Qual é o valor de uma árvore centenária para as pessoas que vivem em seu entorno? O poder pode pagar pelas memórias e significações que um ser inexpressivo carrega? Com essas perguntas em mente, Domando o Jardim (Taming the Garden, 2021) nos lembra da dor de perder uma árvore do seu quintal, da sua rua, da sua vizinhança, por razões às vezes incompreensíveis. E depois, com o passar do tempo, de como ficamos anestesiados e inertes perante a morte — emocional, no filme — desenfreada desses seres.
O documentário de Salomé Jashi traz em 90 minutos o processo que é desenterrar uma árvore exuberante e massiva, atravessando-a pelo oceano, para ser replantada junto a outras árvores exóticas na ilha privada do bilionário e ex-primeiro-ministro da Geórgia Bidzina Ivanishvili. Citado pelo sobrenome muito vagamente no longa, Ivanishvili é como uma sombra sempre presente, poderosa na vida dos moradores afetados por seu hobby.
Segundo filme da carreira, Jashi pouco intervém na gravação das cenas. Com a trilha sonora cedendo espaço para destacar o som ambiente, o documentário acompanha, antes mesmo de amanhecer até o anoitecer, os trabalhadores encarregados de retirar a árvore e os moradores durante seu transporte. As cenas ricas visualmente são um ponto forte de Domando o Jardim. Raros são os personagens nomeados — por vezes nem é possível enxergar bem seus rostos pela falta de closes —, pois muitos são os outros moradores por toda a Geórgia cujas árvores foram desejadas por Ivanishvili.
Não há muita variação de enquadramentos ou ângulos. O ritmo do filme é lento, com longas cenas das máquinas trabalhando, perfurando a terra — como se adentrassem o espectador —, e da árvore sendo carregada. A sensação é de estar ao lado dos moradores, junto deles no frio e no calor. Sem mudanças dinâmicas no som, na posição da câmera e nos elementos visuais, o documentário pode cansar e a concentração se perder. A câmera parada é um recurso recorrente, então deixe preparada uma boa xícara de café.
O primeiro diálogo só ocorre depois de sete minutos, e, no geral, as conversas são vagas, sóbrias e sem variação tonal. No segundo terço, o documentário Domando o Jardim mostra mais as opiniões dos trabalhadores e moradores de diferentes gerações sobre as consequências do negócio. Ivanishvili paga em dinheiro e constrói estradas em troca da árvore, sendo a infraestrutura bem-vinda para o dia a dia da comunidade, que precisa subir colinas ao longo do relevo. “Não importa o quão vilão seja, pelo menos ele está fazendo algo!”, diz um morador.
Ao longo do processo, outras árvores, muitas vezes plantadas pelos moradores há décadas atrás, precisam ser cortadas do caminho para que a árvore exótica seja transportada. Mesmo guardando memórias afetivas em relação à árvore, alguns moradores se perguntam “o que se pode fazer?”.
Com abertura a diferentes interpretações em suas cenas, como no enquadramento em perspectiva que mostra as árvores sempre muito maiores que os homens e suas máquinas, Domando o Jardim permite espaço para a reflexão sobre um aspecto da relação do ser humano com a natureza ao promover a imersão do espectador durante o desenraizamento de árvores viçosas.
Porém, o documentário não é um filme para quem quer conhecer os motivos de Ivanishvili ou possíveis confrontos de visões das pessoas envolvidas. Também não há uma discussão profunda no que tange a ação antrópica sobre o ambiente. Para aqueles que desejam uma tomada mais poética desse conflito, o documentário serve bem. O público mais amplo, pelo ritmo vagaroso e conteúdo sutil, todavia, não é instigado.
Esse filme faz parte da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto. Confira o trailer:
*Imagem da capa: Reprodução/Facebook/Taming the Garden