As medidas de distanciamento não afetam somente a interação social, mas também a nossa relação com a culinária: as mudanças de hábitos alimentares são protagonistas nesse momento. “A quarentena modificou bastante as nossas rotinas. Ficar em casa nos aproxima da geladeira e do fogão, e faz com que a gente procure o alimento a todo tempo”, destaca a nutricionista Paula Alessandra da Silva.
O que podemos fazer para manter uma alimentação saudável nesse período?
Para Paula, manter a rotina que se seguia antes da pandemia é essencial, principalmente nos horários adequados. Mas Paula aponta um problema: “Uma pessoa pode ter optado por seguir todos os horários, mas sempre com alimentos muito calóricos, o que é um problema. Sem contar que é um período de sedentarismo, já que as caminhadas e corridas acabaram”.
A estudante de biomedicina Isabela Ramos da Silva explica como tem sido difícil conciliar a rotina de refeições: “Antes eu tinha uma alimentação regrada; hoje está tudo bagunçado. O meu sono influencia diretamente as minhas refeições, porque agora estou acordando mais tarde e acabo adiando o almoço e a janta. Às vezes eu acabo substituindo essas refeições por um lanche ou doce”, completa.
As mudanças nos horários das refeições, que estão mais evidentes durante a quarentena, são um leve sinal de uma rotina sedentária. Assim como Isabela, outros milhares de brasileiros estão adotando novas rotinas de alimentação e sono, muitas vezes prejudiciais à saúde. A nutricionista Paula destaca que um cardápio baseado em escolhas saudáveis é importante, como também deve estar alinhado à prática de atividades físicas.
Como fazer a manutenção do sistema imunológico através de uma alimentação saudável na quarentena?
A preocupação com a imunidade do organismo também é notória. Segundo Paula, a alimentação saudável depende das cores que compõem o prato. “A manutenção do sistema imunológico ocorre principalmente através de refeições naturalmente coloridas”, ressalta. Ela ainda reforça que “um prato colorido é um prato saudável: um prato com sete cores seria uma boa opção”.
“Trazer a inclusão de mais legumes e vegetais orgânicos para a dieta da minha família foi a forma de compensar o risco que a pandemia poderia trazer para a nossa rotina alimentar”, relata o gastrônomo Felipe Molinaro. Ele ainda destaca que o consumo de comidas por delivery em sua casa tem permanecido o mesmo de antes da quarentena: “Uma vez ou outra a gente acaba optando por uma alimentação não tão saudável, porém mais rápida”. Ainda sobre os serviços de delivery, o assistente de condomínio Paulo da Costa diz: “O delivery é sensacional para mim porque eu consigo ter vários cardápios e existem inúmeros restaurantes que oferecem esse serviço. Além do incentivo dos aplicativos de comida com os cupons de desconto”.
A cultura do delivery é outra vertente que tem mexido com os hábitos alimentares de boa parte da população: a facilidade promovida por muitos aplicativos de comida é atrativa para aqueles que não gostam de se aventurar na cozinha. Outro ponto é a praticidade que esse método gera para quem busca uma refeição mais rápida e, em alguns casos, mais barata.
Outro ponto relevante é a questão da ansiedade e o estresse gerado por ela, que afeta diretamente a alimentação e o metabolismo. Buscar alimentos em picos de ansiedade ou estresse atualmente é quase um hábito cultural, principalmente aqueles que trazem sensação de prazer imediato, que geralmente são produtos ultraprocessados: o chocolate, o refrigerante e o macarrão instantâneo.
As mudanças dos hábitos alimentares dentro do contexto brasileiro têm como principal precursor a queda de renda, principalmente das famílias mais pobres: com pouco dinheiro na carteira fica difícil colocar muita comida na mesa. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 22% do orçamento das famílias mais carentes é destinado à alimentação. E com a diminuição da renda em 50% durante a pandemia, apontado pelo o Instituto Plano CDE, a alimentação dessa camada da população fica ainda mais vulnerável.
Em contrapartida ao baixo rendimento, “quando se fala em cardápio saudável, isso não está relacionado a custo elevado”, destaca Paula. “O importante é adquirir menos alimentos com rótulos e mais alimentos que tenhamos que descascar”, ela completa.
Em uma matéria do jornal O Globo de abril deste ano, o diretor financeiro da terceira maior produtora de carne bovina no Brasil (Minerva), Edison Ticle, relata que, mesmo com mudanças na renda, o comportamento do consumidor em relação aos cortes de carnes mais baratos deve permanecer. A procura por outros produtos de menor preço também é evidente nesse período, mas, como afirma a nutricionista Paula, o importante é prestar atenção nas opções saudáveis.
Além do prisma econômico, o conforto de estar em casa e não prestar tanta atenção na alimentação como em uma rotina “normal” também impulsiona mudanças de hábitos, muitas vezes ruins. O consumo de alimentos prontos, congelados ou ultraprocessados diante de uma atarefada vida domiciliar durante a quarentena surge como praticidade em muitos lares. Sobre isso, o assistente de condomínio Paulo da Costa diz: “Eu visito muito a geladeira em casa e acabo consumindo muita coisa industrializada, justamente pela facilidade e higiene que uma embalagem a vácuo ou um produto congelado me proporciona, já que frutas e verduras acabam passando pelas mão de muitas pessoas no supermercado”.
O lado emocional também se torna um dos inimigos de uma alimentação saudável, porque as famosas guloseimas sempre são procuradas em momentos de estresse e de ansiedade. A graduanda de psicologia Isabele Lopes Pavão diz que o seu emocional tem relação direta com a comida: “Quando estou muito ansiosa acabo descontando na comida, e eu percebi isso principalmente nos estágios iniciais da quarentena”. Ela também chama atenção para outro aspecto: “Meus hábitos alimentares mudaram bastante não só por causa da ansiedade, mas também por conta da correria do home office, dos estudos da faculdade e outras tarefas do dia a dia”. Diferente de Isabele, Paulo relata que sua antiga rotina era muito corrida e sua alimentação era precária, e agora na quarentena come mais pelo fato de ficar mais tempo em casa.
A procura por receitas na internet também se destacou durante a quarentena e nos lares brasileiros “borbulham” novos aspirantes da gastronomia que se arriscam dentro da cozinha. “Eu acho isso perfeito. A maneira que as pessoas estão lidando com a comida, sendo amadoras ou empreendedoras, é linda e valoriza a profissão e a gastronomia no geral”, destaca o chef Felipe.
A substituição de refeições congeladas e de serviços de delivery por pratos preparados em casa, com alimentos in natura, é um dos estímulos da Organização Mundial da Saúde (OMS), que também recomenda o uso da internet para buscar receitas saudáveis de acordo com o gosto do usuário. Sobre isso, Paula relaciona com a questão do consumo de alimentos prontos e industrializados: “Quanto mais tempo esse alimento dura na prateleira, mais ele diminui a nossa vida”.
As receitas mais pesquisadas durante esse período, segundo dados do Google, foram: bolo de banana, panquecas, pães e lasanhas. As famosas guloseimas lideram o topo da lista e indicam as mudanças de hábitos da população e o desacordo com a proposta da OMS, além de apontar um comportamento cultural que, como Paula destaca, não é muito indicado: o consumo de alimentos muito calóricos. “Sempre pesquiso alguma receita de doce ou salgado e cozinho; estou preenchendo o tempo ocioso com a comida”, relata Isabela.
A variedade de “receitinhas” que podem ser elaboradas a partir da internet faz com que muitas pessoas durante a quarentena tenham contato direto com os alimentos que irão consumir. “A conduta de um chef é ter o dever e o respeito de entrar em contato com o alimento diretamente, e é isso que a gente vê acontecendo com essas pessoas que se aventuram na cozinha”, afirma Felipe.
A pandemia da covid-19 abalou a vida social de todos os países e continua modificando a forma de enxergar o mundo atualmente. Na culinária surgem novos hábitos alimentares e novas formas de se fazer a gastronomia que podem perdurar após o isolamento social. “Esse acontecimento pode mudar sim nossa relação com a culinária em um universo pós-pandemia. Inclusive a gente vê as pessoas fazendo cursos on-line de gastronomia”, opina Molinaro. Essa mudança também afetará o setor econômico alimentício, “já que as pessoas estão buscando cursos de confeitaria, por exemplo, justamente para incrementar a renda”, complementa Felipe, que abriu um restaurante chamado Caçarola Massas em sua casa durante a quarentena. Aproveitando o hype do delivery, Felipe decidiu investir no mercado de massas e atualmente aceita pedidos das suas receitas via WhatsApp para a região de Mairiporã.
O cenário atual requer que tenhamos uma alimentação saudável, tanto para o bem-estar pessoal quanto para o social (mesmo em casa). A nutricionista Paula ainda conclui: “É muito importante comer bem agora, mas temos que nos atentar ao que comemos durante toda a vida”. Ela lembra que toda dieta deve ser individualizada: “O que é bom para mim nem sempre vai ser bom para você”, exemplifica Paula. A procura por auxílio profissional de nutrição é indispensável para alcançar certos objetivos positivos em relação à alimentação. Mas no momento atual tais consultas médicas são inviabilizadas, assim como muitas pessoas não têm acesso a esse tipo de terapeuta. O que se propõe mesmo diante dos impasses citados anteriormente, segundo a nutricionista Paula, é a criação de rotinas como solução. “Definir um cardápio para a semana, excluir os alimentos que são prejudiciais à saúde e manipular o alimento adequadamente” são algumas dicas para manter um hábito saudável durante o isolamento social, e também no futuro pós-pandemia.