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Em busca do Maravilhoso

As luzes se apagam, a música clássica se inicia e paisagens plácidas e lindas aparecem. Algum tempo depois, uma voz solitária fala consigo mesma, reflexiva. Malick está de volta, e desta vez, com menos intervalo de tempo. Apesar da longa carreira, iniciada em 1969 com o curta- metragem Lanton Mills, o longa Amor Pleno (To the …

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As luzes se apagam, a música clássica se inicia e paisagens plácidas e lindas aparecem. Algum tempo depois, uma voz solitária fala consigo mesma, reflexiva. Malick está de volta, e desta vez, com menos intervalo de tempo. Apesar da longa carreira, iniciada em 1969 com o curta- metragem Lanton Mills, o longa Amor Pleno (To the Wonder, 2013) é apenas seu sétimo trabalho. Apenas. Como dizia o título de uma mostra de sua obra feita pelo Centro Cultural São Paulo (CCSP) em 2011, Malick tem um “cinema contemplativo”. De fato, tudo nele funciona na mais perfeita harmonia de modo que as almas dos personagens, da natureza e da música se unem para desvelar a temática em questão de forma sutil e, acima de tudo, sensível. Seus personagens são indagadores de sua própria existência, e suas vozes flutuam no ar enquanto o que há de calmo no mundo ao seu redor nos é apresentado. Grandes planos gerais que revelam paisagens quase inabaláveis e uma câmera solta que só não chega mais perto dos personagens porque não é possível filmar suas essências. Amor Pleno segue a mesma linha, mas talvez o título original faça mais sentido – To The Wonder (em tradução livre, “Ao Maravilhoso”). Quatro personagens centrais vão ao encontro dessa maravilha simbolizada pelo amor e pela fé.

Um jovem casal – ela (Olga Kurylenko) francesa, ele (Ben Affleck) americano, ela apaixonada, ele em dúvida –  muda-se para os Estados Unidos. O que parecia simbolizar o apogeu dos dois, juntos da filha da jovem moça, termina por ser seu declínio. Ela, dançante e leve como antes o era, vai ficando triste e insegura, com seu amor quase adolescente e aparentemente não correspondido.  O que ia tão bem vai definhando, e ela, tão alegre, se deprime. Paris parece mais segura, e ela parte. Em seu lugar, uma amiga de antigamente do seu amado toma lugar, e o ciclo recomeça. Ela se apaixona, ele não.  E tudo se acaba, antes de começar. “Eu pensei que te conhecia. Agora penso que você nunca existiu. Tudo o que tivemos foi nada. Você transformou em nada”, diz ela a si mesma. A moça dançante volta. Eles se casam para que ela possa fica no país, e tudo parece bem. Há, no todo, algo que diz que aquela cerimônia é uma prova, um símbolo do amor.  Mas volta a agonia, e junto dela a raiva. “Como o ódio veio tomar lugar ao amor? Como o meu terno coração endureceu?”. E as danças cessam.

Do outro lado, o homem inseguro tenta achar o que em tudo aquilo há de errado. Talvez ele. Não se decide. “O homem que hesita, com este não se pode fazer nada. O homem que erra pode se arrepender”. E, ele, homem de poucas palavras, hesita. Experimenta a dúvida eterna aparente. “As pessoas fracas nunca põem fim a nada. Elas esperam que os outros o façam”, diz a jovem em sua agonia íntima. E assim é que ele vai se desligando, sem nunca nada dizer. A solidão e a inquietação chegam a nós de modo tão sutil, que os menos observadores, ou ainda, os menos condescendentes, deixam passar. Durante a história do casal, há duas escadas-símbolo. A primeira, logo no início do filme, os leva “às maravilhas”, como ela diz. Um jardim, no alto de uma antiga construção na França, quando o amor parecia para sempre. “Amor que vem de lugar nenhum. De todos os lugares”. Mas “para sempre não existe”. A segunda escada coloca-se à frente dela como tentação. A oportunidade de ceder a outro. E ela, triste e cansada de suplicar por um amor incompleto, sobe. O mote para o fim.

Se de um lado há um homem em dúvida com seu amor, do outro há um duvidando da própria fé. O padre (Javier Bardem), ao meu ver, traz algo de São Manuel Bueno, Mártir, de Miguel de Unamuno, buscando no que prega algo em que acreditar. “Em todos os lados está presente. E mesmo assim, não consigo vê-lo”. Assim como na obra de Unamuno, o padre da igreja católica criado por Malick continua seu ofício em nome da fé presente nos outros. “Por quanto tempo vai se esconder? Deixe-me chegar até você. Deixe-me fingir. Fingir sentimentos que não tenho”. Ele experimenta a agonia de um homem sem algo em que se apoiar, já que a fé é como um suporte. Sem ela, ele vê-se perdido, e apesar do bem-querer dos fiéis, é só. Ele tenta esconder sua tristeza em meio aos sermões, e buscar o Deus do qual tanto fala. Repete as palavras como para acreditá-las. “Te busco intensamente. Será você como um riacho que seca?  Mostre-nos como encontrar você. Ensina-nos a como procurar você. Fomos feitos para ver você”.

Malick, antes formado filósofo, depois cineasta por consequência de acasos, utiliza mais do que bem seus estudos do homem e seus conhecimentos, verdades, virtudes e vícios. Seus homens e mulheres nos mostram suas almas na sutileza. Porque na verdade, somos assim de fato. Nossas tristezas quase sempre são disfarçadas e nossas alegrias usam o corpo como fachada. E tanto em uma como na outra, independente das variações de como nos portamos, nossos olhos sempre nos entregam. Malick coloca-nos de frente com nós mesmos e consegue fazer disso uma sinfonia orquestrada pelo sentimento.

Por Sofia Calabria
sofiacalabria@gmail.com

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