Por Matheus Souza (souzamatheusmss@gmail.com)
O aumento da frota de veículos elétricos, mundialmente, é uma tendência que parece irreversível. Em diversos países, principalmente no continente europeu, seu comércio vem sendo impulsionado por meio de incentivos fiscais, tornando-o vantajoso tanto para os fabricantes quanto para os motoristas. A pressão para que ocorra essa transição do combustível para o elétrico vem de diversos lados, sendo o principal deles o fato de que automóveis movidos a eletricidade são menos danosos ao meio ambiente.
Entretanto, a questão não é tão simples: para que os carros elétricos tornem-se o novo padrão de mobilidade urbana, uma série de medidas precisam ser tomadas, e, por mais que a tecnologia avance rapidamente, a “revolução elétrica” esbarra em questões econômicas e de políticas públicas bastante complexas.
Eletrizar é a solução (ou quase)
Conforme explica o professor Marcelo Alves, do departamento de Engenharia Mecânica e do Centro de Engenharia Automotiva da Escola Politécnica da USP, a principal diferença entre veículos comuns e elétricos é o tipo de motor utilizado. No primeiro, o funcionamento ocorre a partir de um líquido que sofre reação química de combustão, ou seja, queima, como gasolina e álcool. Com essa reação, o líquido combustível libera energia através da expansão de um gás, que movimenta as peças do motor, e, consequentemente, as rodas do carro. Por isso, esses são chamados motores de combustão interna.
Já os motores elétricos são acionados por uma bateria que armazena energia, a qual seria o equivalente ao tanque de combustível de um carro comum. Existem ainda os veículos híbridos, que possuem ambos os tipos de motor ‒ em alguns modelos, a maior parte da energia é gerada via combustão, e, em outros, via eletricidade.
O que tem justificado a busca pela substituição dos veículos movidos a combustível é, principalmente, o impacto que eles causam no meio ambiente, já que a reação de combustão resulta na emissão de diferentes gases poluentes. Lançados na atmosfera em grande quantidade, esses gases formam uma camada em torno da Terra que dificulta a liberação de calor, contribuindo para a intensificação do chamado efeito estufa. Além disso, são prejudiciais também à saúde humana, causando problemas respiratórios que reduzem a qualidade de vida.
A vice-presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Iêda de Oliveira, destaca também outras vantagens dos automóveis movidos a eletricidade: “Além do principal ponto, que é a questão ambiental, há a questão do ruído, que também envolve saúde, e, na sequência, o conforto”. De acordo com ela, os motores elétricos são muito mais silenciosos que motores a combustão, e, por serem controlados automaticamente, esses veículos oferecem maior comodidade ao motorista.
Mas, ainda que os pontos positivos sejam vários, outros fatores também merecem atenção. Para que natureza realmente saia beneficiada, é preciso levar em consideração todo o ciclo energético que abastece esses carros, como explica Marcelo: “Se ocorre a queima de combustíveis fósseis para gerar energia elétrica, por exemplo, uma maior frota de veículos elétricos vai implicar numa maior queima de combustíveis fósseis”. Dessa forma, os gases do efeito estufa continuariam a ser lançados na atmosfera. O descarte das baterias elétricas, no fim do ciclo, também pode se tornar um problema ambiental, caso não seja bem planejado. Há ainda questões que extrapolam para o campo da política e economia de cada país em discussão: “Em alguns lugares, a energia elétrica vem de energia nuclear, e existem algumas restrições dessa forma de energia, seja por pressão social, porque o custo é considerado alto ou porque o desenvolvimento dela pode levar, em caso de instabilidade política ou de um regime político não confiável, à proliferação de armas nucleares”, esclarece o professor.
Mobilidade urbana e políticas públicas ‒ o futuro é mesmo elétrico?
Ao descobrir as vantagens que os veículos elétricos podem trazer para as pessoas e o meio ambiente, a primeira pergunta que ocorre é por que eles ainda não são comercializados de forma mais expressiva no Brasil. Afinal, a tecnologia é avançada o suficiente: já existem modelos capazes de circular no dia a dia das grandes cidades, como o híbrido Toyota Prius, cuja bateria é carregada automaticamente enquanto o motor a combustível está em uso, sem necessidade de conectar à tomada; ou o completamente elétrico Tesla Model S, que, a uma velocidade de 100 km/h, é capaz de rodar cerca de 400 km sem precisar de recarga.
Geralmente, a demora para incorporar esses modelos ao mercado é creditada ao baixo interesse das lideranças políticas na questão ambiental, uma vez que a adesão inicial depende muito de incentivos estatais, como é possível perceber pelo caso de outros países. Na Noruega, por exemplo, automóveis elétricos são isentos de alguns impostos que continuam valendo para carros comuns, e há estacionamentos gratuitos ou com preços subsidiados, entre outras vantagens. Foi dessa maneira que, em 2017, os elétricos passaram a representar mais de 50% das vendas de automóveis no país.
Entretanto, mesmo que a classe política fique mais engajada a respeito deste tema, ainda haveria diversos obstáculos a ser derrubados para que este sonho pudesse virar realidade.
O primeiro deles é o preço. Segundo a tabela de preços da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a versão 2018 mais barata do Chevrolet Onix, o modelo a combustível mais vendido atualmente no Brasil, pode ser adquirida por cerca de R$ 36 mil. Enquanto isso, o BMW i3, um dos poucos elétricos à venda no país, custa em média R$ 163 mil, quase cinco vezes mais caro. Como explica o professor Marcelo Alves, essa diferença é natural no primeiro momento, e, com a popularização, a tendência é que gradualmente os preços se tornem mais acessíveis.
Uma vez que o valor deixe de ser uma barreira, ainda há outros problemas. Para que as cidades possam comportar uma grande quantidade de veículos elétricos, é preciso preocupar-se também com a estabilidade da distribuição de energia elétrica, que, no Brasil, ainda não é realidade. Sempre que há períodos de aumento do consumo, o brasileiro vive sob ameaça de grandes acréscimos no valor do fornecimento, ou até mesmo de apagões.
Existe também uma questão prática que diz respeito ao tempo de recarga, uma vez que a maior parte dos carros elétricos exige no mínimo algumas horas para completar a capacidade da bateria. Em relação aos veículos movidos a combustível, essa característica é uma clara desvantagem. Ao redor do globo, várias empresas movem esforços para desenvolver tecnologias que possam reverter essa situação ‒ uma das que mais se destaca é a Tesla com seu carregador Supercharger: instalado em pontos estratégicos nos países onde a marca está presente, o equipamento possui uma tecnologia que, em tese, permite carregar a bateria o suficiente em apenas meia hora. Todavia, não existe ainda nenhum modelo parecido que possa ser aplicado em grande escala para substituir os postos de gasolina, onde o reabastecimento é feito em minutos.
Apesar deste cenário, Iêda de Oliveira acredita que essas questões podem ser contornadas com o devido planejamento. Para ela, os veículos podem ser abastecidos durante a noite, quando há ociosidade de consumo. “O ideal […] é que comecemos a criar condições, e, quando for construído um prédio público ou privado, estejam previstos os eletropostos. Isso é uma coisa que já vem sendo discutida na legislação de algumas cidades”.
Um caminho possível, ela explica, é que a transição seja feita na prática a partir dos órgãos públicos. A ABVE acredita que poderia haver um esforço maior para substituir parte das frotas públicas por automóveis de energia limpa, o que valeria tanto para o sistema de transporte público quanto para equipamentos de uso próprio dos governos municipais, estaduais e federal. Isso serviria de incentivo para que, aos poucos, a adesão por veículos elétricos aumentasse naturalmente.
Neste sentido, a cidade de São Paulo foi pioneira. Já em 2009, durante a gestão Gilberto Kassab, foi aprovada no município a Lei de Mudanças Climáticas, a qual determinava, por exemplo, que até 2018 todos os ônibus do sistema de transporte público deveriam utilizar combustível renovável não fóssil. Entretanto, a proposta não saiu do papel. Como os prazos não foram cumpridos, a ideia voltou a ser discutida e no início deste ano o então prefeito João Doria sancionou outra lei com um novo cronograma: agora, o objetivo é reduzir a emissão de gás carbônico em 100% até 2037. A representante da ABVE aponta que a dificuldade de colocar essas mudanças em prática é um problema generalizado no Brasil: “O que falta é introduzirmos essas políticas públicas de uma forma que elas possam ser medidas, acompanhadas ano a ano, com um cronograma que apresente um resultado […], porque pioneirismo nós temos”.
Enquanto isso, alerta o professor Marcelo, outros mercados pelo mundo estão avançando, principalmente na Europa, com grandes produtores de automóveis como França e Alemanha, e na Ásia, em que principalmente a China coloca-se como fornecedora de bateria e motores elétricos. “Esses países apertaram o acelerador porque lhes interessa economicamente. Na Europa, para continuar na liderança tecnológica, manter suas marcas competitivas. E, na China, porque há oportunidade de entrar numa indústria que começa do zero”.
Para Iêda, estamos no caminho certo, ainda que a passos curtos. Mesmo assim, não há tempo a perder, e ela finaliza apontando a urgência da questão: “Eu acho que falta uma consciência muito grande de que as pessoas estão morrendo porque respiram nos grandes centros […]. Então, por que veículos elétricos? Qual a importância disso? Por que a gente precisa reduzir as emissões? Porque as pessoas estão morrendo simplesmente por respirar. Acho que esse é o ponto fundamental”.