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Lugar de mulher é na cozinha (profissional): o que ex-participantes do Masterchef acham sobre machismo na cozinha

Todas as mulheres já escutaram alguma vez na vida – ou, pelo menos, souberam de outra que já ouviu – que o lugar delas é na cozinha. No entanto, o homem que criou essa “piadinha” machista não parou para pensar que muitas mulheres desejam ocupar esse espaço profissionalmente. E com certeza também não pensou que …

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Todas as mulheres já escutaram alguma vez na vida – ou, pelo menos, souberam de outra que já ouviu – que o lugar delas é na cozinha. No entanto, o homem que criou essa “piadinha” machista não parou para pensar que muitas mulheres desejam ocupar esse espaço profissionalmente. E com certeza também não pensou que elas estariam dominando cada vez mais esse mercado ainda tido, até de certa forma irônica, como masculino.
Izabela Dolabela, ex-participante do programa Masterchef Profissionais, é formada em Gastronomia e conta os desafios de ser mulher e estar trabalhando como cozinheira profissional. Já Luciana Braga, ex-participante da versão amadora do programa, fala sobre os problemas que vê na área sob a perspectiva de alguém que simplesmente ama cozinhar.

A desigualdade no mercado gastronômico

Izabela Dolabela logo de cara aponta: como a maioria dos outros mercados de trabalho, a mulher ganha descaradamente menos do que o homem no mesmo cargo também no mundo gastronômico. A participante conta que já ganhou menos que colegas de trabalho e afirma que isso, infelizmente, é comum. Contudo, esse está longe de ser o único desafio enfrentado pelas cozinheiras. Além da disparidade salarial, há também uma clara predileção por contratar homens ou mulheres jovens e com determinadas características, principalmente para serviços noturnos. “Eles contratam mulheres de preferência com menos de 30 anos e sem filhos. Homens já vêm sem filhos, porque quem cuida é a mulher”, comenta.

Assédio – e o estupro – também ocorrem na cozinha

Comum nos mais diversos setores, a cozinha também é palco de cenas de assédio e de abusos sexuais. Izabela conta que já passou por situações constrangedoras em seu ambiente de trabalho e que, na maioria das vezes, prefere fingir que nada aconteceu por saber que as consequências podem cair sobre seu emprego. “Às vezes acontece de esbarrarem em você de uma certa forma, para ‘tirar uma casquinha’. São coisas que realmente acontecem dentro de cozinha.”, diz a ex-masterchef.

Além disso, Izabela também comenta sobre um caso chocante que aconteceu em sua cidade, Belo Horizonte, e que repercutiu muito, principalmente no mundo da gastronomia. Uma das cozinheiras de um restaurante conhecido em BH sofreu uma tentativa de estupro por parte do seu chefe, e foi silenciada e – como ocorre na maioria dos casos – a princípio demitida, apesar de ser a vítima da situação.”Só depois, com as pessoas indo em cima do restaurante e falando que iam boicotar, o dono voltou atrás, demitiu o chefe e acolheu a menina”.

Cozinhar é uma obrigação feminina?

Infelizmente, devido a criação machista a que são submetidos muitos meninos e meninas, várias pessoas ainda diriam que sim. Apesar de já termos conquistado os maiores cargos das empresas, ido ao espaço e conquistado muito espaço na sociedade como um todo, há ainda quem confirme a visão retrógrada de que a mulher deve se dedicar exclusivamente a cuidar da casa e dos filhos. No entanto, para Luciana, essa suposta “obrigação” não existe. “Eu amo cozinhar, mas nunca o faria por obrigação. Cozinho quando tenho vontade, onde tenho prazer e sempre que desejo”. Apesar da cozinha ser atualmente para ela um hobby, diz que apenas aprendeu a cozinhar por necessidade. “Aprendi a cozinhar aos 18 anos porque não aguentava mais comer comida congelada. Não foi por ser meu papel, não foi para agradar a sociedade”.

Já Izabela mostra um lado não tão feminista da situação. Por trabalhar fazendo workshops de culinária, conta que já foi chamada para chá de panela – que por si só já é um nome pejorativo – para ensinar a mulher que estava noiva a fazer comida para o seu futuro marido. “Elas casam e já se sentem nessa obrigação de ‘agora eu tenho que saber fazer uma comidinha para o meu marido’”, fala. Apesar disso, ela afirma que não é contra a esposa cozinhar para o seu parceiro no intuito de agradar, no entanto que ela seja recompensada e que fique claro que isso não é sua obrigação. “É uma delícia cozinhar para o seu namorado, seu marido e ele ficar feliz, mas tem muito homem que acha que é a obrigação da mulher”. E completa: “ninguém tem a obrigação de cozinhar para ninguém”.

Educação tem tudo a ver com machismo na cozinha

Não é novidade que comumente os principais brinquedos dados para meninas durante a sua infância são “panelinhas” e bonecas. Esse costume faz parte da educação machista transmitida por muitos pais especialmente para as suas filhas. Izabela afirma que com ela não foi diferente. ”A menina ganha uma cozinha para brincar. Eu tinha uma no meu quarto. Eu ganhei uma barraca enorme do Mickey e dentro dela era uma cozinha”. E apesar de sempre ter tido gosto pelo mundo da gastronomia e colecionar brinquedos relacionados à área, afirma: “Quando que meu irmão ia pegar lá uma panelinha? Nunca na vida”.

Essa forma de educar contribui para que a cozinha seja vista como um ambiente feminino apenas quando se trata do ambiente doméstico. “As pessoas falam que ‘lugar de mulher é na cozinha’, mas é na cozinha de casa, do marido e com 4 filhos. Nunca foi lugar de mulher é na cozinha de um restaurante. Mas eu acho uma graça, porque pra mim lugar de mulher é onde ela quiser estar”, diz Izabela.
Luciana, por sua vez, lamenta o fato de muitas mulheres terem sido criadas sobre essa condição machista e aponta para a falta de oportunidades e de acesso a estudo e informação que faz com que muitas realmente pensem que cozinhar é sua obrigação. “Lamento a condição dessas mulheres que, sem educação, não compreendem o que vivem, não conseguem enxergar outras possibilidades, têm a certeza de que a sua realidade é a única possível”.

Cozinha: um lugar de pressão para as mulheres

Como se já não bastassem todos os problemas que as mulheres enfrentam na gastronomia, a pressão dentro da cozinha é, para elas, mais forte do que o normal: por ainda serem consideradas inferiores aos homens, é exigido delas muito mais esforço e resultado,como se fosse necessário provar que elas podem ser melhores do que os homens. “Às vezes a gente sente que tem que fazer mais para ganhar menos. A mulher já entra com a obrigação de mostrar serviço, que pode e que consegue. O homem, não. ‘Ele consegue, ele é homem’”, opina Izabela.

E é exatamente esse mercado que intimida e faz com que mulheres muitas vezes até desistam de seguir a carreira de cozinha profissional. Luciana, ao ser perguntada sobre suas perspectivas sobre ser mulher e entrar nessa área, diz: “Acho que deve ser mais difícil por eu ser mulher”. Além de comentar que, apesar da falta de experiência profissional, “os grandes chefs de cozinha são homens, e as mulheres, na maioria das vezes, são apenas coadjuvantes”.

Casos de machismo no Masterchef

O que acontece na vida real, se reflete na TV. Na edição do programa Masterchef Profissionais em que Izabela participou, o machismo que existe no mundo gastronômico ficou explícito durante alguns episódios. O mais conhecido foi quando, durante uma prova em equipe, o cozinheiro Ivo Lopes mandou a chef Dayse “pegar uma vassoura e varrer o chão” caso ela quisesse fazer algo para ajudar. Não diferente do resto do Brasil, tanto Izabela, quanto Luciana ficaram surpresas com o ocorrido. “A reclamação sobre o desempenho dela seria pertinente, se não fosse a menção à vassoura, retrato óbvio do machismo enraizado. Pelo fato dela ser mulher, o comentário sobre a vassoura para rebaixá-la foi uma referência direta ao gênero, o que evidencia o preconceito e o machismo”, comenta Luciana.

Já Izabela diz que, para ela, também foi um caso de machismo e que se trata de algo cultural e comum no Brasil. “Eu tenho certeza absoluta que o Ivo nunca ia chegar pro Dário (que também estava participando da prova) e falar para ele varrer o chão”. Ele nunca o trataria daquela maneira. Acho que já tá nele esse preconceito”.

O mercado gastronômico é, portanto, lindo e delicioso pelos olhos – e paladar – de quem está de fora, mas tóxico para as mulheres que estão do lado de dentro. E isso ocorre devido a educação e a cultura machista que faz com que até a cozinha profissional seja vista como lugar legítimo apenas de homens. Contudo, apesar dos desafios que as mulheres enfrentam nesta carreira, isso não é o suficiente para intimidá-las e as fazerem desistir. Machistas, vai ter mulher na cozinha, mas só se for na cozinha profissional.

Por Fernanda Teles
fernanda.teles@usp.br

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