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Desenhos animados: muito além do superficial

Por Paula Mesquita (paulanmesquita@gmail.com) No último domingo, 17 de agosto, fez aniversário o que é considerado o primeiro desenho animado da história. Nessa data, em 1908, foi exibida em Paris a animação desenvolvida pelo cartunista Émile Cohl e entitulada Fantasmagorie – bastante rudimentar e de curta duração, mas um marco na história do cinema moderno.     …

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Por Paula Mesquita (paulanmesquita@gmail.com)

No último domingo, 17 de agosto, fez aniversário o que é considerado o primeiro desenho animado da história. Nessa data, em 1908, foi exibida em Paris a animação desenvolvida pelo cartunista Émile Cohl e entitulada Fantasmagorie – bastante rudimentar e de curta duração, mas um marco na história do cinema moderno.

   

Passados 106 anos, esse tipo de produção cresceu em larga escala e atingiu altos níveis de sofisticação. Ainda que seu propósito fundamental seja promover o entretenimento infantil, porém, é importante que se faça uma reflexão que desmistifique a ideia de superficialidade existente no processo de criação dos desenhos animados, principalmente porque eles envolvem pessoas em formação.

Um breve panorama histórico

Fantasmagorie é tido como um marco, porém os primeiros desenhos animados como conhecemos hoje surgiram um pouco mais tarde, na década de 1910. Naquela época, a maioria das animações era de curta-metragem para o cinema mudo e em preto e branco, e geralmente visando a um público mais adulto.  É o caso d’O Gato Félix, criado em 1917.

Na década seguinte foi criada a Disney, a gigante da animação, e seu mais emblemático personagem, Mickey Mouse, protagonizou a revolução do primeiro desenho com efeitos sonoros. Desde então, a Disney seguiu trilhando seu caminho para o absoluto sucesso.

Clássicos animados da década de 40 fazem sucesso até os dias de hoje. (Imagem: Reprodução)

Nos anos 1940 surgiram animações como Tom & Jerry, Piu-piu e Frajola, Papa-léguas e Pica-Pau, que, geralmente seguindo a mesma fórmula repetitiva de pancadaria gratuita e perseguições entre dois personagens, foram muito bem sucedidas e são exibidas até hoje. De um modo geral, essa fórmula foi mantida até os anos 1980.

Na década de 90, observa-se um aprimoramento no humor dos desenhos. Sátiras se tornam comuns, as piadas, mais elaboradas e desenhos como South Park e Os Simpsons marcam o retorno de um conteúdo mais adulto, investindo no humor negro. A partir desse momento, os desenhos animados passaram por um boom: ganharam espaço desenhos absurdistas tais quais Bob Esponja Bob Esponja e muitas produções japonesas, como Pokémon e Cavaleiros do Zodíaco, além de surgirem o Cartoon Network e outros canais de televisão cuja programação era composta exclusivamente de desenhos.

Em se tratando dos dias atuais, vemos um aumento no número de desenhos de caráter “politicamente correto”, marcados por uma preocupação com o meio ambiente e com a promoção de práticas sustentáveis. Isso seria um sintoma de como o contexto influencia a produção de conteúdo animado; já esse, por sua vez, não poderia deixar de ter um impacto no público infantil, como comprovam estudos sócio-antropológicos conduzidos na última década.

Impacto dos desenhos na formação de crianças

Entre 2000 e 2001, a socióloga e mestre em Comunicação Social Ana Lúcia Sanguêdo Boynard, da UFRJ, conduziu um estudo acerca das influências dos desenhos animados sobre a formação moral de crianças dos 4 aos 8 anos de idade. Foram utilizados, para o estudo, populares desenhos japoneses, como Digimon, Pokémon, Dragon Ball Z e As Meninas Superpoderosas.

A pesquisa partiu da hipótese de que os temas trabalhados pelos desenhos animados reproduzem temores que fazem parte do imaginário infantil, e propiciam a inserção, através de reflexão, da criança naquilo que a vida social aponta como comportamento aceitável. Além disso, os personagens reproduziriam modelos similares aos que, em tempos passados, eram apresentados nos personagens de história de fadas.

Primeiramente, em seu trabalho, Boynard constatou que uma parcela considerável das crianças passa, em contato com a televisão, quantidades de tempo iguais ou superiores às que passam com pais ou professores, diariamente. “Milhões de crianças, em todo o mundo, substituem a ausência familiar e compensam a solidão pela companhia de uma tela colorida, ágil, múltipla, presente, disponível. Os modelos de identificação acabam surgindo desse conjunto de influências.”

Uma observação apontada pela socióloga como estando dentre as mais interessantes resultantes de seu estudo foi a forma como a morte é encarada pelas crianças, uma vez que, no contexto dos desenhos animados, tal fenômeno não tem caráter permanente. “As crianças trabalham com a ideia de morte como algo muito singelo, desmistificado, e sendo crianças muito pequenas ainda, acompanhando diariamente episódios em que a mágica, a tecnologia, os seres mitológicos ou os cientistas podem desfazer a morte, isso é inevitável”.

Na opinião de Boynard, é exagerada, radical e reducionista qualquer tese que coloque a TV como alienadora, idiotizadora de criança, fomentadora de dependência ou deformadora do desenvolvimento mental e emocional. Conforme escreveu em sua tese: “Acreditamos que a relação das crianças com a televisão constitui-se um espaço para o desabrochar do lúdico, que por sua vez servirá bem para as interações, descobertas, investigações que a televisão como maior fonte moderna de informação permite mais democraticamente alcançar, e servirá também, através da brincadeira que é para a criança, que esta elabore angústias de perda, de morte, de solidão quando ingressa no mundo da fantasia. Muito além de confundir ficção e realidade, auxilia a criança no desenvolvimento intelectual e emocional”.

Desenhos animados e papéis de gênero

A influência dos desenhos e filmes animados sobre o público infantil passa, também, pela noção de papéis de gênero construída. Entre 2009 e 2012, a antropóloga Michele Escoura realizou, com crianças de cinco anos, um estudo que incluía observar seu cotidiano nas escolas e assistir com elas filmes das princesas da Disney.

“Quando elas assistem os filmes, compreendem que a ideia de princesa está relacionada a três necessidades: ser bonita, ter coisas e ter um príncipe. Em detalhes, isso significava que uma pessoa só poderia ser uma princesa se tivesse um homem para si (e essa ideia invoca a noção de amor romântico), tivesse coroas, jóias e uma boa postura, e, por fim, fosse ‘bonita’. Só que essa noção de ser ‘bonita’ não é algo vago, mas as crianças já percebem, aos cinco anos, que há um padrão específico de beleza que é mais valorizado”, diz Escoura.”O que os filmes da Disney fazem é traduzir um ideal sobre o que é o feminino mais valorizado pela sociedade para as crianças. A Disney, talvez, seja uma das primeiras ‘escolas’ que encontramos para aprender o que a sociedade enxerga como a mulher ideal”.

A antropóloga ressalta a mudança pela qual a figura feminina produzida pela Disney passou com o decorrer do tempo: “Quando comparei Cinderela e Mulan isso já apareceu: Mulan, filme produzido no final dos anos 90 e com uma ampla inserção das mulheres na vida pública e no mercado de trabalho, é uma heroína ativa; ela vai em busca de suas conquistas, vence com suas próprias mãos. E essa mudança acontece também por interesses comerciais: a final de contas, se o público muda, as produções tem que mudar para tentar garantir que o público continue fiel”.

À esquerda, Lindinha, Florzinha e Docinho, as heroínas de Townsville; à direita, Ele, o vilão andrógeno. (Imagem: Cartoon Network)

Nesse sentido, o desenho As Meninas Superpoderosas também é bastante valorizado por colocar em xeque as noções tradicionais de papéis de gênero. Além do fato de se tratar de meninas com poderes especiais que protegem a cidade e combatem grandes vilões, alguns elementos como a ausência da figura materna – já que as meninas são criadas e educadas por seu “pai”, o Professor –, a androginia do vilão Ele e os Meninos Desordeiros (inimigos das Meninas) e seu encolhimento mediante a ameaças a sua masculinidade são características que fazem do desenho, ao mesmo tempo, um agente revolucionário e um produto da revolução dos papéis de gênero decorrente do final do século XX.

As conclusões das pesquisadoras são complementares e nos permitem a certeza de que as ideologias e representações sociais, artísticas e culturais contidas nos desenhos animados são, além de produtos de seu tempo, relevantes para o desenvolvimento infantil. É importante, portanto, que exista cuidado; afinal, de acordo com as palavras da própria Ana Lúcia Boynard: “Não aceitamos a hipótese de que o mal está na televisão, acreditamos ter evoluído para a certeza de que o mal possível está no uso que dela se faz”.

3 comentários em “Desenhos animados: muito além do superficial”

  1. Muito bom. Curso psicologia e estou começando uma pesquisa sobre a influencia dos desenhos sobre as crianças e o papel deles, focando nos desenhos mais atuais, principalmente do Cartoon Network, que estão mostrando uma profundidade cada vez maior, na individualidade das personagens e na abordagem mais forte de temas como papeis de gênero, homossexualidade, androginia, morte, questões éticas e morais, entre outras. Seu artigo me ajudará bastante!

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