O termo gourmet foi restrito durante muito tempo, criado inicialmente para designar alguém que tem paladar apurado e que classifica, por exemplo, vinhos e cafés. Mas, nos últimos anos, a palavra passou a ser utilizada de forma distorcida no Brasil, devido a um marketing gastronômico. A partir daí, a tendência de preparar alimentos com charme e requinte aumentou e é possível encontrar inúmeras marcas a que o signo gourmet está associado, seja por causa de um visual mais sofisticado, por utilização de ingredientes selecionados, por um método de elaboração diferenciado, ou até mesmo pelo simples motivo de dar um caráter mais chique para os produtos.
Sanduíches, hot dogs, tapiocas e sorvetes são alguns que ganharam novo estilo. Mas a onda da gourmetização atinge até o que menos se espera. Atualmente existe uma marca brasileira, a “Pipó”, que vende pipocas com sabores como “trufa branca”, “curry & mostarda” e “caramelo, coco & noz pecan”.
E nem a água escapou: empreendedores brasileiros utilizam, na Amazônia, um processo de retirada da umidade do ar para atingir a “Ô Amazon Air Water”, uma água gourmet vendida por R$21 no Brasil.
O Sala 33 conversou com a Elisa Fernandes, vencedora do primeiro MasterChef Brasil. No momento, ela desfruta de um dos seus prêmios: o curso na escola “Le Cordon Bleu” na França. “Existe uma banalização da palavra. Tudo o que tem a palavra gourmet acaba sendo uma coisa mais cara, que não necessariamente precisa ser mais cara, é só talvez pelo contexto a que ela está inserida”. Ela exemplifica que os alimentos podem se tornar mais “gourmetizados” dependendo do lugar onde são vendidos: “se tiver numa feira no Jardins, vai ser gourmetizada uma coisa que no Capão Redondo custa 2 reais. A gente acha hot dog em São Paulo por 20, 30 reais” diz.
Nessa segunda temporada do MasterChef Brasil, o tema da gourmetização surgiu em um dos programas e mostrou o receio de chefs importantes em relação ao termo. Quando um candidato afirmou que tinha gourmetizado o prato porque tinha modificado o modelo tradicional, Paola o interrompeu e pediu para que Jacquin explicasse o que é gourmet.
“Eu sou gourmet” disse Jacquin, satirizando.
“Gourmet é encher linguiça, falar demais” completou Fogaça.
Na opinião de Elisa, os chefs olham o gourmet com certa chacota. “Você tem que entender que a gastronomia tem um rigor sim, ela tem uma escola, tem toda uma história de status dela e isso eu acho que não é tão facilmente substituível apenas por produtos gourmet sendo vendidos no mercado.Acredito que os chefs tenham também essa compreensão. Mas é uma coisa que eles dão risada, achando que qualquer um pode participar e virar um chef de cozinha”. E completa: “Para a alta cozinha ser substituída, vai ter que ser muito gourmetizado esse gourmet aí”
A polêmica moderna ao redor da gourmetização foi crescendo, e o valor da simplicidade colocado em questão. Elisa afirma gostar de comida simples: “eu prefiro cem mil vezes pedir em um restaurante um frango com batata de acompanhamento do que um mega prato complicado com espuma, mas é um gosto pessoal. Eu gosto de fazer um prato em que a minha vó vai reconhecer os ingredientes.Eu tenho até interesse em saber como faz com espuma, mas eu não vou ter isso no meu restaurante quando eu tiver um”. Para ela, a comida tem que ser primeiro bem feita e o sabor que as coisas têm merece ser respeitado.
Talvez por uma valorização dessa simplicidade, ou por uma revolta em relação aos preços dos produtos gourmet, ou até mesmo por uma resistência à moda, várias críticas à gourmetização surgiram, principalmente nas redes sociais, cultivando uma aversão a essa tendência. Entretanto, a vencedora do MasterChef Brasil afirma não ter alergia ao termo gourmet: “acho que se você for esclarecido o suficiente para entender que é o termo da moda você vai conseguir passar por isso.” É, portanto, uma questão de enfrentamento.
Por Giovanna Tadini
giwolftadini@gmail.com
* Foto Destacada: Rodrigo Belentani | Band Divulgação
Será que não está na hora de “desgourmetizar” a culinária e entregar ao cliente o que ele quer degustar realmente? Obrigado
Olá, sou estudante de jornalismo da USP e queria parabenizar pelo texto. A chamada é atrativa porque contém uma personagem interessante no momento. O texto é bem escrito e aborda os diversos temas sem enrolar em cada tópico, vai direto ao ponto. Também foram felizes em trazer exemplos que eu não conhecia, mesmo o termo estando tão popularizado e já tendo lido outras matérias a respeito. E por fim, essa tirinha que dialoga com outros assuntos (e problemas) da nossa realidade transforma a pauta que pode parecer bobinha, numa reflexão de verdade! Enfim, bem escrito, bem apurado, bem editado e bem ilustrado. Parabéns!