Por Barbara Monfrinato
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Se fosse para sintetizar o desejo do neorrealismo italiano, sairia algo como “contar a verdade”. Esse movimento de cinema surgiu em meio à Segunda Guerra e se firmou após seu final, em 1945, diante de uma Itália marcada por devastação, fome e desemprego. Era a realidade cotidiana de quem sofria com a pobreza e a opressão que cineastas neorrealistas como Roberto Rossellini, Vittorio De Sica e Luchino Visconti queriam levar às telas, e não o escapismo comum nas produções de lá até então.

O cinema italiano sob o fascismo teve um crescimento especial nos anos 1930, mas se dividia basicamente entre a propaganda ideológica, com temas patrióticos e belicistas, e o gênero “telefone branco”, retratando nos moldes de Hollywood a família pequeno-burguesa. Grande parte deles era feita dentro de estúdio, principalmente após 1937, com a criação da Cinecittà (“cidade do cinema”) por Benito Mussolini, seu filho Vittorio e Luigi Freddi.

Em 1943, numa Itália ocupada, com Mussolini preso e a Cinecittà passando a servir de campo para refugiados, nada disso funcionava mais. O neorrealismo vinha contra o cinema-espetáculo: a vida construída dentro de estúdios, a montagem expressiva, as tensões da dramaturgia, os artifícios narrativos. Valorizava em vez disso a “imagem-fato”, como analisou mais tarde o teórico francês André Bazin. Apenas filmando o duro cotidiano onde ele verdadeiramente acontecia, unindo tempo e espaço, respeitando a duração de acontecimentos simples, que o cinema poderia contemplar sua vocação de transmitir a realidade sem intervenção humana.
A miséria era, além da motivação ideológica, também determinante nos aspectos técnicos desses filmes. Muitos deles demoravam a ser feitos, acumulavam dívidas, recebiam dublagemdevido à escassa captação de som direto, eram filmados fora de estúdio, aproveitavam pedaços de rolos de película, não se prendiam a recursos de montagem ou de iluminação artificial. Porém, as características de produção, como gravação ao ar livre e edição mais natural, constituíam também os próprios elementos da estética e da linguagem desse novo cinema que buscava representar a realidade tal como ela é.
O termo “cinema neorrealista”, segundo Visconti, surgiu com o montador Mario Serandrei durante a produção de seu estreante Obsessão (Ossessione, 1943), considerado por alguns o marco inicial do gênero. Retratando o Vale do rio Pó, no norte da Itália, teve história adaptada de obra do americano James M. Cain – a começar daí a recusa ao nacionalismo fascista. Após anos trabalhando no cinema francês com diretores como Jean Renoir e Marcel Carné, Visconti apresentou então um estilo pessoal que, mesmo em A Terra Treme (La Terra Trema, 1948) e outras obras posteriores, estava preocupado com as relações entre o homem e seu meio.

Mas se Obsessão foi um marco mais teórico do neorrealismo, com Roma, Cidade Aberta (Roma Città Aperta, 1945) ele se viu consolidado. Rossellini retratou numa capital arrasada a resistência à ocupação alemã, fazendo sucesso entre a crítica internacional. Não traça heróis ou poetizações, apresentando o seu cinema que coloca o homem frente à realidade e respeita nela seu caráter naturalmente belo, divino. Nos anos seguintes, fez mais dois filmes sobre a devastação da Guerra: Paisà (idem, 1946), também com atores não-profissionais, em regiões diferentes da Itália, e Alemanha, Ano Zero (Germania Anno Zero, 1948), sobre a história de um garoto na semi-destruída Berlim.
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Depois, Rossellini dirigiu o que ficou chamado de “trilogia da solidão”: Stromboli (Stromboli Terra di Dio, 1950), Europa `51 (idem, 1952) e Viagem pela Itália (Viaggio in Italia, 1954). Neles o conteúdo social se dissolveu em inquietações psicológicas e espirituais de três diferentes protagonistas interpretadas pela sueca Ingrid Bergman, com quem Rossellini casou e teve filhos. Foi acusado de traição pela crítica de esquerda, como se o neorrealismo fosse feito apenas de exposições ideológicas.
De Sica tinha um traço mais sentimental. Foi ator e dirigiu filmes “telefone branco” antes de entrar no neorrealismo com A Culpa dos Pais (I bambini ci guardano, 1944) e Vítimas da Tormenta (Sciuscià, 1946). Em Ladrões de Bicicletas (Ladri di Biciclette, 1948), um dos grandes clássicos do movimento, retratou o desemprego no país a partir da história de Ricci e seu filho – ambos interpretados por atores amadores – e conquistou um Oscar. Outro clássico, e um dos últimos, foi Umberto D (idem, 1952), dessa vez com um protagonista idoso.

Em meados dos anos 1950, o neorrealismo, que nunca havia tido muita popularidade entre o público italiano, começou a dar lugar a um cinema mais envolvido com questões psicológicas e existenciais, com diretores como Federico Fellini e Michelangelo Antonioni, que tinham começado a carreira naquele ambiente. Fora da Itália, são inúmeros influenciados – renovações francesas, brasileiras, inglesas, tchecas – e o início de fato do cinema moderno.