato à reeleição e seus apoiadores causou forte repercussão negativa, incluindo alegação, por parte de Soraya Thronicke (União Brasil), de abuso do poder político e econômico, além do desvio da finalidade de sua participação no funeral. A candidata à presidência também pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a proibição do uso de imagens da ida a Londres como campanha.
Para o professor doutor da ECA-USP, Eugênio Bucci, a atitude e a postura do presidente contrastam, de maneira grosseira, com o contexto de luto na Inglaterra. “Ele fez comício na sacada da embaixada, os apoiadores dele fizeram bate-boca, arruaça e, em muitos sentidos, isso foi interpretado como um desrespeito ao país”. O professor ainda sinaliza para uma tentativa de tirar proveito propagandístico do ruído causado por Bolsonaro, tendo em vista a eleição. “Além de ter sido um desrespeito, havia o objetivo de ser um ato eleitoral, utilizando um velório para fazer campanha dessa maneira, o que é inacreditável”, finaliza ele.
Condolências seletivas
Nas redes sociais, também surgiram críticas que relacionam o comportamento de Bolsonaro, na ocasião da morte da rainha, com as centenas de milhares de vítimas da Covid-19 no Brasil. Isso porque, durante a pandemia, o presidente chegou a dizer que “não era coveiro” e, por isso, não se solidarizou com os mortos. Em contrapartida, o falecimento da monarca inglesa foi suficiente para que ele viajasse a outro continente para prestar condolências pessoalmente. “Tanto no caso da monarca, quanto no da Covid, surgiram sinais de uma informalidade excessiva, de uma indiferença, às vezes, até um escárnio e outras vezes insensibilidade”, afirma Bucci.
Os apoiadores do candidato do PL também chamaram a atenção pela movimentação exaltada feita nas ruas a favor de Bolsonaro. Em alguns casos, inclusive, a polícia inglesa interveio. Isso causou incômodo por parte de alguns cidadãos locais, que pararam para pedir respeito pelo momento delicado. O atrito se estendeu aos jornalistas do país, como os da BBC de Londres, que foram atacados pelos brasileiros e chamados de “comunistas” e de “lixo”.
Repercussão na mídia internacional
Os acontecimentos também repercutiram na imprensa internacional: o jornal The Guardian chamou Bolsonaro de “populista da América do Sul” e o acusou de utilizar a viagem para impulsionar a sua campanha. Já o Daily Mail, outro jornal inglês, comparou as atitudes do brasileiro com as de outros presidentes: “o líder da direita radical populista, Jair Bolsonaro, fez um comício em tom agressivo, da janela da embaixada de seu país, incitando uma multidão com bandeiras”.
Além das eleições presidenciais, a relação do Brasil com outros países também pode ser afetada por essa viagem. De acordo com o professor Bucci, a imagem internacional do país é prejudicada pelas ações de Bolsonaro, o que é percebido nas notícias e nos comentários publicados no exterior. “Isso resulta em um efeito muito ruim e que não traz nada de bom para o Brasil. Ironicamente, nem mesmo traz de bom para a campanha dele”, finaliza.
Foto de capa: Reprodução/Instagram/@jairmessiasbolsonaro