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Revolução dos e-sports: a profissionalização dos games

Ano a ano, o cenário competitivo dos jogos cresce vertiginosamente no Brasil e no mundo

A soma da tecnologia à necessidade de diversão e de passatempo culminou no advento de inúmeros jogos eletrônicos no século 21. Counter Strike, lançado em 1999, League of Legends, em 2009, e Garena Free Fire, em 2017, são os principais exemplos do ramo nacional hoje. Mas, obviamente, todas essas franquias adotaram estratégias para cativar e manter seus usuários consumindo seus produtos. Uma dessas é comum: a adoção do sistema competitivo dos e-sports.

A formulação de rankings incentiva os jogadores a melhorarem suas posições e, consequentemente, consumirem mais e mais os produtos. Tamanha entrega dos jogadores ao jogo tem a profissionalização como consequência inevitável. A diversão casual dá lugar, então, a vários clubes que almejam troféus e o posto entre os melhores, assim como acontece no princípio do esporte. Contudo, nesse caso dos games, existem especificidades que colaboram para o crescimento vertiginoso do cenário.

 

Contextualizando o cenário dos e-Sports

A primeira competição com games de que se tem notícia se deu em 1972, na Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Os alunos participaram das “Olimpíadas Intergaláticas de Spacewar”, concorrendo a uma assinatura da revista Rolling Stones. Oito anos depois, em 1980, a Atari organizou a primeira competição de grande escala, com mais de 10 mil participantes na competição “Space Invaders Championship”. A Nintendo também teve seu espaço cedo, com eventos na década de 90. A internet dava seus primeiros passos, e as ligas de esportes eletrônicos também: a primeira surgiu em 1995.

[Imagem: Reprodução/CBeS]
A explosão do cenário aconteceu mesmo na década de 2000. As lan houses ou cyber cafés eram cada vez mais comuns e davam possibilidade àqueles que não tinham recurso, conhecer e praticar os principais jogos da época.

Para se ter dimensão, o número de torneios oficiais aumentou em dezesseis vezes em um intervalo de dez anos. Os eventos se tornaram tradicionais e, acompanhando a integração proporcionada pela consolidação da internet, internacionais. Assim surgiram a World Cyber Games, a Intel Extreme Masters e a Major League Gaming. Todas tinham como ideal comum construir o conceito de espectadores no e-sport, com torcida e público em arenas pelo mundo.

Junto às competições, times profissionais foram surgindo. A Made in Brazil (MIBR), fenômeno brasileiro do Counter Strike, foi uma das pioneiras, em 2003. SK Gaming e 4Kings surgiram em 1997, Ninjas in Pyjamas em 2000, Team3D e mousesports em 2002 e Fnatic em 2004. Juntos, os sete formaram em 2006 a primeira associação profissional de equipes de e-sports, a Federação G7 (G7 Teams, em inglês). Eles definiam, anualmente, regras e jogos oficiais a serem disputados, além de traçarem estratégias para engajar o público nos eventos de esportes eletrônicos.

Premiação de e-sports
[Imagem: Divulgação/ESWC]
A mídia também teve seu papel na expansão dos e-sports. A ESPN transmitiu competições do Madden NFL, jogo da franquia de futebol americano, enquanto canais na Coreia do Sul, Alemanha, Reino Unido e França mostravam ao público os principais jogos competitivos da época. Entre eles, cabe citar o Counter Strike no ramo do FPS (tiro em primeira pessoa) e o Warcraft III no RTS (estratégia em tempo real). Outros também tiveram destaque internacional logo no início do século, como as franquias StarCraft, Age of Empires, FIFA, Super Smash Bros. Melee e Quake.

Warcraft III, inclusive, foi quem entregou a maior premiação da década em um único evento nos anos 2000. Na GAME-X 2007, os vencedores levaram para casa a bagatela de US$ 57 mil, cerca de R$ 309 mil na cotação atual. Hoje, os valores giram em torno da casa dos milhões. A última Copa do Mundo de Fortnite, por exemplo, entregou o total de R$ 165 milhões aos jogadores. 

Na década de 2010, o mercado testemunhou algumas franquias que chegaram para ficar: League of Legends, em 2009, StarCraft 2, em 2010, DOTA 2, em 2011, Counter Strike: Global Offensive, a sequência lançada em 2012, e Overwatch, em 2016. O streaming com a plataforma Twitch, fundada em 2011, foi fator fundamental para a aquisição de público, com milhões de usuários diários que acessam o site para acompanhar os mais diferentes jogos e competições. Na competição DOTA 2 The International, em 2013, a Twitch registrou 4,5 milhões de espectadores.

Evento de e-sports
[Imagem: Divulgação/Valve]
O público, cada vez mais envolvido e próximo das organizações, marcou presença nos eventos. No STAPLES Center, nos Estados Unidos, ou no Seul World Cup Stadium, na Coreia do Sul, grandes eventos dos esportes eletrônicos ficaram lotados antes da pandemia. No Brasil, o Allianz Parque, o Ginásio do Ibirapuera e a Jeunesse Arena já receberam finais de League of Legends, com mais de dez mil presentes em cada evento.

As audiências superam grandes campeonatos dos esportes convencionais. A Forbes fez uma publicação mostrando dados de que o público estadunidense tem assistido mais esportes eletrônicos do que NBA (basquete), NHL (hóquei) e MLB (beisebol). Aproximadamente 67 milhões de brasileiros consomem conteúdo do ramo competitivo dos games, e canais esportivos como SporTV e ESPN investem cada vez mais para atrair esse público. Apenas China e Estados Unidos possuem mais espectadores.

Com a ascensão dos jogos para celular, como Free Fire e Brawl Stars, o público tem crescido e se diversificado pela facilidade ainda maior de acesso a esses jogos. Segundo relatório da Juniper Research, o mercado dos e-sports tende a crescer em 70% nos próximos quatro anos. A estimativa é que um bilhão de pessoas no mundo todo acompanhem as modalidades até 2025.


O boom na pandemia e os próximos passos

O cenário dos esportes eletrônicos, em meio ao caos oferecido pela pandemia da Covid-19, encontrou uma janela para ampliar seu processo de crescimento. Quando todos eventos tiveram que ser paralisados, as competições dos games continuaram pouco tempo depois de forma online e multiplicaram suas audiências. A Steam, plataforma de jogos eletrônicos mais popular do planeta, registrou o maior número de usuários online simultaneamente em seus 16 anos de história, por duas vezes consecutivas.

Mais de 20 milhões de jogadores foram registrados na pandemia [Imagem: Reprodução/SteamDB]
Segundo a plataforma Newzoo, que disponibiliza dados concretos acerca do mercado dos esportes eletrônicos, 43% dos espectadores brasileiros das modalidades eletrônicas possuem entre 10 e 24 anos de idade. Essa porcentagem no futebol, por exemplo, cai para 24%. O público, notavelmente mais jovem, teve os games como grande e única opção de entretenimento. Assim, o faturamento total do mercado em 2021 cresceu em 14,5%, já batendo a casa do US$ 1 bilhão.

Em 2020, porém, houve um decréscimo de 1,1% no faturamento, valor esse que poderia ser muito maior graças a pausa das competições em março. Acontece que o público cresceu, e não foi pouco. As plataformas de streaming tiveram 9,6% de aumento nos espectadores em 2020 e 8,7% em 2021, com inúmeros novos jogadores casuais e fãs.  As grandes competições dos esportes eletrônicos bateram recordes de audiência. Quase 100 milhões de pessoas passaram a acompanhar os campeonatos online.

Eric Teixeira, criador do Mais Esports, comenta sobre o impacto positivo da pandemia para o seu portal de notícias: “O Mais Esports ganhou muito mais audiência, a empresa cresceu demais durante a pandemia. A gente está tendo muita marca agora entrando, o tanto de banco que está patrocinando alguma coisa em e-sports hoje no Brasil. Então no início foi meio assustador e agora foi bom, porque acho que os e-sports cresceram muito durante a pandemia, acelerou bastante”.

Já Fred Tannure, diretor do Flamengo Esports até agosto de 2021, realçou pontos negativos na administração do clube: “Impossibilitou algumas coisas, como a presença dos atletas no estúdio, coisas mais tangíveis eu diria. Eu acho que teve uma divulgação maior de e-sports, mas sem dúvida teve problemas de captação de recursos, e até de como as ativações seriam feitas. Até porque as pessoas não podiam se encontrar, não podiam sair, tinham que fazer teste de PCR”.

 

times de e-sports
[Imagem: Divulgação/Riot Games Brasil]
No geral, os esportes eletrônicos sairão fortalecidos e em alta da pandemia, mesmo com o cancelamento de alguns eventos, como a maior feira de games do mundo, a E3. Mais um motivo para se afirmar isso são os rumores aumentados da inclusão de modalidades de e-sports nas Olimpíadas. Em 2017, o Comitê Olímpico Internacional admitiu a possibilidade de inclusão de jogos no programa do maior evento esportivo do planeta. Em abril de 2021, com a criação da Olympic Virtual Series, o primeiro passo foi dado.

O evento proposto pelo COI teve caráter teste e não incluiu as principais franquias do cenário competitivo. Os jogos escolhidos tinham os esportes convencionais como principal tema. De qualquer forma, há chances de vermos algum jogo eletrônico nas Olimpíadas de Los Angeles em 2028, justamente no berço dos maiores jogos do mundo. 

Eric comenta sobre a possibilidade: “O LoL [League of Legends] é da Riot [Games]. Para rolar uma partida de LoL, ela tem que liberar se você vai poder jogar essa partida ou não. Então como esses jogos vem da iniciativa privada, são jogos que têm donos, têm empresas, que têm interesse capitalista por trás, a empresa está ali para lucrar com aquilo. Não seria lucrativo para a Riot o campeonato na Olimpíada, por exemplo, ter mais visibilidade que o campeonato mundial dela, onde ela vende patrocínios.”

Para Fred, deveria haver uma união entre essas empresas de maior relevância, para formular uma competição separada das Olimpíadas de esportes convencionais. O fato é que, para esse apelo estar em pauta, os e-sports atingiram uma posição de destaque. Uma posição de profissionalização, agora como nunca.


O cenário brasileiro e a inclusão das mulheres

O Brasil tem sua relevância nas competições de esportes eletrônicos. No Counter Strike, o país só fica atrás de suecos, dinamarqueses e estadunidenses entre os que mais lucraram. Em 2016, a Luminosity Gaming e a SK Gaming foram campeãs mundiais com escalação inteiramente brasileira. Entre os nomes do time, estava Marcelo “coldzera” David, considerado o melhor jogador do mundo nos anos de 2016 e 2017 pela HLTV. No entanto, os times brasileiros figuram nas competições internacionais sem grande brilhantismo atualmente.

Jogador de e-sports
[Imagem: Reprodução/HLTV]
O League of Legends não teve os mesmos resultados expressivos. Enquanto as equipes brasileiras do Counter Strike disputam competições dos Estados Unidos e da Europa, o Brasil não conseguiu mais que duas vitórias em participações no Mundial do jogo da Riot Games. Foram sete participações, e desde que o campeão brasileiro passou a disputar a fase preliminar, em 2017, não há representantes do país na fase de grupos.

Fred, ex-diretor do time campeão do Campeonato Brasileiro de League of Legends em 2019, fala de uma nova perspectiva para o fim dessa disparidade: “Eu acho que o essencial seria continuidade, seria frequência. Eu acho que o que vai fazer com que diminua a disparidade do Brasil para outras regiões mundiais é você conseguir ter um time consolidado que consiga ganhar campeonatos seguidos e obviamente consiga poder participar dos mundiais. Você tem tempo para trabalhar, você mantém um elenco, até mexe uma peça ou duas, mas o core, a essência do time continua”.

O Free Fire, por sua vez, tem os times brasileiros em posição de destaque. Em 2019, o Corinthians foi campeão mundial, logo na segunda edição do torneio. No ano passado, foi a vez da Team Liquid vencer a competição continental, disputada no lugar do Mundial por causa da pandemia de Covid-19. A competição internacional voltou a ser disputada esse ano em Singapura, com o segundo lugar da LOUD e o quarto lugar do Fluxo.

[Imagem: Reprodução/Garena]
As equipes do Brasil também possuem grande relevância no Rainbow Six Siege; possivelmente, é o jogo de maior destaque recente. No Mundiais de 2021, foram dois títulos brasileiros em dois torneios: Ninjas in Pyjamas em maio e Team One em agosto. Os quatro melhores jogadores do mundo, de acordo com o Siege.gg, são também brasileiros; o posto máximo de destaque ficou com Paluh, de apenas 21 anos.

O cenário competitivo de Valorant é o mais recente, e o Brasil não teve bom rendimento no único Mundial disputado. O Fortnite é repleto de bons jogadores, mas ainda não no patamar dos maiores do mundo, na maioria estadunidenses. O país do futebol não se traduz tanto no FIFA, mas jogadores como Zezinho e Fifilza são sempre competitivos internacionalmente.

Entre todas essas modalidades, algo está surgindo em comum: a presença de clubes de futebol. Como já citados, Flamengo e Corinthians já foram campeões em League of Legends e Free Fire, respectivamente. Santos, campeão de FIFA, e Cruzeiro também figuram nas grandes competições. Da primeira divisão do esporte nacional, apenas Palmeiras, Fluminense, Grêmio e Cuiabá não apresentaram suas divisões de esportes eletrônicos. Nenhuma modalidade olímpica, por exemplo, aparece tanto quanto entre esses clubes.

Esse fenômeno, segundo Fred, se dá pela popularidade recente dos jogos: “Além de ser uma nova forma de receita em novos negócios, eu acho que é uma nova oportunidade para o torcedor torcer. Eu acredito fortemente de que e-sports serviram como uma espécie de catalisador para aumentar o número da torcida, ou seja, se o Flamengo hoje tem 20% da população brasileira, eu acredito que e-sports vai acelerar o processo para que o Flamengo tenha 25%, para que o Flamengo tenha 30%”.

A principal dificuldade na expansão do mercado dos e-sports é a inclusão das mulheres no espaço dos games. O Valorant é uma das poucas franquias que investem em um campeonato feminino. Apenas uma mulher atuou até hoje no Campeonato Brasileiro de League of Legends, e recentemente Juliana “showliana” Maransaldi se tornou a primeira brasileira a atuar internacionalmente, por Counter Strike e Valorant.

Uma pesquisa realizada pela PGB Brasil neste ano constatou que as mulheres representam 51,5% do público ativo nos jogos eletrônicos, mas que não se consideram tanto “gamers” como os homens. Um dos motivos para isso são frequentes os casos de assédio e de desrespeito quando são notadas por jogadores. Alguns projetos lutam para dar o espaço merecido no cenário dos games, como o Sakura Esports, o Valkirias e o You Go Girls.

[Imagem: Divulgação/Sakuras Esports]
Sobre isso, Eric comenta sobre os primeiros passos a serem dados. Para ele, o primeiro passo seria combater a toxicidade dentro dos jogos, como xingamentos gratuitos, ou casos de assédio, também simplesmente por elas serem mulheres. Isso, segundo o jornalista, afasta as mulheres e as deixa em uma posição desconfortável. Ele também aplaude as competições restritas para mulheres: “São muito importantes. Faz com que as meninas tenham outras mulheres que elas possam se espelhar”.

De qualquer maneira, o mercado muda pouco a pouco seu pensamento para crescer em união. O mercado investe cada vez mais nos jogos sem o princípio de risco que rondava o negócio há pouco tempo atrás. Agora, na verdade, é certeza: os esportes eletrônicos são uma realidade no Brasil e no mundo. 

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