São Paulo, 1971: local e data de nascimento de Inaê Coutinho, hoje uma profissional e pesquisadora reconhecida no ramo da fotografia, atuando na área há 25 anos – e convidada da VII Semana de Fotojornalismo. Mas tudo começou por acaso na carreira dela: “eu fui acompanhar uma amiga numa sessão de fotos, para uma foto que era um nu; o fotógrafo estava sem assistente, eu comecei a ajudá-lo e ele me chamou pra trabalhar. Foi ótimo!”, conta, em encontro no saguão do Teatro Laboratório da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
Da história engraçada, a fotografia se tornou uma profissão e um meio de expressão artística na vida de Inaê, que atualmente realiza trabalhos autorais e os expõe em galerias de arte. Além disso, trabalhou profissionalmente fotografando eventos e casamentos, atividade que não exerce mais há quatro anos. “E não vou voltar”, avisa.
Além de artista, Coutinho tem carreira como pesquisadora na área: graduada pela Unicamp em Artes Plásticas e Educação Artística, seu interesse acadêmico por fotografia surgiu ainda na graduação, quando fez iniciação científica e trabalho de conclusão de curso sobre o assunto. No ano passado, obteve o grau de doutora em poéticas visuais na ECA e concluiu seu estágio doutoral na Sorbonne Nouvelle Paris 3, orientada por Philippe Dubois, apoiada pela CAPES-PDEE.
O fato de ser mulher não impôs barreiras à sua atuação. Inaê explica que não há espaço para preconceitos de gênero na fotografia. “Tem muito mais mulher fotografando do que quando eu comecei. Acho que o preconceito contra a mulher se dá em outra natureza, na hora que você tá sendo contratada pra fazer o que você faz com excelência, ele não tem muito espaço. No jornal talvez fosse um pouco mais difícil, mas eu não tenho essa experiencia pra contar”. A profissional chegou a trabalhar com jornais, mas por pouco tempo.
Ainda assim, a artista pondera que o campo fotográfico ainda possui uma predominância masculina. “Eu sei que são poucas as mulheres, e isso não é só no fotojornalismo, mas em qualquer profissão. Eu não tenho estatísticas, mas eu vejo que a fotografia é um ambiente que não é de gênero, talvez as atuações específicas de mercado sejam. Há trabalhos de homens super sensíveis e trabalhos de mulheres super sensíveis também. Acho que é mais da natureza de cada um”, analisa. “Os preconceitos são mais sutis, são mais de uma pressão, e de uma cobrança excessiva. Há vários outros caminhos de exercer o machismo”.
Se o preconceito não foi uma barreira em sua carreira, a estatura, essa sim, foi. “Nos casamentos que eu fiz que eram de celebridade, tinha uma coisa que era espaço físico. Por exemplo, num altar eu tinha que cutucar a pessoa. Eu não sou uma mulher grande, sou uma mulher pequena. Era mais uma coisa de estatura e maneira de se impor do que de ser mulher ou homem”, lembra. “Mas também tem qualidades, por exemplo, ser mulher me permitiu ver a noiva se vestir e fazer lindas fotos dela se vestindo”.
Sobre suas referências, Inaê se alonga, como que se desfrutasse das fotos em sua mente. “A Cláudia Andujar, que fala de um universo brasileiro, dos índios, e de uma forma muito sensível, muito onírica, e também ao mesmo tempo trazendo informações antropológicas sobre o assunto. Eu gosto do trabalho da Chris Bierrembach que é completamente radical, um trabalho muito visceral.”
E continua: “falando das brasileiras, o trabalho da Maureen Bisilliat, também de um lirismo incrível, uma plasticidade. E se eu falasse da historia da fotografia, pensaria na Julia Margaret Cameron, que fotografava a própria família, e que partiu desse universo da família, pra fazer retratos sobre comida, e acabou virando uma fotógrafa, eu acho que é um exemplo de como a mulher dá a volta nesse machismo”. Por fim, se recorda da mestra Camila Butcher: “primeira fotojornalista que usou uma câmera 35mm pra fazer evento social, uma coisa que ninguém fala, ninguém lembra, ninguém reconhece, mas na fotografia de eventos ela é um paradigma, um olhar super apurado, uma consciência estética profunda, uma qualidade técnica excepcional, acho que me ensinou muita coisa”.
Se o campo fotográfico não possui um machismo latente, como então utilizar a fotografia para trabalhar as questões de gênero atuais? A resposta vem rápido, da ponta da língua. “A fotografia é um instrumento. A linguagem fotográfica é um instrumento, é transversal, posso usar pra falar de história, geografia, relações humanas. O que estiver diante da câmera, dependendo de como você ordenar a imagem, cria um discurso em relação a isso. Então a fotografia se presta a qualquer coisa que queira usá-la, inclusive para o bem e para o mal”, finaliza.
por André Spigariol e Thiago Quadros
andre.spigariol@gmail.com e thiagoquadrosm@gmail.com