por Natan Novelli Tu
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Após se impor sobre os colegas que o rechaçavam, Amos Oz (Amir Tessler), sob um sol quase que ofuscante, faz o caminho de volta para casa todo cheio de si. De súbito, ao dobrar uma esquina, ele avista seu pai em um café segurando a mão de uma moça que não sua mãe. Em uma questão de segundos, o sol dá lugar a uma chuva torrencial, assim como o filtro da cena passa de um agradável laranja para um sofrível azul. Finalmente chegando em casa, Amos depara-se com sua mãe que, sem nenhuma relação com o que acabara de ser testemunhado, se encontra com ares de loucura sentada sob a chuva. Mesmo que com um potencial temático muito interessante, De Amor e Trevas (A Tale of Love and Darkness, 2015) perde-se, como exposto, em constantes excessos melodramáticos e num maniqueísmo visual que tornam a experiência extremamente entediante.
Com uma carreira de sucesso atuando tanto em filmes de alto orçamento – Cisne Negro (Black Swan, 2010), Thor (2011) ou a segunda trilogia Star Wars (1999, 2002, 2005) –, quanto em produções independentes – Cavaleiro de Copas (Knight of Cups, ainda sem data de estreia no Brasil) e Viagem a Darjeeling (The Darjeeling Limited, 2007) –, Natalie Portman abre um novo rumo à sua carreira, decidindo embrenhar-se pela direção. Palestina de nascença, Portman foge de Hollywood para, em território e língua palestina, adaptar o livro homônimo de Amos Oz (o autor, que é também personagem da obra), que estreia nos cinemas brasileiros no próximo dia 05 de maio.
Escrito de forma não-linear, o livro perpassa os acontecimentos da vida do autor, contextualizando-as no cenário da questão Palestina. Defensor assíduo de uma partilha em dois Estados, Amos passa grande parte da obra descrevendo suas impressões, o que talvez explica a transposição de linguagem deficiente que se vê no filme de Portman, como expresso por exemplo nos cortes repentinos entre duas cenas e no excesso de voice-overs (uma fala sobreposta às imagens que não sai da boca de nenhuma das personagens em cena).
Intercalando três momentos temporais (a de Amos jovem, a de Amos velho e a da infância de sua mãe, Fania Oz (Natalie Portman)), De Amor e Trevas situa-se no crescimento do garoto e no imaginário fértil das histórias que seus pais lhe viviam contando. Assim como no material bruto, Portman (preguiçosamente) nos dá sinais do contexto efervescente em que Israel se encontrava no final da década de 40, como a guerra civil que se instaura depois da decisão de partilha da ONU. Por outro lado, há também o desenvolvimento do núcleo familiar de Amos, em que rapidamente (até demais, se analisarmos narrativamente) Fania começa a desenvolver um quadro de depressão.
Infelizmente, mesmo diante de tamanho potencial, Portman (que também assina o roteiro do filme) conduz uma narrativa fragmentada e sem ritmo que, descartando muitas vezes informações de forma indiscriminada, prejudica a coesão dos fatos apresentados. A sensação que se tem é a de que a diretora não consegue se decidir entre a questão Palestina e os conflitos familiares, sempre renegando o primeiro quando o segundo está em foco, e vice-versa. Indecisão esta também muito presente quanto a qual personagem o filme deve se concentrar. Por um lado, sempre acompanhamos as situações presenciadas por Amos, mas por outro, todo o desenvolvimento de personagem recai sobre Fania. Dessa forma, o protagonismo é daquele que o filme toma como ponto de vista ou daquele que se modifica conforme ele se sucede?
Esse problema é ainda acentuado por atuações desinteressantes e enfadonhas. Amir Tessler interpreta um Amos quase sempre que passivo (e inexpressivo). Não à toa estranhamos a mudança de personalidade abrupta em que ele, numa festa árabe, responde emotivamente a garota que o interpela. Da mesma forma, Natalie Portman mantém uma cara de crescente cansaço (e também inexpressividade) que nos afasta ainda mais da trama. Por fim, se a dupla principal falha em despertar qualquer empatia ao espectador, será o pai (Gilad Kahana), que mesmo previsível, conseguirá expressar alguma emoção à frieza do elenco.
Talvez para compensar a insensibilidade das personagens, Portman tenta se utilizar de um simbolismo visual pretensioso, de câmeras lentas maçantes e de uma trilha sonora, que embora muito sensível se ouvida sem as imagens, seja sugestivamente chorável. Um grande exemplo disto ocorre na cena em que Amos descuidadamente desprende a corrente do balanço, acertando (num close em câmera lenta do balanço, com uma trilha excessiva e com o sol brilhando forte ao fundo) uma criança que brincava por perto. O resultado é uma contradição do pretendido com o de fato visto, o que torna as imagens vistas caricatas e irreais, e o filme pretendido, melodramático.
Ainda que tenha precisado alocar as filmagens em outro país para fugir do convencionalismo do cinema mainstream americano, Portman acabando recaindo sobre duas das maiores abominações do mesmo: o melodrama e o maniqueísmo. Perdendo-se nas divagações da fonte literária, De Amor e Trevas não oferece nem uma boa narrativa, nem um protesto à condição Palestina, pincelando por vezes um pouco de amor, um pouco de trevas, e um muito de nada disso também…
Assista ao trailer legendado: