Por: Gabriela Bonin (gabibonin@usp.br)
É muito difícil ouvir falar de O Planeta dos Macacos e não associar o nome às obras cinematográficas, sejam elas o clássico filme de 1968 ou as inúmeras versões filmadas posteriormente. No entanto, o livro, relançado recentemente no Brasil pela Editora Aleph, consegue prender o leitor de um modo diferente, superando todas as expectativas daqueles que leem esperando encontrar a mesma narrativa dos filmes.
Em um primeiro momento, o leitor é apresentado a dois personagens, Jinn e Phyllis, que estão de férias realizando uma viagem em sua nave espacial e encontram uma garrafa contendo um manuscrito. Tal documento contém o relato do protagonista do livro, Ulysse Mérou, um jornalista francês que, no ano de 2500, embarca em uma expedição rumo à região do espaço onde fica a estrela supergigante Betelgeuse. Nesse momento, a narração passa da terceira para a primeira pessoa, sem causar estranhamento e tornando a leitura muito agradável e de fácil entendimento, ferramenta bem explorada pelo autor, Pierre Boulle.
Acompanhado pelo professor Antelle e pelo físico Arthur Levain, Ulysse pousa sua nave em um planeta, Soror, com características muito semelhantes às da Terra, incluindo uma atmosfera cujos componentes permitiam o não uso de equipamentos de sobrevivência intergaláctica. Graças às tecnologias do professor Antelle e ao conhecimento das distorções do espaço-tempo, a viagem leva apenas dois anos para os três, que atingem uma velocidade próxima à da luz. No tempo terrestre, no entanto, passam-se cerca de três séculos e meio, o que significa que os viajantes, ao retornarem, iriam se deparar com um planeta totalmente diferente.
Todavia, o retorno não ocorre da maneira imaginada. Ao começarem a explorar Soror, Ulysse, Antelle e Levain encontram uma sociedade na qual os humanos vivem nas florestas como animais selvagens e os macacos são a raça dominante. Em meio a uma caçada humana, o jornalista é capturado e levado a um laboratório, onde precisa provar aos símios que é provido de inteligência, diferente de sua espécie naquele planeta. Nesses momentos, Boulle instiga críticas à sociedade humana por meio do retrato de uma sociedade ficcional onde macacos se julgam supremos e extremamente desenvolvidos.
Paralelamente às tentativas de provar sua superioridade cerebral, Ulysse envolve-se com Nova, uma humana selvagem que desperta uma atração física no jornalista e cujas ações podem ser interpretadas como demonstrações de submissão feminina. Além disso, o livro também retrata a relação de Ulysse com Zira, uma chimpanzé que se torna sua principal aliada e confidente no novo planeta.
O Planeta dos Macacos gera questionamentos sobre o que diferencia a humanidade do restante dos seres vivos e ainda coloca em xeque a atual posição de supremacia que os homens atribuíram a si mesmos, indagando acerca do motivo pelo qual os humanos evoluíram. Apesar disso, a leitura não é cansativa e faz com que o leitor se imagine no papel de Ulysse em inúmeros momentos, tentando se encaixar no lado “inteligente” da humanidade.
Comparando literatura e cinema
A franquia cinematográfica original de O Planeta dos Macacos conta com cinco filmes, além de séries de TV lançadas na década de 70. No entanto, a comparação sempre é realizada com o primeiro filme, lançado em 1968 pela Fox. O longa, estrelado por Charlton Heston, apresenta algumas mudanças se comparado ao livro, mantendo, todavia, a essência original. “Algumas delas [as mudanças] me deixaram desconcertado”, afirmou Pierre Boulle em uma entrevista dada em 1972 e transcrita no final da edição da Aleph.
Uma das adaptações é relacionada ao primeiro contato de Ulysse com os macacos do laboratório. No livro, o jornalista comunica-se com os símios na primeira oportunidade que tem, gerando espanto nos guardas de sua cela. Já na obra cinematográfica, Taylor (nome dado ao protagonista correspondente a Ulysse) é ferido na garganta e leva mais tempo para mostrar sua capacidade de fala, criando sua icônica primeira fala “Take your stinking paws off me, you damned dirty ape!” (“Tire suas patas nojentas de mim, seu maldito macaco sujo!”).
Os personagens também possuem nomes diferentes no filme, já que são astronautas americanos, e não franceses como na obra original. A principal diferença, no entanto, encontra-se na cena final, a qual muitos espectadores consideraram impactante. Por sua vez, quem lê o livro afirma que a obra literária consegue ser ainda mais surpreendente em seu final.
De modo geral, o livro é fascinante e a edição de 2015 da Aleph contribui para agradar o leitor não só pela estética, mas pelo conteúdo extra. Além da entrevista com o autor, ela inclui um ensaio jornalístico da BBC News e um texto com comentários de Braulio Tavares, um pesquisador de literatura fantástica. Nas palavras de Clement Pieyre, responsável por catalogar as obras de Boulle na França: “o livro é uma reflexão sobre como todas as civilizações estão fadadas à morte. Tudo perece”.